As Oblatas chegaram a Portugal em 1987, mas foi a ‘casa do sexo’ que as tornou faladas em 2012
Em vez do convento há um apartamento num prédio pintado a cor-de-rosa e um outro espaço onde se concentram mais de uma dezena de prostitutas, em dia de formação de alfabetização e apoios vários, na Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor. Como o hábito não faz a freira, as únicas quatro representantes desta congregação em Portugal, vizinhas do Intendente, vestem ‘à civil’ – para não criar barreiras – e poderiam passar despercebidas, não fosse o público com quem trabalham as conhecer do ‘terreno’, onde distribuem contraceptivos e doces às mulheres que vendem o corpo para sobreviver nas ruas da capital.
"Não é preciso haver crucifixos espalhados porque para Jesus o que importa são as pessoas e por isso são as pessoas que aqui estão, a trabalhar para que estas mulheres também sejam pessoas. Porque o seu corpo pode estar degradado e ser maldito para elas, mas por dentro são tão filhas de Deus como nós", explica a directora da Obra Social, a irmã María Ángeles, sobre a ‘falta’ de referências religiosas no espaço.
A POLÉMICA ‘SAFE HOUSE’
A congregação em causa esteve no centro da polémica por causa do projecto de uma ‘Safe House’ (‘Casa Segura’) onde as prostitutas poderiam trabalhar, que as irmãs propuseram à autarquia de António Costa em conjunto com o Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/Sida. Neste espaço, "que seria liderado pelas prostitutas em cooperativa e onde, além do trabalho sexual, poderiam ter apoio ao nível da saúde, justiça, Segurança Social e inserção laboral, seriam elas a decidir o que fazer" no caso de a proposta ser aceite, explica Helena Fidalgo, leiga e directora técnica da Obra das irmãs.
María Ángeles, que chegou a Portugal em 2002, inspirou-se num modelo "de casas semelhante que existe perto de Cádis, em Espanha, onde as prostitutas eram apoiadas, tratadas e amparadas. Todas elas, nos quartos onde trabalhavam, tinham uma imagem de Nossa Senhora junto de flores frescas, tinham uma fé imensa", recorda sobre o tempo em que viveu nessa comunidade no país onde nasceu.
"Era isso que eu imaginava em Portugal, melhor do que as abandonar e deixar à sua sorte. Nesse sítio no Sul de Espanha conheci portuguesas que eram modistas no Alentejo mas que faziam dois meses ali, na prostituição, porque o dinheiro da costura não dava para tudo. São mulheres que têm de lutar para dar de comer aos filhos e que o faziam em Espanha porque em Portugal as reconheceriam."
Foi no país vizinho que conheceu "as histórias mais trágicas. Lembro-me de uma mulher, em Madrid, a quem o marido, que era o seu chulo, vinha sempre ao final do dia cobrar. De outra que mataram e empedraram num muro até a descobrirmos. Prefiro estar num bairro de prostituição e estar com estas mulheres para que se sintam tranquilas e seguras. Não lhes falo de Deus, não imponho a religião, apenas nos meus actos transmito o seu amor."
Esta irmã, de 71 anos, enverga com orgulho o cabelo vermelho e o cachecol colorido. Estudou para ser professora e ouviu tarde o chamamento. "Era muito rebelde e andava sempre de festa em festa. Mas comecei a sentir um vazio, uma tristeza, o sentimento de que algo estava fora do sítio. Quanto mais triste estava a mais festas ia, até que perguntei a um padre o que tinha. Ele disse que era o chamamento para me dedicar aos outros, para uma vida espiritual. Quando o comecei a fazer, o vazio desapareceu. Escolhi estas mulheres por sentir que junto delas podia ser útil."
A Obra Social das Irmãs Oblatas surgiu em Portugal em 1987. "O cardeal-patriarca de Lisboa [D. António Ribeiro] escreveu uma carta a dizer que as prostitutas precisavam de ajuda. Em Portugal ninguém lhe respondeu, então ele escreveu para Espanha, a pedir-nos ajuda. Nessa carta ele falava muito das prostitutas do Bairro Alto. Não pude ir logo, porque fazia parte da equipa do governo provincial, mas comecei a aprender português porque as mulheres do Bairro Alto ficaram gravadas na minha mente, um dia tinha de ir à procura delas."
Quando chegou não encontrou o Bairro Alto, antes o Intendente – na altura em que as Oblatas se instalaram no País acharam, entre os dois locais e o Cais do Sodré, que era ali "que estavam as mulheres mais degradadas e exploradas". As irmãs de então já não são as de hoje – há uma rotatividade grande nas Oblatas, que estão em 14 países – mas a Obra continua com o mesmo princípio. Dentro de casa, as quatro irmãs da Congregação cozinham, vêem televisão e conversam.
"O que mais gosto é de documentários e de algumas telenovelas, mas a minha paixão é a música", conta a irmã María Elena, 47 anos, também espanhola, que antes de ser freira actuou num rancho folclórico. Conheceu as Oblatas na Andaluzia, mas foi tarde que teve a ‘permissão’ da família para entrar na vida religiosa. "A primeira vez que estive com prostitutas foi difícil. Cheguei a dizer que ia embora, que não aguentava, porque era difícil perceber aquele mundo, mas fui ficando e comecei a entendê-las."
Mesmo em Portugal, "no início, tinha de encontrar a motivação para falar com elas, fiz um caminho. Hoje sinto que todo o tempo que posso dispensar – pertence às equipas de rua que passam as noites nos locais onde as prostitutas mais estão (Artilharia 1, Técnico e Intendente) – pode fazer toda a diferença. O mundo delas é tão agressivo, negro, que quebrar isso dá-me a certeza de estar no caminho certo".
Quanto à distribuição de contraceptivos – que o Papa Bento XVI condena – é clara: "Jesus dizia que é mais importante o Homem do que as regras." A irmã Odete, a única portuguesa da congregação de Lisboa, passou 40 anos no Brasil a lutar por isso mesmo. Regressou "às raízes" já reformada, mas com a mesma vontade de ajudar. "Não só as prostitutas, mas também os sem-abrigo. Quando percorro a Almirante Reis sorrio a todos. São vidas complicadas, mas nós estamos cá mesmo para isso: ajudar quem precisa. Claro que também temos momentos de rezar, mas o nosso objectivo é rezar com a vida. De que vale passar horas e horas a rezar se não ajudo quem precisa e se a minha vida for contrária ao que rezo?".
NOTAS
MULHERES
Obra Social localizou "cerca de 400 prostitutas em 2011". Diminuíram as imigrantes.
EQUIPA
Quatro irmãs e trinta funcionários leigos na Obra: mulheres, homens "e até não católicos".
DINHEIRO
"O financiamento principal da Obra Social vem da casa-mãe de Espanha, da sede das Oblatas".
FUNDADORA
A fundadora da Obra (1967) foi educadora dos reis de Espanha e falava cinco idiomas. O fundador era bispo.
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