O ponto mais alto da Terra está superlotado. Morreram onze pessoas em cerca de um mês. João Garcia está lá.
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Christopher John Kulish viu o último pôr do sol a 11 de março. Tinha subido pela rota normal do sudeste até ao cume, a 8848 metros de altitude, o dia estava claro, o sol brilhava na neve branca, o ar cada vez mais rarefeito, mas do cimo do maior miradouro da Terra, o Evereste, terá sustido a respiração arrebatado perante uma paisagem que a maioria morrerá sem ver.
Christopher John Kulish terá olhado uma vez mais o que se dispunha a seus pés, depois de alcançar mais além a linha do horizonte, antes de começar a descida até chegar ao colo da montanha, pelo lado sul, altura em que morreu. Tinha 62 anos e 50 anos de alpinismo.
"Ele viu o seu último pôr do sol no cume mais alto da Terra. Nesse instante tornou-se membro do seleto ‘clube dos sete cumes’ (Monte Evereste, Aconcágua, Monte McKinley, Kilimanjaro, Monte Elbrus, Maciço Vinson, Monte Kosciuszko ou Pirâmide Carstensz)", disse o irmão Mark Kulish ao ‘Denver News’.
Christopher John Kulish foi a décima primeira vítima desta temporada, entre o fim de abril e o mês de maio, a altura em que as condições meteorológicas são menos extremas na montanha mais alta da Terra, que fica na fronteira entre o Nepal e o Tibete. A oito mil metros, na chamada ‘zona da morte’, é preciso usar garrafas de oxigénio.
Durante a escalada, os alpinistas correm risco de congelamento, de sofrerem de exaustão e do Mal de Altitude (conjunto de sintomas enquanto o corpo se adapta à baixa pressão atmosférica a partir de altitudes de 2400 metros, que podem evoluir para um edema pulmonar ou para um edema cerebral e causar a morte).
Em 48 horas, entre os dias 24 e 25 do mês de maio, morreram na subida ao Evereste quatro alpinistas - dois indianos, um austríaco e outro, nepalês. Duas das vítimas, a indiana Kalpana Das, de 52 anos, e o indiano Nihal Bagwan, 27 anos, morreram na descida.
Um funcionário da agência de viagens Peak Promotions, do Nepal, atribuiu as mortes, sobretudo a de Bagwan, à quantidade de pessoas no local. "Ele ficou bloqueado no engarrafamento durante mais de 12 horas e estava esgotado. Os guias trouxeram-no para o acampamento 4, mas ele morreu no local", contou Keshav Paudel.
Desde abril até à última quinta-feira, quase 550 alpinistas tinham alcançado o topo do Evereste, mas a morte do médico americano Kulish contaminou a imprensa anglo-saxónica - há muito que se fala que o Evereste foi tomado de assalto.
Do lado do Nepal foram concedidas para esta temporada 381 permissões de escalada, ao preço de 10 mil euros por pessoa, mas cada titular da autorização é acompanhado por um guia (o sherpa), o que dobra o número de pessoas que cruzam aquele caminho até ao pico, onde as temperaturas, mesmo nesta altura do ano, podem chegar aos 70 graus negativos.
Dois mil e dezanove é já o ano mais mortal no Evereste desde 2015, quando uma avalancha engoliu de uma vez só 22 pessoas. O seleto ‘The Guardian’ titulava esta semana "‘Walking over bodies’: mountaineers describe carnage on Everest" (‘Caminham sobre corpos: alpinistas descrevem carnificina no Evereste’, tradução livre).
Entre vários testemunhos, o da cineasta Elia Saikaly, que na etapa final antes do cume, a 23 de maio, viu o sol pôr a descoberto vários corpos. "Não queria acreditar no que estava a ver", postou no Instagram. A maioria das mortes é atribuída ao cansaço dos alpinistas: "Têm de se qualificar para fazer o Ironman mas não precisam de se qualificar para escalar a montanha mais alta do Mundo?!", criticou o alpinista Alan Arnette, citado por ‘O Globo’.
O diretor-geral do departamento de Turismo do Nepal, Danduraj Ghimire, defende que o grande número de mortes não está relacionado com a superlotação, mas sim com o facto de haver menos dias de tempo propício à escalada em segurança - apesar disso, admitiu, o governo nepalês não considerou diminuir o número de autorizações. Cerca de cinco mil pessoas já chegaram ao topo do Everest, 300 morreram ao tentar fazê-lo.
João Garcia chegou ao cimo a 18 de maio de 1999, fez agora 20 anos e tornou-se no primeiro português no cume conquistado em 1953 pelos pioneiros Tenzing Norgay e Edmund Hillary, que fizeram a primeira subida oficial do Evereste pela rota sudeste, depois de muitos nas décadas anteriores o terem tentado à custa da própria vida.
O português está naquele local e por email respondeu à ‘Domingo’: "Lamento, mas por razões pessoais não desejo responder a perguntas relacionadas com o Evereste. Posso sim responder à sua 5ª pergunta: Continua a fazer o circuito dos alpinistas; qual é o seu objetivo 20 anos depois da sua primeira grande conquista? Sim, continuo a escalar montanhas nos Himalaias. Neste momento, após guiar trajetos de trekking com clientes, fico no Nepal e depois, com um amigo alpinista, realizamos escaladas a cumes de 6000 m nunca escalados ou por vertentes novas, criando um novo itinerário. São escaladas nos Himalaias em estilo Alpino, com um nível de dificuldade técnico superior a qualquer outro cume de mais de 8000 m que alguma vez escalei. Chamamos a isto Alpinismo de Exploração."
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