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Escapadinha a um hotel gay em Albufeira

É uma vivenda normalíssima e quem passa por ela, na principal avenida de Albufeira, nem imagina o que para ali vai. É que, por trás das paredes brancas, esconde-se um grande segredo. “Thermas Pride Guest Room & Spa for Men”, diz a inscrição no toldo da janela. O “...for Men” conjugado com as cores do arco-íris no logótipo não enganam. É preciso olhar duas, três vezes, para se perceber do que se trata. A ideia é pioneira: hotel e casa de banhos para homossexuais.

02 de setembro de 2007 às 00:00

Desde que o dedo pousa na campainha até que a porta da discreta casa se abre, contam-se no máximo 10 segundos, nunca mais que isso. Um senhor de meia-idade recebe o visitante com à-vontade. Usa um pequeno par de calções de banho às flores e uma t-shirt. Mostra logo um grande sorriso. Prepara a seguir um “kit” especial para o spa: uma toalha, um par de chinelos, a chave do cacifo e um preservativo.

Carlos Peres logo se apresenta como gerente e apressa-se a fazer uma visita guiada aos três andares da moradia. A sala faz lembrar um típico espaço de convívio de uma pousada da juventude. A decoração é simples, há plantas espalhadas pelas mesas e maçãs verdes numa fruteira. No piso de cima, cada um dos três quartos está pintado de uma cor. A suite é amarela, com uma varanda para a rua e uma casa de banho sem banheira, “porque os gays não ligam a isso”, justifica Carlos. Ao lado, estão os quartos azul e verde, com a toilette partilhada. No rés-do-chão, o quarto laranja.

ATRACÇÕES NA CAVE

A cave guarda as atracções principais. A temperatura aumenta drasticamente conforme se desce umas escadas apertadas. Daqui em diante, só se é permitido usar uma toalha, uns calções e chinelos. “Há clientes que no final da noite nem sabem onde deixaram as suas roupas.” São mais de 120 metros quadrados onde “o bicho pega”.

Do lado esquerdo, estão os três quartos escuros, uma opção para “os mais envergonhados, que não conseguem engatar ninguém às claras”. No primeiro, um labirinto de paredes, para se brincar ao gato-e-rato. No segundo, um baloiço para as acrobacias do kamasutra gay. Ao lado, o quarto de paredes negras tem o chão forrado por colchões. A televisão fixada à parede está sempre a dar filmes pornográficos “homo”. “Aqui tudo é feito na base do apalpão. É o salve-se quem puder, ou não”, explica, a rir-se, Carlos.

A jacuzzi gigante é a parte mais requisitada. Até há fila para relaxar com as bolhinhas quentes e ver o plasma acoplado à banheira. No meio do spa está um bar com uma sauna seca, um gabinete de massagens e estética e, ao fundo, uma série de portas. Ao abrir uma, vê-se um cubículo com pequenos colchões. “Isto aqui é para os casais estarem mais à vontade. Há luz, mas a maior parte nem sequer é acesa.”

HOMOSSEXUAL ASSUMIDO

Homossexual assumido desde sempre, Carlos fazia espectáculos de transformismo quando se deixou seduzir por uma mulher. “Adoro crianças e o meu sonho sempre foi ter filhos.” Dois meses depois, subiu ao altar e encomendou a prole. “A minha mulher sempre soube que eu era gay e, por isso, sempre tivemos uma relação aberta.” O matrimónio prolongou-se por 14 anos, rendeu três filhas e quatro netos. Ainda hoje, Carlos está oficialmente casado, mas vive com um homem há anos.

Mudou-se de Lisboa para o Algarve há meia década, levando muitas experiências de saunas gays europeias. Durante quatro anos, esteve a tentar copiar modelos no sul do país. “Estive a ponto de abrir uma em Armação de Pêra, mas as burocracias minaram os desejos.” Em Abril, Carlos encontrou um investidor e um espaço ideal. “Em Julho abrimos a nossa casa.”

A abertura foi em grande. Os quatro bares gays do Barlavento fizeram festas para comemorar. “Quando saía à noite, muita gente me questionava porquê o Algarve ainda não tinha uma sauna.” A notícia espalhou-se. Os sites para homossexuais anunciavam o projecto. Logo na estreia, receberam um casal holandês em lua-de-mel. “Até antecipámos a abertura para recebê-los.” Poucos dias depois, a sauna abriu ao público. “Chegamos a receber 70 clientes num único dia.”

HETEROSSEXUAIS TENTARAM DAR ESPREITADELA

Até heterossexuais já tentaram dar uma espreitadela. “Muitos casais de homem-mulher querem ficar connosco, porque acham que os gays são muito limpos e têm bom gosto.” Mas o Thermas Pride não está para aí virado. “Somos exclusivos para homossexuais. Nem transsexuais aceitamos.” O segredo para o êxito é funcionar como uma casa de família. “Cada cliente é como um parente. Fica com as chaves de casa e pode trazer quem bem entender.”

A maior parte da clientela vem do estrangeiro e chega sozinha. “Alguns vêm com ar decidido, sabem o que querem. Outros têm tanta vergonha que até evitam falar.” Os italianos dominam a lista. Franceses, irlandeses, escoceses e holandeses vêm a seguir. Os espanhóis junto à fronteira algarvia também abundam. Têm, em média, 30 anos e querem, sobretudo, ter um recanto para “engatar” e namorar longe de olhares curiosos. “Os portugueses começam a aparecer pouco a pouco.”

PORTUGAL NA ROTA GAY

Há três anos, o Rio Douro recebeu um grupo exclusivamente homossexual a bordo de um barco-hotel de luxo. Dezenas de americanos pagaram cerca de 1600 euros para estar dez dias a viajar por águas portuguesas e conhecer Braga, Porto, Vila Real e Lamego. Foi apenas a primeira de muitas excursões. “Há cada vez mais interesse do turismo homossexual em conhecer Portugal”, conta Rui Malveiro, responsável pela Saga Escape, agência especializada em viagens para gays.

Uma vasta lista de americanos, franceses, belgas e ingleses já passaram por terras lusas. “Geralmente têm interesse em Lisboa, Porto, Albufeira, Lagos e Portimão”. Rui Malveiro refere que os portugueses preferem escapadelas para capitais europeias e para cruzeiros no Mediterrâneo e nas Caraíbas. “Vendemos mais de 100 pacotes por mês para ‘clientes rosas’.”

“NÃO DEIXO DE SER QUEM SOU”

Há quem não queira arriscar ser visto a entrar numa sauna gay. “Temos uma porta nas traseiras”, explica Carlos Peres. As solicitações são muitas. “Há um cliente, por exemplo, que é casado com uma mulher e vem cá quatro vezes por semana. Morre de medo que alguém o veja entrar. Por isso, recorre a essa porta.”

O oficial de contas Fernando, 39 anos, nunca fez uso deste tipo de subterfúgios. “Não devo satisfações a ninguém.” Descobriu na adolescência que gostava de rapazes. Na tropa, teve a certeza, ao ter a primeira relação sexual com um militar 15 anos mais velho. Lugares para dormir no Algarve não lhe faltam. “Tenho cá amigos e até ex-namoradas”. Prefere, no entanto, ter um quartinho reservado para os fins-de-semana. “É mais acolhedor e privativo.”

Fernando, que mantém o anonimato por razões profissionais, conhece todas as saunas gays em Portugal mas a primeira vez que entrou num espaço desses, em Lisboa, há mais de uma década, ficou horrorizado. Um amigo levou-o a um quarto escuro. “Não gostei nada, porque não me oriento sem luz. Fico perdido, não relaxo, desperto fobias.” Na segunda, a experiência foi melhor, mas foi no Brasil que Fernando se deixou encantar. “Lá têm garotos de programa, que não fazem só sexo. Realizam fantasias, dançam. É muito bom.”

Miguel, 32 anos, vive na Quarteira e é um frequentador assíduo da cave do Thermas Pride. Até já tem um cartão de cliente preferencial que lhe dá descontos na entrada (cada cliente paga entre 60 e 90 euros pelo quarto, spa, filmes pornográficos e Internet). Perdeu as contas das vezes que fez turismo gay em Espanha e no Brasil. “Lá fora há muita variedade.”

Está solteiro e vai ao spa à procura de convívio e diversão. “Não venho exclusivamente pelo sexo, mas quando acontece, é bom.” Não gosta nada de ver “bichas borboletas, que quando saem do armário andam por aí a saltitar”. Quando avista uma, foge. “Sou homem e gosto de homens másculos.” O pai, “um machão com um metro de largura de costas”, era oficial da Marinha e nunca acreditou que “existissem p.”. Até Miguel, aos 18 anos, contar-lhe a sua preferência sexual. “Hoje em dia, se ouve falarem mal de um gay, é o primeiro a sair em defesa.” No seu trabalho como gestor de clientes da construção civil, todos sabem que prefere homens. “Não deixo de ser quem sou, só porque me deito com homens.”

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