Vêm de longe, crescem, reproduzem-se e vencem. São plantas e animais que – livres dos seus predadores naturais – ameaçam as espécies nativas. Toda amarelinha, a mimosa é linda. E ainda mais agressiva.
Chegam de partes longínquas, quase sempre pela mão do Homem, e dão-se tão bem, multiplicam-se de tal maneira, que ameaçam a sobrevivência de tudo o resto em volta. Podem ser plantas (como a mimosa, o jacinto-de-água ou o chorão-das-praias), animais (o lagostim-vermelho- da-Louisiana ou a gambúsia) e até microrganismos que provocam doenças (dos ulmeiros, por exemplo). Todos seguem a mesma estratégia: ocupar o território até torná-lo uniforme. São a versão biológica da globalização.
Púrpura ou amarela, é bonita a flor do chorão, originário da África do Sul e cultivado em Portugal para fixação de dunas e taludes. É porém uma beleza imperialista. Os chorões – no Cabo da Roca, em Sintra, ou nas Berlengas – formam extensos tapetes contínuos que substituem a vegetação nativa e a impedem de restabelecer-se.
Como explica Elizabete Marchante, bióloga da Universidade de Coimbra, chamam-se “invasoras” a estas espécies pois, “uma vez introduzidas, têm a capacidade de multiplicar-se sem a intervenção directa do Homem e com tal sucesso que ameaçam as espécies nativas, eliminando-as completamente em algumas situações”.
Em regra, a intenção subjacente à introdução de uma espécie exótica é benigna. No século XIX, a mimosa, do género Acácia – nativa da Tasmânia, no Sudeste da Austrália – foi cultivada no Litoral e em parques naturais como espécie ornamental e para fixação dos solos. Hoje é, provavelmente, a espécie invasora mais agressiva em sistemas terrestres em Portugal Continental. Está em todo o lado, do Minho ao Algarve, e, como se não bastasse, a sua germinação é estimulada pelo fogo.
O PREJUDICIAL JACINTO-DE-ÁGUA
Tão prejudicial como a acácia, mas em ecossistemas aquáticos, é o jacinto-de-água, uma erva flutuante, de folhas entumecidas e vistosas flores azuis e violetas. Originário da bacia do Amazonas e introduzido com propósitos decorativos, ocorre em linhas de água do Ribatejo, Alto Alentejo, Estremadura e Beira Litoral. Forma às vezes uma manta tão espessa que impede a passagem da luz e logo a actividade fotossintética, que resulta na produção de oxigénio. De igual modo, reduz a produção de fitoplâncton, o alimento dos peixes, e as trocas gasosas entre o ar e a água, dificultando ainda o aproveitamento desta para a rega e para matar a sede ao gado.
O que leva algumas destas espécies intrusas a multiplicarem-se tão rapidamente em ambientes estranhos é não apenas a sua aptidão própria para a sobrevivência, mas também “a vantagem de não terem os seus inimigos naturais, que as manteriam em equilíbrio”, assinala Elizabete Marchante, estudante de doutoramento e investigadora do Projecto Invader – Invasion and Ecosystem Restauration.
INTRUSOS HISTÓRICOS
Intrusos históricos como a batata ou o milho são hoje popularmente considerados nativos. “O problema coloca-se quando as espécies exóticas se tornam invasoras, ameaçando a sobrevivência das indígenas, e não forçosamente pela introdução de espécies exóticas controladas”, esclarece Helena Freitas, coordenadora do Projecto Invader, que já exerceu as funções de presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), a mais antiga associação ambientalista portuguesa.
Nos últimos dois séculos, o número de espécies vegetais exóticas em Portugal aumentou mil por cento. Em 1800 eram listadas 33. Hoje são mais de 400, das quais quase 40 por cento consideradas invasoras ou potencialmente invasoras. Num mundo cada vez mais globalizado, onde o vaivém de pessoas e mercadorias é constante, é de esperar se intensifique o ritmo de chegada de visitantes, que podem, ou não, tornar-se ‘okupas’ permanentes, verdadeiros conquistadores biológicos.
Em 1999 foi aprovada legislação que proíbe a introdução de qualquer espécie sem a devida autorização (ver caixa). Tais disposições dificilmente se aplicam contudo aos navios petroleiros que, após a descarrega do crude, enchem, para fazer lastro, os depósitos com água do mar e a libertam a milhares de quilómetros de distância, num oceano diferente. Naqueles milhões de litros haverá decerto grande número de algas, moluscos e peixes. Podem estabelecer-se e reproduzir-se com sucesso inesperado ou, pior, demasiado.
Mas há outras formas conhecidas de introdução acidental de espécies exóticas, que chegam, por exemplo, pegadas ao casco das embarcações ou escondidas entre materiais de embalagem.
GAMBÚSIA INTRODUZIDA NA BACIA DO SADO
Não foi assim com a gambúsia, também conhecida por peixe-mosquito ou gambusino. Evitem-se as confusões com os gambosinos, pássaros ou peixes imaginários com que se iludem os ingénuos, mandando-os à caça ou à pesca deles. Porque a gambúsia existe – naturalmente nos Estados Unidos – e foi introduzida há cerca de cem anos na Bacia do Sado com o intuito de controlar as larvas dos mosquitos. Revelou-se uma predadora voraz. Não só de mosquitos. De tal maneira que hoje exibe o estatuto legal de invasora.
O advento do achigã, tal como a gambúsia originário da América do Norte, é mais recente. O Instituto Florestal decidiu espalhá-lo nas águas continentais em 1952 com o intuito de repovoá-las. O achigã deu-se muito bem. Mas actualmente em algumas albufeiras do Sul do País, principalmente em períodos de seca, quase não há senão achigãs.
Legalmente considerada uma espécie de risco ecológico conhecido, o lagostim-vermelho-da-Louisiana terá sido introduzido no rio Angueira, no Vimioso, no início dos anos 90 do século passado. Tudo indica que os pescadores estavam convencidos de que contribuíam para aumentar o número de exemplares de lagostim-de-patas-brancas. Enganaram-se. O ‘primo’ da Louisiana acabou por transformar-se em praga dos arrozais. Parece contudo existir uma relação entre a presença de lagostim-vermelho e a recuperação das populações de lontras, que se alimentam dele. Os equilíbrios da Natureza são complexos. E frágeis.
“Cada um de nós contribui para o problema quando ao fazer uma viagem traz uma plantinha – ‘tão linda!’ – e a coloca no jardim, a produzir frutos e sementes que se espalham, ou quando compra um animal – estranhíssimo – e, vendo que cresceu demasiado, o abandona na natureza”, alerta Elizabete Marchante.
Para a bióloga, “ainda que nem todas as espécies exóticas a introduzir se tornem invasoras, todas devem ser tratadas como tal e só após provada a sua segurança autorizar-se a sua introdução.” De outra maneira, o mundo global será não só económico e cultural, mas também biológico. O risco da uniformidade é cada vez mais real.
MULTAS PARA QUEM OS TROUXER
LEI TRAVA ENTRADA A 'BIOCONQUISTADORES'
O Decreto-lei 565/99, que regula a introdução de espécies não indígenas em Portugal, classifica-as em três grupos: invasoras, com interesse para a arborização, entre as quais o eucalipto, e de risco ecológico conhecido, ou seja, com impacte negativo potencial, “susceptível de causar uma modificação significativa nos ecossistemas”. Um exemplo deste risco potencial é o lagostim-vermelho-da-Louisiana, destruidor dos arrozais.
Em termos genéricos, o Decreto-lei proíbe a disseminação ou libertação na natureza de fauna (animais) ou flora (vegetais) não autóctone com uma única excepção: daí resultarem vantagens inequívocas para o Homem ou para o meio e, ainda assim, “desde que não haja qualquer espécie indígena apta para o mesmo fim e seja elaborado um estudo do impacte da introdução”. É o que sucede na aquicultura e apicultura.
Infracções a tais proibições e condições implicam coimas cujo valor pode variar entre 150 e 3250 euros, multiplicável até 12 vezes caso sejam cometidas por pessoas colectivas. Também por causa disto convém pensar duas vezes antes de comprar ‘tartaruguinhas’ nas lojas de animais. O mais certo é transformarem--se em ‘tartarugonas’ e nessa altura haverá decerto quem corra a libertá-las nos lagos e rios, para prejuízo da fauna local. Ora, estas tartarugas comem patos pequenos e são perigosas para as pessoas: mordem e podem transmitir doenças.
O enquadramento legal das espécies invasoras não é absolutamente coincidente com o entendimento científico sobre a matéria. O Decreto-lei refere 30 invasoras vegetais, excluindo da classificação, por exemplo, a figueira da Índia, o penacho e a cana, espécies que a equipa de investigação do Projecto Invader qualifica igualmente de “muito problemáticas”.
Também polémica é a consideração do eucalipto entre as exóticas com interesse para a florestação. Originário da Austrália, o eucalipto pode considerar-se, em habitats que não são os seus, uma praga para os ecossistemas.
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