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O homem que ninguém quer proteger

Provocou a maior investigação de corrupção no Brasil. Não o deixam ficar em Portugal.

16 de agosto de 2015 às 11:00

Os problemas de Hermes Magnus começaram quando ele desligou um telemóvel. Esse telemóvel tinha-lhe sido dado por José Janene com a instrução: "Quando chegar à Europa me ligue. Preciso de um favor seu de Portugal." Só que entretanto já Hermes percebera que o favor não era legal. Foi quando decidiu afastar-se de Janene e do sócio, Alberto Youssef, que conhecera meses antes, quando os dois homens decidiram investir na sua empresa de tecnologia, a Dunel Indústria e Comércio Lda.

"Procurei bancos por muito tempo e ninguém olhava na minha cara porque a tecnologia era nova. Para conseguir 10 mil reais [2500 euros] de crédito, era uma luta. Foi quando o José Janene ofereceu dinheiro [para investir]. Ele disse que era ‘pegar ou largar’. Meu erro foi não ter levado para um advogado analisar. Em três dias, o negócio estava fechado. Devia ter suspeitado", contou o empresário ao jornal ‘Folha de São Paulo.’

Não demoraria a desconfiar que os dois homens pretendiam usar o seu negócio para lavar dinheiro sujo. "Por exemplo: precisávamos de um quilo de alumínio e eles compravam cem quilos. E depois transferiam para as empresas deles ou vendiam", explicou ao ‘Público’. Em poucos meses, entraram na empresa um milhão de reais (260 mil euros). O interesse na sua firma, percebeu rapidamente, advinha do facto de ela estar licenciada para vender produtos ao Estado. "Eles precisavam de empresas que pudessem fazer negócios com o Governo, para poderem faturar", contou na mesma entrevista.

 

AMEAÇADO COM ARMA

Tentou libertar-se do esquema. Disse a Janene que tinha havido um equívoco, pediu que lhe devolvessem as máquinas e acabassem com a parceria. "Ele imediatamente deu um murro na mesa e falou: ‘Se você não aceitar meu dinheiro, sua vida vai ficar azeda’", revelou à ‘Folha de São Paulo’. Não demorou muito até que, com uma pistola pousada sobre a mesa, tenha sido intimado para autorizar a criação de offshores da sua própria empresa.

Quando, em outubro de 2008, lhe pediram o tal favor de Portugal, já não tinha dúvidas sobre a natureza do que poderia estar a fazer. Não ligou o telefone, não ligou para o Brasil, não fez favor nenhum. Soube depois o que era. Semanas mais tarde, Erivaldo Quadrado foi apanhado a chegar a São Paulo oriundo de Portugal com 600 mil euros não declarados em maços de notas colados ao corpo, dentro das meias e até das cuecas.

O empresário foi detido e condenado a três anos de prisão no caso Mensalão e de novo detido em 2014 no âmbito da investigação Lava Jato. Esse dinheiro, soube Hermes Magnus, provinha de uma conta de José Janene num balcão do BES no Porto. Janene era ex-deputado do PP (Partido Progressista) e foi réu do processo Mensalão, mas morreu de enfarte em 2010, antes do julgamento.

Com a detenção da ‘mula’ Erivaldo Quadrado, "eles ficaram atordoados. Eu fugi", explicou à ‘Folha de São Paulo’. Já tinha começado a enviar emails anónimos com denúncias para a Polícia Federal brasileira. E nesse final de 2008 Magnus acabou por contar tudo o que sabia ao juiz Sérgio Moro, que montou uma operação para deter Alberto Youssef. "O Youssef era unha e carne com Janene. Eram um só, o braço financeiro e o político" afirmou Magnus à revista ‘Isto É’.

Todos os sábados, conta Magnus, havia churrascadas em casa do antigo político, sempre com pessoas influentes. "Eu vi, certo dia, Youssef mandando um recado a um interlocutor com a Presidência da República dizendo que esse interlocutor não estava levando os recados dele ao presidente Lula e que se não o fizesse ele iria pessoalmente conversar com o presidente. Eu ficava muito assustado com tudo aquilo", contou numa entrevista ao portal de notícias brasileiro Band. E, num dos depoimentos que prestou à Justiça, gravado e divulgado, o empresário afirmou o que reiterou no estúdio da CMTV no início deste mês: "Ele [Janene] falava sempre que só ele e José Dirceu [chefe da casa civil do antigo presidente do PT, detido em julho na operação Lava Jato] derrubavam Lula."

Depois de denunciar o caso, a sua vida complicou-se. Diz que foi alvo de inúmeras ameaças, veladas e diretas. Pegaram-lhe fogo à casa (onde guardava arquivos da Dunel). Nesse mesmo dia, conta, atendeu o telefone e ouviu: "Vão-te matar."

PEDIDO RECUSADO

O programa de proteção de testemunhas que as autoridades brasileiras lhe propuseram, e que o obrigava a perder a identidade e a abandonar a sua área de negócio, não lhe agradou. Diz que nunca lhe ofereceram nenhuma outra hipótese para salvaguardar a integridade física. Viu-se obrigado a fugir do país. No final de 2008, foi para a Suécia; em abril de 2009, para os EUA. Em 2010, depois de Janene morrer, regressou ao Brasil, tentou recomeçar a vida e relançar a empresa. Acredita que a exposição que ganhou por ter sido o denunciante que originou a operação Lava Jato, que arrancou no ano passado, acabou por lhe servir de proteção.

Há três meses, veio para Portugal. Pediu um visto de residência. Queria cá ficar a viver. Nesta terça-feira, 11 de agosto, dez dias depois de ter afirmado na CMTV que não tinha dúvidas de que havia "ramificações do maior caso de corrupção do Brasil em Portugal" e que estava disposto a colaborar com o Ministério Público português, o SEF respondeu ao seu pedido: negativo. Em reação, ao CM, Magnus foi perentório: "Eles indicaram o artigo da lei que culminaria numa decisão política. Eu não sou advogado, não conheço as leis de Portugal, ou seja, eles me induziram em erro. A decisão final do visto é política."

Com a denúncia do empresário, o BES ficou associado ao maior esquema de corrupção e branqueamento de capitais alguma vez investigado no Brasil.

A operação Lava Jato já levou à investigação de 494 pessoas e empresas, à acusação de 125 e à condenação de 30. O alegado esquema de desvio e lavagem de dinheiro da petrolífera estatal Petrobras pode ascender aos dez mil milhões de reais (2,6 mil milhões de euros).

Com esta nova investigação, Hermes Freitas Magnus, o gaúcho descendente de alemães e portugueses, de 44 anos, com uma filha, de quem tem vivido separado, voltou a ser prejudicado: "Em 2008, os bandidos destruíram a minha empresa; a operação Lava Jato destruiu a minha segunda empresa", contou no especial informação na CMTV. Porque o seu nome voltou a ser falado como o denunciante principal, afastando os clientes. E porque as ameaças voltaram, afirma.

Veio a Portugal. Queria cá ficar a morar e a trabalhar. Diz que já tinha até feito um investimento para arrancar novamente com uma empresa. Aguardava autorização de residência do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Mas o SEF considerou que o candidato ao visto não se encontra "numa situação de especial fragilidade" e que não se vislumbra "qualquer impedimento que pudesse constranger o seu regresso ao país de origem". E assim Hermes Magnus terá de abandonar o País dentro de dias. Pondera tentar um pedido de asilo à Alemanha. Mas, diz ao CM, para o Brasil é que não volta.

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