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Fernando Pessoa: mais maroto só se for em inglês

Poemas eróticos revelam uma sexualidade ambígua.

04 de agosto de 2019 às 06:00

Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) foi o maior poeta português do século XX e um dos raros escritores nacionais incluídos em ‘O Cânone Ocidental’ pelo crítico literário americano Harold Bloom (os outros são Camões, António Ferreira, Eça, Jorge de Sena, Cardoso Pires, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade e Saramago). Nascido em Lisboa e educado em Durban, na África do Sul, onde o padrasto era cônsul, ali começou a escrever poesia e ganhou o Prémio Rainha Vitória pelo melhor ensaio em inglês no exame de admissão à Universidade do Cabo, em 1903. Foi também em língua inglesa que escreveu três dos quatro livros publicados durante a sua vida, bem como os seus mais ousados poemas eróticos.

Regressado a Portugal, trabalhou como tradutor de correspondência comercial e dedicou-se à poesia. Em 1929 fez uma incursão na publicidade, quando concebeu um slogan para o (falhado) lançamento da Coca-Cola em Portugal: "Primeiro estranha-se, depois entranha-se." Escreveu do ponto de vista de diferentes personalidades, os heterónimos, dos quais os mais importantes foram Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Bernardo Soares e Alexander Search. Os seus poemas eróticos revelam uma sexualidade ambígua. Manteve uma relação com a prima Ofélia e, um mês e nove dias antes de morrer, escreveu, através do heterónimo Álvaro de Campos: "Todas as cartas de amor são/ Ridículas./ Não seriam cartas de amor se não fossem/ Ridículas."

Do livro ‘Poemas Ingleses’.

Trad. Jorge de Sena, A. Casais Monteiro e José Blanc de Portugal. Ed. Ática

Epitalâmio. II

"(...) Já a noiva acordou.

(...) Os seios dela arrepanham-se por dentro numa frieza de medo

Mais sentido por crescido nela,

E que serão por outras mãos que não as suas tocados

E terão lábios chupando os bicos em

botão.(...)"

 

XIV

"O noivo anseia pelo fim de tudo isto no cio

De conhecer essas entranhas em chupados sorvos,

De pôr primeira mão nesse cabelo do ventre

E apalpar o fojo labiado,

A fortaleza feita para ser tomada, e pela qual

Sente o aríete engrossar e doer de desejo.

A trémula alegre noiva sente todo o calor do dia

Nesse lugar ainda enclaustrado

Onde a sua virginal mão nocturna fingia

Um vazio lucro de prazer. (...)"

Do livro ‘Poesias de Fernando

Pessoa’.

Ed. Ática

"Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco

Assenta em palmo espalhado

Sobre a saliência do flanco

Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como?"

Da revista ‘Orpheu’, vol. 1

Ode Triunfal

"(...) Na minha mente turbulenta e encandescida

Possuo-vos como a uma mulher bela,

Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,

Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima. (…)"

 

Da revista ‘Orpheu’, vol. 2

Ode Marítima

"(...)Piratas, amai-me e odiai-me! (…)

Vossa fúria, vossa crueldade como falam ao meu sangue

Dum corpo de mulher que foi meu outrora e cujo cio sobrevive! (…)

Ser no meu corpo passivo a mulher-todas-as-mulheres

Que foram violadas, mortas, feridas, rasgadas pelos piratas!

Ser no meu ser subjugado a fêmea que tem de ser deles!

E sentir tudo isso – todas estas cousas de uma só vez – pela espinha!

Ó meus peludos e rudes heróis da aventura e do crime!

Minhas marítimas feras, maridos da minha imaginação!

Amantes casuais da obliquidade das minhas sensações! (…)"

‘Mensagem’ preterida

O único livro publicado em português em vida do autor foi ‘Mensagem’, classificado de "segunda categoria" num concurso cujo vencedor não reza a história.

"Flagrante delitro"

Pessoa costumava sair do trabalho para "ir ao Abel" (Abel Pereira da Fonseca)

beber um copo. ‘Apanhado’, escreveu no verso da foto: "Em flagrante delitro."

Retrato dois em um

O pintor e poeta Almada Negreiros pintou duas versões do retrato do seu amigo com a revista ‘Orpheu’, em que ambos colaboraram e que Pessoa chegou a dirigir.

Fascínio pelo oculto

Pessoa desenhou a sua carta astrológica e as dos heterónimos. Em 1930 ajudou o famoso ocultista inglês Aleister Crowley a simular o suicídio na Boca do Inferno.

‘O Banqueiro Anarquista’

A sátira política escrita por Fernando Pessoa foi adaptada ao cinema pelo realizador Eduardo Geada, em 1983, com Santos Manuel como protagonista.

Atração turística

Lugares de culto em Lisboa: estátua no Chiado (foto), Martinho da Arcada (Terreiro do Paço), túmulo nos Jerónimos e Casa Fernando Pessoa (Campo de Ourique).

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