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O cérebro é hermafrodita

Os homens não são de Marte ou as mulheres de Vénus. As nossas cabeças são mais terra-a-terra

20 de dezembro de 2015 às 16:30

É daqueles que acham que olhar para mapas e perceber imediatamente uma localização ou um percurso e ter uma boa orientação espacial é coisa de homens? E que fazer várias coisas – bem – ao mesmo tempo é uma capacidade específica das mulheres? Talvez esteja na altura de saber a verdade...

O mito do cérebro masculino e cérebro feminino acabou. Afinal não há características que predominam na maioria dos cérebros dos homens nem as preponderantes na maior parte dos das mulheres.

É o que revela a investigação publicada no início do mês no jornal ‘Proceedings’ da Academia Nacional de Ciências norte-americana, de acordo com a qual quase todos os cérebros, sejam de homem ou de mulher, têm uma mistura das características que normalmente são atribuídas a cada género. Ou seja, não há, basicamente, diferenças cerebrais inatas: o que nós somos é todos diferentes.

‘Sexo para além da genitália: o mosaico cerebral humano’ foi o primeiro estudo a procurar diferenças de género no cérebro como um todo. Investigadores da Universidade de Telavive, em Israel, analisaram mais de 1400 ressonâncias magnéticas funcionais (feitas enquanto os sujeitos realizam determinadas ações ou têm determinados pensamentos) de pessoas entre os 13 e os 85 anos.

MATÉRIA CINZENTA

Procuraram variações de tamanho nas várias regiões do cérebro e nas conexões entre elas. Depois corroboraram os dados com a análise da personalidade e do comportamento de mais de 5500 pessoas. E concluíram que, apesar de haver diferenças de género, cada cérebro humano é um mosaico de características. Alguns atributos são mais frequentes nas mulheres, outros nos homens, outros são comuns a ambos os sexos. Ou seja, não há o típico "cérebro feminino" nem o típico "cérebro masculino"; não há preto e branco – antes muita matéria cinzenta.

"Esta evidência de que o cérebro humano não pode ser categorizado em duas classes distintas é nova, convincente e de algum modo radical", reconheceu à revista ‘New Scientist’ Anelis Kaiser, da Universidade de Berna, na Suíça, ela própria investigadora da diferença entre géneros na neurociência.

Daphna Joel, a coordenadora desta investigação pioneira, explicou à mesma revista: "Há a teoria de que uma vez que o feto desenvolve testículos, eles segregam testosterona que masculiniza o cérebro. Se isso fosse verdade, haveria dois tipos de cérebro."

HERMAFRODITISMO

Mas a pesquisa mostrou que os cérebros 100% femininos ou 100% masculinos são uma raríssima exceção: só 1% dos homens caiem no extremo masculino e apenas 10% das mulheres ficam na ponta oposta do espetro de particularidades que os cientistas conseguiram criar. Um terço das pessoas tem cérebros intermédios.

Estas novas descobertas sugerem que é impossível prever que mistura de características é mais provável que a pessoa tenha com base exclusivamente no seu género sexual. "Não há nenhuma região das nossas amostras que revele uma clara distinção entre uma forma masculina e uma forma feminina, ou seja, que se apresente de forma evidente só nos homens ou só nas mulheres", destaca Joel ao jornal espanhol ‘El País’.

O mesmo é dizer que a norma é o hermafroditismo cerebral.

E, assim, este estudo vem desmentir dezenas de outros que, depois de analisarem parcialmente várias zonas particulares do cérebro, apontavam para diferenças acentuadas entre géneros. "Ninguém tinha quantificado isto antes. Tudo o que eles fizeram é novo", reconhece à revista ‘Science’ Lise Eliot, neurocientista da Universidade de Medicina e Ciências Rosalind Franklin, em Chicago, nos EUA.

"O que demonstramos é que há múltiplas maneiras de ser masculino ou feminino", explica Daphna Joel, coordenadora do estudo, ao jornal ‘The Guardian’. "E a maioria destas maneiras são completamente sobre posicionáveis."

Portanto, o género não é binário. "Nós separamos meninos e meninas, homens e mulheres a toda a hora", lembra Daphna Joel: "Está errado, não apenas politicamente, mas cientificamente – todas as pessoas são diferentes."

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