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“Somos uns dinossauros do rock”

Os Peste & Sida fazem 25 anos e celebram com uma biografia e músicas inspiradas na crise nacional

25 de março de 2012 às 00:00

Ao dobrarem os simbólicos 25 anos de existência, os Peste & Sida mostram que estão aí para durar. Vem aí álbum novo, com o oportuno título de ‘Não Há Crise’ e uma biografia – ‘Peste & Sida – 25 anos de Veneno’ – que inclui um disco de tributo assinado por novas e velhas bandas nacionais. As palavras de João San Payo, um dos ‘dinossauros’ do rock português, não perderam a fibra: continuam corrosivas, como todo o bom e verdadeiro punk deve ser.

- Em tempo de crise não deve ter sido difícil ter matéria potencialmente corrosiva sobre a qual falar nas novas canções. Inspirou-vos?

João San Payo – Realmente não foi difícil. Mas há também alguma introspecção neste álbum. Em vez de estarmos sempre a apontar a terceiros acabámos por fazer também uma autocrítica e uma reflexão, que acompanha estes tempos difíceis.

João Alves – Fala-se de um ‘tu’ que em algumas casas é sobretudo um ‘eu’.

- É a maturidade a falar?

J.S.P. – Talvez. Mas não procurámos, nem agora nem nunca, ser poetas! Há uma música aqui que simboliza todo o álbum. Chama-se ‘Chegou a Tua Hora’ e reza assim: "A culpa é dos outros e os outros somos nós…"

- É uma grande frase…

J.S.P. – É reflectir não só sobre o que nos rodeia mas, sobretudo, na forma como fazemos parte disso.

- Não vos preocupou editar nesta conjuntura económica desfavorável?

J.S.P. – Com a nossa forma de estar na música não. Não estamos nos Peste & Sida para ganhar dinheiro. Por outro lado até nos motiva, porque sentimos que em épocas de maior ressentimento político, num tempo em que nem o Presidente ganha para pagar as suas próprias despesas, as pessoas têm mais necessidade de ouvir mais bandas como Peste & Sida. Pelo menos essa é a mensagem que os fãs nos fazem chegar.

- De quem partiu a ideia de editarem uma biografia?

J.S.P. - Dos próprios autores, o Augusto Figueira e o Renato Conteiro, que já anteriormente tinham feito a biografia dos Censurados. Eles acompanham o rock nacional há muitos anos e ficaram seduzidos pela ideia de contar a nossa história, se bem que foi um desafio maior: foram 25 anos, ao longo dos quais passaram 15 músicos pela formação. Eles ouviram toda a gente, técnicos de estúdio, técnicos de estrada, malta ligada aos media. Ou seja, toda a gente que, de uma forma ou de outra, em algum momento esteve relacionada com os Peste & Sida. É uma biografia muito completa, com diferentes e várias opiniões.

- E traz histórias surpreendentes?

J.S.P. - A mim o que mais me surpreende é mesmo o facto de termos feito 25 anos. Nunca esperei. Quando reactivei os Peste & Sida, em 2003, consegui reunir pessoas que o fazem da mesma forma que eu, sem depender economicamente disto. Ninguém vive do ar, mas o facto de não ser uma obrigatoriedade que os Peste & Sida alimentem famílias é certamente uma das razões de ainda andarmos por cá, com a mesma coerência e liberdade de sempre.

- O que vos ocupa profissionalmente além da banda?

J.S.P. - Vivemos todos da música, mas com outros projectos. O Sandro é professor de música, o João Alves é roadie e também dá aulas de guitarra. Eu tenho um projecto de swing dos anos 30 (os Rat Swinger) com o João Leitão dos Irmãos Catita e o Ian Mucznik. Essa é a maneira mais inteligente de se viver da música e, ao mesmo temo, ter a liberdade de fazer aquilo que se quer.

- Esta é uma história feita de fases muito diferentes?

J.S.P. - Mas é uma história feita de altos e baixos. A primeira fase, de 86 a 94, incluiu os anos dourados, a época em que entrámos para a Polygram (hoje Universal) e fizemos o ‘Sol da Caparica’. Depois a banda começou a decair e foram saindo elementos. Mas mesmo na fase de decadência houve momentos altos como os ‘Filhos da Madrugada’, no antigo estádio José Alvalade, ou o concerto para a Presidência da República no 25 de Abril de 1994 no Terreiro do Paço. Ao fim de nove anos parados, o reactivar da banda em 2003 foi um momento alto, tal como os 20 anos do ‘Veneno’ ou a edição do ‘Cai no Real’ (2007), que foi bem recebido.

- Em 25 anos muita coisa mudou. Resistir é vencer?

J.S.P. - Tivemos de nos adaptar, embora continuemos um bocadinho agarrados ao passado: ainda editamos o álbum em CD (ou vinil) com as mesmas 10 faixas. Ainda somos coleccionadores de discos! A internet é um complemento.

- Alguns desses fãs já devem ter--se transformado em amigos.

J.S.P. - Sem dúvida. E o mais engraçado é já termos fãs detrês gerações.

- O punk já não está na moda mas, no entanto, não deixam de haver bandas que ciclicamente o recuperam. O punk ‘never dies’ [‘nunca morre’]?

J.S.P. - Uma das razões que costumam apontar para que o nosso trabalho não tenha tanta visibilidade, apesar de continuar a haver pessoas que gostam de nos ouvir e que gostavam de ler mais coisas sobre nós, prende-se precisamente com isso: "Peste & Sida não é nada de novo" dizem-nos. E realmente é verdade. Em termos musicais é rock! Somos uns dinossauros do rock! Mas o conteúdo das letras dos Peste & Sida está mais actual do que nunca e por isso é que continuamos a ter seguidores. Se calhar não somos mais falados porque os Peste & Sida abordam muitos temas que são incómodos. Um deles é a manipulação dos hábitos de consumo e um bom exemplo é precisamente o recente revivalismo do punk. Tudo foi direccionado para um público adolescente, com conteúdos que nada têm a ver com a forte mensagem social do punk original. Este de agora é um punk romântico. Mas atenção, que há honrosas excepções a nível nacional, mas estão todas no underground.

- A massificação dos hábitos de consumo é um dos vossos cavalos de batalha?

J.S.P. - É importante alertar as pessoas para o ‘mastiga e deita fora’ dos nossos dias. Não acontece só na música, está em todo o lado. Cada vez mais é isso que nos vendem. Cada vez mais mandam os mercados, os mesmos que nos estão a deitar areia para os olhos e a tornar-nos, a todos, uns carneirinhos. Realmente é um dos nossos cavalos de batalha. E é incómodo.

- Começaram num concurso de talentos, no qual ficaram em último lugar, mas foram a única dessas bandas a seguir carreira. Foram só incompreendidos ou quiseram contrariar aquele ditado que vaticina um ‘pior fim a um mau princípio’?

J.S.P. - Em termos de musicalidade, produção, éramos uns bichos na altura. Éramos algo muito arrojado, muito fora de tudo aquilo de que as pessoas podiam estar à espera. Mas, realmente, entre 16 bandas de pop e cantautores fomos os únicos que continuámos. Depois fomos fazendo as coisas por nós. Ensaiávamos na Galeria Monumental com uma série de artistas plásticos, pessoas já ligadas ao rock, como a malta que andava a acompanhar os Xutos & Pontapés, e as coisas foram acontecendo, com uma proporção que superava até as nossas expectativas.

- E, entretanto, voltou a assegurar o microfone…

J.S.P. - Peste & Sida não é uma banda que exija um cantor, tem é de ter uma voz com boa projecção. De certa forma até temos uma tradição de ir rodando as vozes. No ‘Portem-se Bem’, por exemplo, houve três vocalistas diferentes.

- Quando começaram, o nome Peste & Sida servia para chocar?

J.S.P. - Sim. A sida era um tema tabu, metia medo, e acima de tudo o nosso grande gozo era chocar e criar impacto. Na altura teve esse efeito. Mas ainda chegámos a chamar-nos Peste del Pop! Peste & Sida surgiu de um jogo de palavras que eu e o João Pedro Almendra começámos a desenvolver na segunda noite em que subimos ao palco. Depois do concerto, fomos depois passar a noite na Fonte da Telha, em sacos-cama. E enquanto adormecíamos surgiu esse nome.

- E eram ‘maus rapazes’? Portavam-se muito mal?

J.S.P. - Nem por isso. O pior momento de Peste & Sida foi numa sexta-feira, 13 de Outubro de 2006, em que parti o colo do fémur a subir uma rampa. Felizmente, está curado. Vou tirar os parafusos!

- E ficou supersticioso, depois dessa sexta-feira 13 azarada?

J.S.P. - Não era mas fiquei um bocado.

João Alves - Isto foi em 2006. Na altura estávamos a gravar o ‘Cai no Real’ com o Nuno Rafael a produzir. Ele meteu-se no carro, foi a ouvir as músicas pelo caminho, chegou lá e fez o concerto. O nosso roadie também tocou. Ainda conseguimos dar uma hora de concerto e depois disso eu fui para o camarim ter um ataque cardíaco.

- Há regras basilares nos Peste & Sida?

J.S.P. - Quando o Sandro entrou para a banda disse-lhe: "Se vens à procura de dinheiro, esquece. Ponto número um se vieste para a música por dinheiro, escolheste mal. Se por isso escolheste Peste & Sida, ainda pior". Creio que essa é a nossa regra principal. Peste & Sida é amor à camisola. Regra número dois: tolerância e respeito a todos os níveis e ideias.

DOIS CONCERTOS EM LISBOA E PORTO CELEBRAM ANIVERSÁRIO

Verdadeira escola do punk rock ‘ à portuguesa’, os Peste & Sida formaram-se em 1986 (com João San Payo, João Pedro Almendra, Luís Varatojo e Fernando Raposo) e estrearam-se num concurso de bandas em Odivelas. Depois, passaram pela formação 15 músicos.

O único que resta da formação original é o baixista João San Payo (46 anos), que mantém agora os Peste & Sida vivos com João Alves (guitarra, 38 anos) e Sandro Dosha (bateria, 29 anos). Editaram sete álbuns de originais, duas compilações e assinaram temas emblemáticos e transversais, como ‘Bule, Bule’ ou ‘Sol da Caparica’.

Em 1991, o grupo começou a ter uma actividade paralela sob o nome de Despe & Siga, interpretando versões em português de clássicos do rock. Durante algum tempo coexistiriam os Peste e os Despe, até que João San Payo entra em ruptura com os restantes membros do grupo por ser o único a querer manter os Peste & Sida. Tudo isto culminaria com uma paragem (1994) nas actividades dos Peste, que só em 2003 foram retomadas.

A data festiva vai ser celebrada com os fãs em dois concertos a acontecer na sexta-feira 13 de Abril, na República da Música, em Lisboa, e no Hard Club, no Porto, a 21 de Abril. Na prática serão concertos oferecidos a todos os fãs que, à entrada, adquirirem a biografia ‘Peste & Sida - 25 Anos de Veneno’, que inclui um CD tributo em que participam Vira Lata, Decreto 77, Barafunda Total, Galandum Galundaina e Xutos & Pontapés, entre outras.

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