“Paguei muito mais do que isso, e se falta pagar alguma coisa não me diz respeito.” Pinto da Costa não falava de uma transferência futebolística. O ‘dragão’ respondia em público à mulher, que se queixou dele à comunicação social. A porta da casa das figuras públicas está cada vez mais escancarada
Os cheques eram do Barclays e do BPI e haviam ainda comprovativos de depósitos e transferências para a conta da sua filha. A ocasião era a de uma conferência de Imprensa, no auditório do estádio do Futebol Clube do Porto. Pinto da Costa, presidente polémico mas sempre discreto em relação à sua vida pessoal, justificava-se como se falasse de uma transacção de craques ou de um desaire futebolístico, depois do escândalo ter rebentado na Comunicação Social. Bateu ou não bateu em Filomena Morais? Paga ou não paga a pensão de alimentos à filha de ambos? Tinha tido ou não uma postura cordata durante a separação? Este episódio no ‘quartel’ dos ‘dragões’ integra uma saga iniciada nas páginas do jornal 'O Crime' – com uma reportagem sobre a vida amorosa e o património de Pinto da Costa – e seguiu para as do 'Expresso', semanário de referência que fez primeira página com a entrevista da ex-mulher.
“Quando vi a mulher do Pinto da Costa não quis acreditar e depois quando o vi a ele fiquei estupefacto. Então um homem que nunca queria falar com ninguém, que decreta boicotes, que é cioso com a vida particular, conhecido por algumas 'bojardas' para fazer reserva do que não lhe agrada divulgar... aparece daquela maneira em público?!” A frase de espanto é de Carlos Castro, responsável por décadas de crónicas e notícias daquilo a que se convencionou chamar de ‘social’.
Mas, para além do pudor, do zelo por aquilo que se passa no resguardo das quatro paredes, “as pessoas recorrem à exposição da vida privada quando lhes é útil”. Cintra Torres, crítico de televisão, frisa que “os media estão disponíveis, é certo, mas as pessoas também. Não se sabe o que começa primeiro. Mas a verdade é que é útil aos media, às pessoas que sobre si falam, aos leitores que gostam de ler”. Para o crítico, o fenómeno põe-se menos na exposição de pessoas que, aparentemente, jamais o fariam mas mais na generalização da informação da vida privada por órgãos de informação que, tradicionalmente, não se mostravam abertos a este tipo de noticiário. As fronteiras da especialização estão “a diluir-se”.
“Ao longo dos séculos, em privado sempre houve problemas entre marido e mulher, mas a posição do macho era dominante e estas coisas nunca vinham a público.” Para Carlos Castro vive-se 'um reality' show impressionante em Portugal, devido a uma sede de protagonismo terrível”. “Não acredito que seja a comunicação social a procurar sempre a informação. Há, sim, alguém que a informa do facto. A vida privada deixou de ter valor; desde que apareceu o 'Big Brother' nunca mais saímos dele.”
A pena de Carlos Castro foi sempre temida. Mas o cronista diz que ainda se lembra do tempo em que fazer uma reportagem com uma celebridade significava falar de teatro, de música, da sua vida profissional em geral. “Agora é a vida toda, na casa, com o cão, na casa-de-banho, na piscina, no quarto. Uma tendência que não só está radicada na imprensa especializada mas que passa fronteiras até à TV.”
O PRAZER DE COSCUVILHAR
“As pessoas são coscuvilheiras natas, gostam de espiar. Não estou a falar, sequer, da perspectiva dos órgãos de Comunicação Social mas de toda a sociedade de consumo que tem um gosto mórbido pelo alheio, pelo privado, pela sexualidade. Gosto que tem vindo a crescer exponencialmente graças ao mercado aberto e às possibilidades económicas.” José Luís Garcia, sociólogo, fala de uma crise de valores, da falta de uma força moral que sirva de referência, numa sociedade de raiz católica, como a nossa, em que a Igreja “não tem tido capacidade de mobilização e de dar resposta às novas questões”. Admitindo que não foi o ‘boom’ 'Big Brother', a dar origem a um certo voyerismo, José Luís Garcia, investigador do Instituto Superior de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, assinala o programa como “revelador de uma sociedade já em crise”. “Nunca até então se tinha assistido às avozinhas a justificarem porque é que as netas tinham sexo em directo. Talvez porque a visibilidade se associou à fama e ao dinheiro; isto numa sociedade em que não há emprego e em que a fama nem sempre é fácil, pelo menos sem talento para alguma coisa em especial.”
Carlos Castro não tem dúvida que, no dia em que a vida privada de pessoas públicas deixasse de ser exposta nas parangonas, muitas revistas do ‘coração’ morriam. “Não haja dúvidas que estas publicações dão o que as pessoas querem. Por isso, existem tantas. Existe muita bisbilhotice, inveja e muita vontade de protagonismo. Estamos num jogo perigoso entre a Comunicação Social e as figuras públicas”, diz o cronista, lembrando que a dimensão do País atrasa o progresso da utilização do privado. “Um caso rende para várias publicações, durante várias semanas. Em Espanha, a TVE tem todos os dias um programa com escândalos totais.”
O psicólogo Quintino Aires explica este apetite pela vida do próximo: “As pessoas fazem um esforço brutal para se entenderem a si próprias e entendem-no através da compreensão do que se passa com os outros. É por isso que se abranda numa auto-estrada para se ver um acidente.” Para este psicólogo, nos últimos 20 anos assistiu-se a uma “mudança grande na personalidade” dos portugueses. De neuróticos – com vergonha perante o privado – pássamos à ‘boardline’ em que não existe preocupação pela exposição pública desde que “se possa agredir ou ganhar alguma coisa”. Relativamente, ao ‘marco B.B.’, Quintino Aires frisa que não foi o concurso que mudou Portugal. O sucesso radicou apenas numa verdade: o País estava preparado e queria um programa da vida real.
APANHADOS DA VIDA REAL
- “Eu tenho a consciência tranquila.” Justificava-se Rita Seguro, a apresentadora de ‘Lux’, um programa sobre o ‘jet7’ nacional, referindo-se à quezília nas páginas da imprensa cor-de-rosa que metia no mesmo ‘spot light’ o marido - o arquitecto João Covacich - e a custódia dos filhos de ambos. “Ninguém tem nada a ver com a minha vida. É um assunto que só interessa a mim, ao João, aos bebés e à família.”
- As confissões de uma actriz discreta, como Sofia Alves, foram feitas ao cronista social Carlos Castro. Falou sobre o marido, Pedro Esteves, assistente de produção na NBP, a separação e o novo amor, Celso Cleto: “Fui muito leal com o Pedro e só tomei esta decisão depois de ter resolvido todas as questões morais.”
- “Receei que a minha mãe não resistisse a este embate.” Herman José referia-
-se deste modo ao “atropelamento emocional” provocado pelo interrogatório sobre prática sexuais com adolescentes, no desenrolar do ‘novelo’ Casa Pia. “Estou zangado com a arrogância de alguma imprensa, triste com o laxismo de outra e de relações reforçadas com outra.”
- “Os meus filhos são a minha prioridade. De resto, não falo sobre a minha vida privada.” Artur Albarran irá, depois de ver o seu nome pelas páginas da Imprensa e na TV, à conta do fim da relação que mantinha com Lisa. Tinha sido ‘apanhado’ com a sua nova paixão, Sandra Nobre, num acontecimento social. Para trás, uma troca de acusações de maus-tratos e de problemas psicológicos entre a mulher e o ex-jornalista.
- Era um actor discreto, ou pelo menos não era hábito vê-lo na Imprensa que não fosse a propósito do acto de representar. Vítor Norte entrou para a casa do Big Brother e em linha recta para as ‘páginas cor-de-rosa’. Desistiu do casamento, assumiu outra paixão – pela colega Cláudia Cadima – e amuou com os filhos, tudo em directo mesmo depois de já ter saído da casa mais vigiada do país. “Durante anos e anos vivi sempre para os outros. Trabalhei muito mas pessoalmente nunca me aproveitei do dinheiro que ganhei, pois entregava-o todo em casa. Quando precisava pedia. O bem-estar dos meus filhos sempre foi e é o mais importante mas hoje tenho de o admitir, sempre fui um pau mandado.” Carla Lupi – a legítima esposa – veio depois dizer que queria o divórcio.
- “Ele batia-me à frente dos nossos filhos”. A frase fez manchete no Correio da Manhã em Setembro de 2002. A vida privada do casal Tallon – entretanto, separado – faria as páginas da Imprensa portuguesa durante semanas a fio. Falava-se de violência doméstica mas a exposição dos dias de Catarina acabaram por redundar num movimento contra mulheres maltratadas.
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