As emboscadas causaram a maioria dos feridos e mortos. Mas um acidente com o comandante do nosso batalhão e a bravura do coman-dante da minha companhia estão entre os factos de que mais me recordo
Embarcámos no navio ‘Vera Cruz’ a 28 de Junho de 1961 e chegámos a Luanda a 7 de Julho. Foi uma viagem nos porões de que não guardo saudades. Permanecemos nos arredores de Luanda durante um mês, participando em diversas operações entre a capital de Angola e Catete. Nesses combates o batalhão sofreu a primeira baixa.
A 12 de Agosto partimos para o Norte, com destino ao colonato do Vale do Loge – pernoitámos em Ambriz e na Base Aérea de Toto, durante alguns dias –, onde permanecemos até meados de Dezembro de 1961. Uma das primeiras missões da companhia foi a construção da pista de aviação do colonato, concretizada em três dias, debaixo de grande calor e apenas com catanas, enxadas e pás. Era o início de quatro meses muito difíceis, com minas nas picadas e emboscadas quase todos os dias. Levávamos com o inimigo logo que púnhamos a cabeça fora do quartel, quando íamos buscar água e lenha.
As primeiras baixas – sete feridos, um furriel e seis soldados – numa emboscada, a 22 de Setembro, entre o colonato e Nova Caipemba, causaram algum efeito psicológico. Mal tivemos tempo de nos refazer do choque daquele ataque. Quatro dias depois, o nosso pelotão caiu numa emboscada, nas margens do rio Loge. Estivemos 40 homens três horas e quarenta minutos debaixo de fogo cerrado. Nunca pensei sair dali com vida. Valeu-nos o capitão Firmino Miguel, comandante da companhia, que veio em nosso auxílio com dois destacamentos de morteiros, que afugentaram o inimigo.
Mesmo assim, a emboscada teve consequências graves: morreu o furriel António Mendes Ribeiro, meu comandante de secção. Uma bala furou-lhe o capacete e sofreu morte imediata. Registaram-se ainda os seguintes feridos: o furriel José do Vale Silva, o 1.º cabo Álvaro Luís Ventura e os soldados José Bernardo Albano, José Manuel Cavaco Coelho e David Arcanjo das Neves.
O ano de 1962 foi mais calmo – incluindo uma curta estadia em Luanda para retemperar forças –, mas em Junho voltámos à frente de combate. Fomos destacados para Tomboco, onde participámos em inúmeras operações e registámos mais baixas. O soldado Custódio Alves, vítima de doença, faleceu em Julho de 1962 e, a 25 de Agosto, numa emboscada, morreu o soldado Amílcar dos Santos Marreiros, ficando feridos os soldados José Manuel Caliço Garrão e Paulino Soares. Foram as últimas baixas da companhia.
Permanecemos de Janeiro a Outubro de 1963 em Cacuso-Malange, sem grandes problemas e regressámos, no ‘Vera Cruz’, tendo chegado a Lisboa a 9 de Novembro de 1963. A minha grande alegria aconteceu em Faro, quando pude, a salvo, abraçar a família. Terminava a minha aventura na guerra colonial, mas ainda hoje estou ligado a iniciativas da Liga dos Combatentes.
Nunca mais esquecerei o então capitão Firmino Miguel, comandante da minha companhia, que viria a falecer em 1991, num acidente de viação na marginal do Estoril, que foi candidato à Presidência da República. Quando chegou ao Regimento de Infantaria de Faro, para comandar a companhia, foi olhado com desconfiança, porque mantinha o pessoal a alguma distância, parecendo ser muito duro. Só em Angola percebemos que estávamos na presença de um grande estratega militar. A emboscada de 26 de Setembro – que causou a morte do furriel Ribeiro e mais vários feridos –, dissipou todas as dúvidas quanto à bravura de Firmino Miguel. Veio em nosso socorro e, debaixo de fogo, com a ajuda dos morteiros, fez debandar o inimigo, que era em muito maior número, salvando a vida de 40 militares.
Foi vítima de um acidente caricato que lhe fracturou um pé, em Dezembro de 1961. Um soldado, que descarregava um cunhete, deixou-o cair, atingindo o capitão, que teve de ser evacuado de helicóptero. Firmino Miguel foi substituído interinamente, por pouco tempo, pelo capitão Magalhães Osório, que viria a falecer em combate na Guiné, com mais dois majores.
Outro episódio que recordo aconteceu quando estava de guarda ao quartel e fui surpreendido pelo aparecimento de um negro com uma bandeira branca na ponta. Era Pedro Tumissungo Cardoso, conhecido por ‘Tocoista’, secretário da União das Populações de Angola (UPA), que fugira das suas tropas para se entregar. Foi aproveitado como nosso guia e fazia parte do pelotão emboscado quando morreu o furriel Ribeiro. Outro guerrilheiro da UPA, um bailundo que se entregou, fez uma revelação que nos deixou estarrecidos: havia guerrilheiros que envenenavam as águas do rio em que, habitualmente, nos abastecíamos.
Uma morte que me marcou muito foi a do comandante do nosso batalhão, o tenente-coronel Carlos Lomelino, vítima de um acidente que ocorreu no dia 12 de Outubro de 1961, no colonato. O oficial, por descuido, aproximou-se demasiado de um avião a trabalhar, foi sugado e uma hélice cortou-lhe a cabeça. Um horror. Passados alguns anos, fui aos EUA e, numa comunidade de portugueses, conheci uma senhora de apelido Lomelino. Era a sua filha. Contei-lhe os pormenores do acidente. Ficou muito comovida e agradecida, pois nunca tinha conseguido saber a causa da morte do pai.
'DADA A VIOLÊNCIA DA GUERRA, JÁ SABIA QUE IA SER MOBILIZADO'
'Assentei praça em Abril de 1960 no Regimento de Infantaria n.º 4, em Faro, recém-casado, e passei algum tempo tranquilo como ordenança na secretaria. Em Junho de 1961 recebi a ordem de marcha para Angola. A surpresa não foi total, porque já constava que, dada a violência da guerra, ninguém iria escapar à mobilização. Fomos de comboio de Faro para Lisboa, onde embarcámos no navio ‘Vera Cruz’'. Firmino Bota Galvão, nascido em 2 de Março de 1939, em Almancil, é casado com Irene Vicente Mestre e tem dois filhos, com 44 e 41 anos. É comerciante, com vários negócios, e tem uma drogaria no sítio das Quatro Estradas, entre Loulé e Quarteira. Quando veio da guerra, emigrou para França, onde esteve quatro anos. Depois, foi funcionário da TAP, em Faro, durante 17 anos.
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