Isabel dos Santos entrou no mundo empresarial aos 18 anos. A sua fortuna está avaliada em dois mil milhões de euros
O clã mais poderoso de Angola já foi intocável, mas a saída de José Eduardo dos Santos, que se manteve no poder durante 38 anos, ditou o afastamento progressivo dos principais membros da família que detinham posições importantes nos centros de decisão política e empresarial do país. E as investigações na Justiça sucedem-se, revelando influências, jogos de poder e teias empresariais com ligações internacionais. O mais recente escândalo de corrupção que envolve a família do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos diz respeito à filha mais velha, que é também a mais poderosa.
Isabel dos Santos, 46 anos, a empresária considerada a mulher mais rica de África, viu as suas contas bancárias serem arrestadas no final do ano passado, por decisão do Tribunal Provincial de Luanda. Foram bloqueados bens no valor de 1100 milhões de dólares (cerca de 989 milhões de euros). O tribunal dá como provado que José Eduardo dos Santos favoreceu negócios da filha e realça o papel crucial desempenhado pelo antigo presidente no negócio de diamantes de Isabel dos Santos e do seu marido, o colecionador de arte congolês, Sindaka Dokolo. A milionária diz que está a ser alvo de perseguição política, mas, na última semana, uma nova teia de interesses gigantesca foi revelada com base num trabalho do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), que já levou a Justiça angolana a abrir uma investigação. A empresária é arguida por má gestão e desvio de fundos. Foram identificadas cerca de 400 empresas de 41 países às quais Isabel dos Santos tem ligações. Em Portugal detém participações em 17 empresas e está ligada a 155 sociedades.
‘Luanda Leaks’, a investigação da ICIJ, analisou 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018 que ajudam a reconstruir um caminho que a colocou no topo das mulheres mais ricas do continente africano. Acusações que a empresária volta a rejeitar. Em entrevista à BBC, Isabel dos Santos diz que "todos vão ficar a perder", lamentando que "Angola tenha escolhido este caminho". Manifesta ainda estranheza com a fuga dos 715 mil ficheiros.
Mas Isabel dos Santos não é a única filha do antigo líder angolano a braços com a Justiça. José Eduardo dos Santos teve 10 filhos de várias mulheres e todos eles se queixam de perseguição do novo governo angolano. Progressivamente, a partir de 2017, os filhos de Eduardo dos Santos foram sendo afastados dos cargos e das posições que detinham em variadíssimas empresas e instituições financeiras. Há exonerações, anulações de contratos e até prisão.
Mas vamos olhar para o passado. Para o primeiro do clã. O pai de José Eduardo dos Santos era pedreiro e a mãe doméstica. Fez o liceu em Luanda, formou-se em Engenharia de Petróleos na então União Soviética, para onde foi estudar com uma bolsa, e especializou-se em telecomunicações militares. Chega ao poder em 1979, com a morte do primeiro presidente angolano, Agostinho Neto. Manteve-se à frente dos destinos de Angola durante 38 anos, ao longo dos quais a sua influência cresceu e solidificou-se. Segundo uma biografia da agência de notícias Angop, Eduardo dos Santos "gosta de literatura, de preferência angolana", "sabe tocar viola e tambor", mas "prefere música clássica".
A sua verdadeira fortuna é um mistério, mas os negócios da família passam pelo petróleo e pelos diamantes. Segundo a Agência Pública, um dos órgãos de informação brasileiros que integram o ICIJ, após a guerra civil que dividiu o país, "José Eduardo agiu rapidamente para consolidar o controlo, colocando amigos em cargos importantes. Adquiriu poderes quase ditatoriais, inclusive sobre a Sonangol. A empresa petrolífera tornou-se um pilar do regime e da economia angolana".
Em 1992, adianta a Agência Pública, "o presidente Dos Santos modificou a Constituição angolana para assegurar que o presidente não poderia ser processado por nenhum ato oficial, ‘exceto em caso de suborno ou traição à pátria’". A nova linguagem, revela a investigação ‘Luanda Leaks’, "abriu caminho para que Eduardo dos Santos desse bens públicos à família e aos amigos". Salvador Freire, advogado na área dos Direitos Humanos, ouvido pela Agência Pública, adianta que "Dos Santos tratou Angola como a sua fazenda pessoal". E a principal beneficiária foi Isabel dos Santos. Filha da primeira mulher de Eduardo dos Santos – a campeã de xadrez russa Tatiana Kukanova –, nasceu em Baku, no Azerbaijão. Quando os pais se divorciaram foi viver para Londres, onde se licenciou em Engenharia. Casou-se em 2002 e tem quatro filhos.
A origem da fortuna
Isabel dos Santos chega ao mundo empresarial com apenas 18 anos, sendo cofundadora da sua primeira empresa em Angola, a Cotrol, que usará mais tarde para gerir propriedades comerciais. O primeiro negócio, porém, ocorre em 1997, aos 24 anos, quando se constitui sócia do clube noturno Miami Beach Club. O investimento é insignificante, mas o negócio vingou. Nesse ano regista também a sua primeira empresa offshore, TAIS Limited, em Gibraltar. A mãe era coproprietária.
Em 2009, Isabel e Sindika criam a sua primeira companhia em Malta, a Kento Holding Limited, para investir numa empresa portuguesa de telecomunicações e media.
Em 2012, segundo a investigação ‘Luanda Leaks’, Sindika adquire uma participação numa empresa suíça de joalharia de luxo através da Victoria Holding Limited, empresa de fachada maltesa. A empresa estatal de diamantes cofinanciou de forma substancial o negócio, deixando Sindika Dokolo no controlo.
As informações da ‘Luanda Leaks’ revelam ainda um esquema montando por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para uma empresa de consultoria do Dubai chamada Matter Business Solutions DMCC, que o ICIJ descobriu ser controlada por um colaborador próximo da empresária. Mostram ainda que em menos de 24 horas a conta da Sonangol no EuroBic Lisboa foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária.
Segundo a ‘Forbes’, a fortuna de Isabel dos Santos está hoje avaliada em dois mil milhões de euros. Tem negócios em Angola, na Europa, no Médio Oriente, América e Ásia. Tem uma propriedade no Mónaco avaliada em 50 milhões de euros e três em Kensington, Londres, que totalizam 28 milhões. É famoso o seu superiate de 29,5 milhões de euros.
Em Portugal, os investimentos estão concentrados na banca, na energia e nas telecomunicações, com posições na operadora de telecomunicações NOS, no Banco EuroBic, na Efacec e na Galp. Chegou a ser a segunda maior acionista do BPI, com 18,58%, e é a maior acionista do EuroBic, com 42,5% (tendo já anunciado que vai alienar esta posição). O empresário Américo Amorim foi um grande parceiro de negócios de Isabel dos Santos.
Os irmãos
Mas Isabel dos Santos não é a única filha de Eduardo dos Santos a braços com a Justiça. O caso mais grave é o de José Filomeno dos Santos ‘Zenu’, que já esteve preso preventivamente por suspeitas de branqueamento de capitais, tráfico de influências e burla. Está a ser julgado por uma transferência irregular de 500 milhões de dólares (449 milhões de euros) do Banco Nacional de Angola (BNA) para o banco Credit Suisse de Londres. ‘Zenu’ tem 42 anos e é filho de Filomena Sousa.
Do casamento com Maria Luísa Abrantes nasceu Welwitschia dos Santos, 41 anos, mais conhecida por Tchizé. Move-se igualmente no mundo empresarial – da banca e das telecomunicações à indústria dos diamantes – e no meio político. As coisas também não lhe estão a correr de feição. Em outubro foi afastada do cargo de deputada, decisão entretanto impugnada junto do Tribunal Constitucional. Mais recentemente foi suspensa do Comité Central do MPLA, após um processo disciplinar por conduta que atenta contra as regras de disciplina do partido. Tchizé diz que foi vítima de um golpe e chama ditador ao presidente de Angola, João Lourenço. Durante a governação do pai, a empresária assinou uma série de contratos com o Governo. Tchizé casou em 2003 com o engenheiro português Hugo Pego. Tem dois filhos.
José Eduardo Paulino – ou ‘Coréon Dú’ – também é filho de Maria Luísa Abrantes. Tem 35 anos e é cantor, diretor criativo e produtor. Fundou a produtora Semba Comunicação em 2006. Tal como Tchizé, assinou vários contratos com o governo angolano quando Eduardo dos Santos estava no poder. Esses contratos foram anulados com João Lourenço. Os dois perderam contratos lucrativos com a televisão pública.
De Eduane Danilo, primeiro filho do casamento com Ana Paula Lemos são mais conhecidas as extravagâncias: em 2017, aos 25 anos, desembolsou 500 mil euros por um relógio, num leilão em Cannes.
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