Na primeira entrevista depois de vencer um cancro na laringe, o ex-presidente do Brasil Lula da Silva assumiu que, mais do que a morte, o assustou a possibilidade de perder a voz. "Se eu perdesse a voz estaria morto", admitiu.
Perder a voz não consta dos medos mais comuns do ser humano, porque poucos param para lhe dar valor, mas quem a usa como instrumento de trabalho conhece bem a sensação de precisar dela e ela não corresponder. Em comparação com cantores, actores, locutores e professores, os políticos nem são dos profissionais que mais sofrem de problemas de voz, mas em época de campanha eleitoral os níveis de risco sobem vários degraus. Em Fevereiro de 2005, o único debate a cinco entre os líderes dos partidos parlamentares acabou reduzido a quatro depois de Jerónimo de Sousa ter ficado afónico e impossibilitado de continuar em estúdio.
"Senti uma tensão enorme na medida em que não sendo um debate decisivo, era importante. Pesou a responsabilidade. Embora já sentisse algum ‘estrago’ que resultou de uma campanha intensa feita em pleno Inverno, não esperava o bloqueio total em estúdio", recorda à Domingo o líder do PCP. A somar à agitação própria de qualquer batalha política, com muitos quilómetros na estrada e intervenções inflamadas em público, "houve um elemento crucial: o velho estúdio do Lumiar foi aquecido e o ar condicionado estava no máximo. Entrei com voz e quando me foi dada a palavra descobri que não a tinha. Quando saí recuperei-a. Voltei a entrar e novamente a perdi".
Depois disso, Jerónimo procurou ajuda médica – "terapia de voz e acerto de respiração" – e guardou uma lição: "Dá-se mais valor às coisas quando as perdemos, não é?". Em Junho de 2011 foi a vez de José Sócrates – que venceu nas eleições em que Jerónimo ficou afónico – ficar sem voz. No caso do ex-primeiro--ministro, que então perdeu para Passos Coelho a cadeira do País, a culpada foi uma laringite.
EM DIGRESSÃO
Quanto mais importante o desafio que se pede à voz, mais dramático é quando algo lhe acontece. O tenor Manuel Soares ressentiu-se "do jet-lag, 25 horas em aviões e noites mal dormidas numa digressão à Indonésia. No primeiro ensaio cantei cinco minutos e a voz desapareceu. Bebi muita água e felizmente ela voltou, miraculosamente, nem consigo explicar".
Ana Bacalhau, vocalista dos Deolinda, passou por uma dessas situações em plena digressão americana. "Era a primeira nos Estados Unidos e era um momento muito importante para nós. Já tínhamos feito quatro concertos e na tarde do quinto fiquei rouca. Juntou-se uma série de factores como o cansaço, as viagens de avião, a alimentação menos adequada, e passei a tarde em pânico. Nunca tinha cancelado um concerto por causa de problemas físicos e não queria ter de o fazer". Conseguiu recuperar a tempo. "Mal fiquei rouca liguei para o meu médico que me deu uma série de indicações: beber muita água, não falar de todo – tanto que andei com um bloco de notas para conseguir comunicar com o grupo sem me esforçar – e não vi quase nada de Chicago por ter de ficar em repouso."
O concerto aconteceu e, "embora não estivesse a 100% foi o suficiente para não permitir que o público percebesse. No fundo, aprendi da pior maneira que não posso descurar os cuidados a ter com a voz, porque ela é o meu instrumento e exige um regime específico".
Mário Andrea, médico de Ana Bacalhau, é otorrino de diversas figuras do mundo do espectáculo e da comunicação. Já operou "de urgência, às seis e meia da manhã, na clínica, um cantor sem ninguém saber quem era, com sigilo absoluto". As gravações que guarda dos pacientes "não estão identificadas, de tal forma é privada a relação de cada um com a sua voz".
Mas a história mais marcante passou-se com "uma cantora lírica internacional que vinha fazer só um concerto. Chegou já com uma laringite e teve de o cancelar. Foi medicada e ficou bem, mas pediu-me: ‘nunca mostre a ninguém as minhas cordas vocais doentes’".
Mário Andrea é director do serviço de Otorrinolaringologia, Voz e Perturbações da Comunicação do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Foi graças a uma vontade sua que nasceu o Dia Mundial da Voz, que amanhã, dia 16, se comemora a nível internacional, na altura em que assumiu a presidência da Sociedade Europeia de Laringologia, em 2002. "Hoje as pessoas estão mais atentas e sabem que mais de quinze dias com rouquidão é razão para consultar um especialista."
Foi o que fez Adele, a cantora britânica que deixou o Mundo a temer o silêncio de uma das vozes mais aclamadas da actualidade. Em Novembro foi submetida a uma operação às cordas vocais e terá novo álbum só para 2014. Menos grave foi a rouquidão do Papa Bento XVI durante a visita a Portugal em Maio de 2010, provocada por uma agenda sobrecarregada de compromissos e discursos e resolvida com chá.
DOIS ANOS SEM CANTAR
Pouco depois do êxito d’ ‘A Desfolhada’ no Festival da Canção, Simone de Oliveira perdeu a voz em plena tournée. Foi obrigada a dois anos sem cantar e o médico alertou-a de que talvez não mais o pudesse fazer. "Já levava vários atestados médicos de laringite e faringite, mas tinha contrato assinado e os atestados foram rasgados. Até ao dia em que as cordas vocais não aguentaram o cansaço e a má colocação de voz, pois estavam laças como um elástico."
Foram tempos difíceis. Em 1973, depois de ter começado a fazer vocalizos (exercícios de voz), sente-se pronta para voltar ao palco. "A minha voz, que perdeu os agudos nessa altura, ficou melhor, mas também aprendi a colocá-la nas aulas de voz". Rui Portulez, radialista na Oxigénio e uma das vozes mais requisitadas para publicidade, locuções e documentários, sabe bem a importância de estimar o instrumento de trabalho. Até porque também sabe o que é este falhar-lhe. "Ia fazer locuções para um supermercado, em que é preciso ler os preços de forma quase gritada, mas fiquei sem voz dentro do autocarro que me ia levar até ao estúdio, por causa do ar condicionado, e tive de cancelar o trabalho."
No desporto são os locutores da bola e os treinadores quem mais perde a voz. Pedro Sousa, agora na direcção de comunicação do Sporting, esteve durante 23 anos na Rádio Renascença – e relatou muitos jogos de futebol.
"Aconteceu-me duas vezes perder a voz a meio de um relato. A primeira foi num jogo Áustria-Portugal. Fiz a parte final em esforço e graças à ajuda dos colegas. A segunda aconteceu nos quartos-de-final do Euro’2004, quando o Ricardo marcou o penálti. A voz ficou-me lá ao fundo, falhou-me mesmo, desapareceu. Foi a emoção do jogo misturada com o esforço de relatar um jogo de 120 minutos". Não terá sido o único português a ficar sem ela neste dia.
"TUDO INTERFERE COM A VOZ"
- O que provoca as doenças de voz?
Mário Andrea: As mais variadas causas e dependendo da doença. Mas o tabaco, a má colocação de voz e a postura errada são agressões para a voz. É importante ensinar as crianças desde pequenas a não esforçar a voz e a aprender a descansar. Nos últimos anos começou--se também a ter em conta os erros alimentares: o jantar a horas tardias, por exemplo, que não permite a digestão porque a pessoa vai logo para a cama ou deita-se no sofá, causa refluxo que pode vir a provocar lesões, por causa da subida do suco gástrico, que irrita a laringe e a faringe, agrava as renites e provoca otites. Tudo interfere com a voz, o corpo humano é um todo. A causa mais frequente para um professor deixar de dar aulas é a falta de voz.
- Até porque afecta psicologicamente.
- Temos por isso uma consulta de psicologia ligada às alterações de voz. Porque a voz transmite os nossos estados de alma da mesma forma que estes se ressentem quando há problemas com a voz.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.