Carlos Anjos escreve sobre o homicida de Carqueja
m dos processos que marcaram o País foi o do ‘rei Ghob’. Em julho de 2010, Francisco Leitão, mais conhecido por ‘rei Ghob’, foi detido pela PJ como suspeito de ser o autor da morte de quatro pessoas.
Esta complexa investigação teve a sua origem com o desaparecimento da jovem Tânia Ramos. Durante as diligências com vista à localização de Tânia, a PJ foi confrontada com o facto de, na mesma zona, estarem desaparecidas mais três pessoas, existindo ligações entre todas elas, uma vez que todas tinham ligações a Francisco Leitão. E foi assim que se iniciou a investigação e se chegou a Francisco Leitão, homem que acreditava ter poderes místicos e que vivia numa casa conhecida como ‘O Castelo da Carqueja’. A este homem tinham-lhe dado o nome de ‘rei Ghob’, o ‘rei dos Gnomos’, sendo os ‘gnomos’ os jovens que o seguiam.
Para percebermos este indivíduo, com cerca de 45 anos, acompanhado quase exclusivamente por jovens com idades inferiores a 20 anos, principalmente do sexo masculino, convém conhecermos o significado mitológico do nome: ‘rei dos Gnomos’ ou ‘rei Ghob’. Estes dois títulos aparecem muito associados a uma religião pagã, chamada Wicca, de origem celta e druida, e que tem seguidores principalmente entre camadas mais jovens da população. Em zonas de influência celta é normal ver jovens vestidos de negro que aderem a esta crença no sobrenatural. De frisar que a palavra Wicca é a evolução da palavra inglesa antiga Wicce, que era usada para designar ‘bruxo’. O ‘rei Ghob’ era pois um ‘bruxo’ que adivinhava o destino e assim conseguia ascendente sobre aqueles jovens.
Os primeiros casos
Mas todo este caso terá começado em abril ou maio de 1995. António d’Albuquerque, mais conhecido por ‘Pisa Lagartos’, separou-se da esposa, deixou Lisboa, onde vivia, e foi residir para Peniche. Era sucateiro de profissão, tal como o ‘rei Ghob’, de onde adivinham as relações entre ambos.
A vida de António d’Albuquerque foi-se degradando, situação que o levou a adquirir um veículo do tipo furgão, onde passou a viver, tendo-se fixando-se na localidade de Carqueja, perto da casa de Francisco Leitão. Bebia em excesso, sendo que no dia 10 de novembro de 1995 deu entrada no hospital de Peniche com o diagnóstico de etilismo agudo. Foi assistido e foi-lhe dada alta nesse mesmo dia.
António d’Albuquerque deixou de ser visto, nunca tendo sido encontrado o seu corpo. Como andava muitas vezes embriagado, ninguém estranhou a sua ausência, tendo mais tarde a sua morte vindo a ser declarada e por sentença proferida no âmbito dos autos de justificação de morte presumida, que correu no Tribunal Cível de Lisboa.
Mais tarde, Francisco Leitão conheceu Ivo Delgado, de 17 anos, tendo este ido trabalhar por conta dele, no ramo da sucata. O relacionamento entre ambos evoluiu para uma relação de natureza íntima e sexual, acabando os mesmos por coabitar, em união de facto, na residência de Francisco Leitão. Em junho de 2008, Ivo Delgado inicia um outro relacionamento amoroso, com Tânia Ramos, razão pela qual começa progressivamente a afastar-se de Francisco Leitão. Devido a este esfriar da relação e sabendo qual era a causa desse afastamento, movido por ciúmes, decidiu matar Tânia, a qual tinha uma filha de tenra idade. No início de junho, Francisco Leitão tirou a vida a Tânia Ramos, tendo escondido o seu corpo de forma a que nunca fosse encontrado.
Apropriou-se do telemóvel de Tânia, a partir do qual enviou várias mensagens para os seus familiares, unicamente com o intuito de criar nestes a convicção de que ela decidira deixar tudo e fugir para outras paragens, mas estava de boa saúde.
Francisco Leitão demonstrou preocupação com este caso, tendo mesmo acompanhado a mãe de Tânia à GNR para apresentar a comunicação de desaparecimento.
No dia 21 de julho de 2008 enviou do telemóvel de Tânia, como se fosse ela, um sms escrito, para o irmão dela, onde dizia: "Desculpa por tudo o que aconteceu, onde eu me encontro estou bem. Cuidem da minha filha por mim. Não se preocupem comigo. Perdoem-me por tudo." Desconhecendo o que aconteceu a Tânia, e não desconfiando do envolvimento de Francisco Leitão, Ivo Delgado manteve a decisão de se afastar dele. É que no dia 26 de junho de 2008, perto da Lagoa de Óbidos, na sequência de uma discussão, Ivo voltou-lhe as costas para entrar na viatura de uma amiga, Mara Lúcia, abandonando aquele local com ela.
Fora de si, Francisco Leitão retirou da sua viatura uma barra de ferro, tendo desferido uma pancada na cabeça de Ivo. Este caiu de imediato, a sangrar e respirando com dificuldade. Francisco Leitão, com o auxílio de Mara Lúcia Pires, coloca-o na bagageira da viatura, tendo Ivo vindo a falecer, devido às lesões causadas pela pancada que lhe foi infligida. À semelhança do que havia acontecido com Tânia Ramos, também o corpo de Ivo nunca apareceu.
Depois da morte de Ivo, Francisco Leitão apoderou-se dos bens dele, nomeadamente o telemóvel, os cartões multibanco e o carro, um Audi A4. Conhecedor da personalidade e dos hábitos dos familiares de Ivo Delgado, Francisco Leitão iniciou diversas manobras junto dos mesmos, que se prolongaram no tempo, de molde a criar e a reforçar-lhes a convicção de que o Ivo estava vivo e que apenas se ausentara para fugir às autoridades devido a crimes que contra ele pendiam.
Nos dias a seguir à morte de Ivo deslocou-se à residência dos pais, tendo-lhes dito que a ausência do filho era voluntária, e que ele tinha medo de ser preso, pedindo-lhes para não comunicarem a ninguém o seu desaparecimento.
Mais tarde, voltou a entrar em contacto com os pais de Ivo, dizendo-lhes que tinha estado com ele e que este lhe havia entregue o Audi, para que ele o utilizasse até ao seu regresso.
Com alguma periodicidade, passou a contactar os pais de Ivo, dando-lhes falsas notícias do filho, dizendo que falava ao telefone com ele e que o mesmo se encontrava em Espanha. Pediu-lhes dinheiro e alimentos, a fim de os fazer chegar ao filho, que estava em dificuldades, e solicitou-lhes também que procedessem ao carregamento do telemóvel.
Na posse do telemóvel de Ivo, envio sms aos pais dele a dizer-lhe que estivessem descansados, pois estava bem. Chegou mesmo a levar o pai do Ivo a Badajoz, para se encontrar com o filho. Já em Badajoz, disse que o encontro não se podia realizar, porque Ivo corria risco de vida. Enviou cartas a familiares de Ivo, cartas essas que foram escritas no seu computador. Conseguiu durante muito tempo criar-lhes a ilusão de que o Ivo estava vivo.
Novamente por ciúmes
No final de 2008 ou início de 2009, um outro jovem, à data com 16 anos, torna-se amigo de Leitão e integra o grupo de jovens na casa deste, ou seja, passa a fazer parte dos gnomos. A relação entre este jovem e Francisco Leitão intensifica-se e passam a manter contactos sexuais, os quais tinham lugar no castelo da Carqueja.
Entretanto, no final do verão de 2009, este jovem começa a namorar com Joana Correia, uma jovem de 16 anos de idade. Ambos pertenciam ao grupo de jovens que se encontravam em casa de Francisco Leitão, sendo que alguns dos contactos sexuais entre estes dois jovens ocorreram nessa mesma casa. A partir do momento em que começou a namorar com Joana, o jovem tornou-se rebelde e deixou de acatar algumas ordens dadas por Francisco Leitão, começando a recusar ter contactos sexuais com ele.
Foi nesse momento e antevendo que o jovem queria acabar a relação amorosa que tinha consigo que Francisco Leitão decide tirar a vida a Joana Correia, de forma a não perder o amor do jovem.
Para ganhar uma maior confiança com Joana Correia, Francisco Leitão começa por facilitar os encontros entre ela e o jovem namorado, fornecendo inclusive um quarto e assegurando-lhe transporte para sua casa.
No dia 3 de março de 2010, decidiu matá-la. Para isso, convidou-a a ir a sua casa, para fazer uma surpresa ao namorado. Prontificou-se a ir buscá-la a casa e a trazê-la para junto do namorado, fazendo-lhe assim uma surpresa. Para convencê-la a ir a esse encontro, Francisco Leitão, nesse dia trocou 182 mensagens escritas com Joana, até a convencer.
Cerca das 19h30 desse dia, Francisco Leitão apanhou Joana junto da residência dela e levou-a para sua casa. Infelizmente, Joana Correia nunca chegou a casa de Francisco Leitão, ou seja, nunca chegou ao anunciado encontro com o seu namorado. Francisco Leitão tirou-lhe a vida, matou-a. À semelhança do que já havia feito às outras vítimas, apoderou-se do telemóvel dela, para poder jogar com os sentimentos dos familiares de Joana. Também o cadáver desta vítima nunca foi encontrado.
Ao longo dos dias que se seguiram, Francisco Leitão foi utilizando os telemóveis das suas vítimas para mandar sms aos familiares delas, fazendo-lhes crer que eles estavam vivos, mas que, por razões não explicáveis, haviam fugido para o estrangeiro.
Para se ter um noção mais exata da perversão deste indivíduo, só no dia 7 de março de 2010 enviou mais de 20 mensagens escritas para os telemóveis da mãe e da irmã de Joana, fazendo-se passar por ela, dizendo-lhes, nomeadamente, "Mãe tou bem Okay depois eu volto Okay beijinho*, "Mae deichame tar Okay eu depois volto", "Okay depois eu volto mas agora tou a trabalhar num bar Okay", "Okay ja nao quero tar ai, aqui estou com o pessoal fumamos uns canhoes e ta tudo bem okay". Enviou ainda uma mensagem ao namorado a dizer-lhe, "Amor eu estou bem. Okay. Amo-te".
Todas estas mensagens foram enviadas do telemóvel de Ivo, mas com o cartão do telemóvel de Joana Correia. Durante esta investigação, a PJ veio a encontrar os telemóveis destes jovens na casa e na posse de Francisco Leitão, bem como outros pertences que eles tinham consigo à data do seu desaparecimento.
Apesar de todas as diligências efetuadas, não foi possível encontrar os cadáveres destes jovens. Francisco Leitão nunca assumiu a autoria dos homicídios, como nunca disse o que fez aos corpos das suas vítimas, impedindo assim que os pais e restantes familiares lhe pudessem fazer o luto, e acima de tudo soubessem onde eles estavam.
Em audiência de julgamento, Francisco Leitão, o ‘rei Ghob’, um fraco rei que assassinava os seus seguidores, foi condenado pela prática de três crimes de homicídio. O tribunal condenou-o a 13 anos de prisão pela morte de Tânia Ramos, 12 anos pela morte de Ivo Delgado e 18 anos pela morte de Joana Correia. Em cúmulo jurídico, foi condenado à pena máxima que o nosso sistema admite: 25 anos de prisão.
No entanto, aos pais destas vítimas, Francisco Leitão negou para sempre não apenas a presença dos seus filhos, por os ter assassinado, como também lhes negou o direito à memória, uma vez que nunca lhes indicou o lugar onde estão os seus corpos.
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