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Terra abensonhada

A frase eleita dos ingleses quando entendiam raspar-se das suas terras polares para se instalarem onde lhes cheirasse a trópicos felizes era “Gone Native”. Na estação dos Correios de Vilanculos, a terra mais próxima no Moçambique costeiro, o telegrama ainda faz correr tinta, ao lado de outro, mais familiar, que diz: ‘Virei africano’. Quem vai a Bazaruto, o arquipélago-fantasia do Índico, corre o sério risco de ancorar-se e mandar o postalinho da africanidade.

18 de setembro de 2005 às 00:00

O título ‘Terra Abensonhada’, pedido de empréstimo ao escritor Mia Couto (outra das jóias de Moçambique, a par do artista plástico Malangatana ou do falecido poeta José Craveirinha), acasala a bênção com o sonho, e é assim que ficamos ao sobrevoarmos os filões de terra e de mar que nos esperam lá em baixo.

Pode chegar-se de barco à vela, de lancha ou de avioneta, mas é pelos ares que se experimenta todo o esplendor logo ao abrir do pano. Verá então da janela do pequeno aeroplano, perfiladas como irmãs de sangue, as quatro ilhas que formam o arquipélago de Bazaruto – além de Benguerra, Santa Carolina e Magaruque. Quem vá de barco, o mais certo é passar o dia numa pescaria e fechar o serão a assar o pargo (ou a lagosta ou o camarão tigre ou o peixe-espada, ou, ou…) no braseiro improvisado na praia onde todos os dias se canta e dança e celebra a simplicidade da vida. A Natureza aqui não foi avara e o povo só se queixa da míngua da língua, aquela que segundo o Estado é portuguesa mas já poucos reconhecem. Se lá for, e quando emalar a trouxa, não se esqueça de empacotar uns dicionários, nem que sejam as edições pré-históricas de Francisco Torrinha. É que não será raro um empregado de hotel (do Benguerra Lodge) como o Castigo (que diz que a mãe estava zangada quando lhe escolheu o nome) pedir-lhe um ‘livro de escola para conhecer o português’. Recordo certa noite, o mesmo Castigo me ter deixado um papelinho debaixo da travessa de lagostas onde estava escrito: ‘mantega, peiche e bonito’, as palavras que segundo ele eram o ‘meu mim’. Lembro-me também que depois, de olhos aguados, me veio perguntar ao ouvido: ‘minino, assim que se escreve as coisas?’

PRAIAS E MARES DESERTOS. Em 30 km de comprimento por 5 de largura na faixa mais ampla, a ilha de Bazaruto, a maior das quatro do arquipélago, há apenas dois resorts com menos de 50 bungalows no total, isto é, um garante de sossego absoluto. O único ruído de fundo vem da caturra Marta, no Bazaruto Lodge e o coro de flamingos que todas as tardes ensaia aulas de voo na praia em frente. De resto, o bungalow 7 do Bazaruto Lodge é o mais que tudo da ‘urbanização’ do grupo Pestana, por razões que depressa se entenderão a quem seguir o nosso conselho. Bazaruto não é, contudo, um destino que quadre em quem não goste de lugares intocados, longe do progresso e dos bens ‘essenciais’ da civilização. Há jacuzzis e massagens mas fazem-se nas ondas, com o corpo virado de costas para a rebentação.

A ideia de lei (e cumprida até ver) é nada entrar em conflito com a Natureza e a regra manda que todos os materiais empregues na construção sejam retirados da ilha e trabalhados por homens da ilha (continua, porém, a faltar uma escola ou um hospital decente). Depois, não há televisão, telefone ou DVD e o telemóvel só tem rede um quilómetro para dentro do mar – recordo, a propósito, uma imagem de um senhor em desespero de causa para ligar a um cliente que arregaçou as calças e se meteu à estrada na baixa-mar. Nem uns 10 metros tinha feito quando começou aos pulos e aos urros como se estivesse a ser atacado por um exército de peixes-aranha. Afinal era a vingança dos recifes de coral. Quem procure isolamento na versão Crusoé deve instalar-se no Bazaruto Lodge, o mais selvagem, incólume e solitário na sua posição dramática sobre o Oceano. É dali que todos os dias se parte à pesca, ao mergulho, à vida. Um castigo.

COZINHA INTERNACIONAL - Há rios de peixe e mariscos. e muitos pratos de criar água na boca. Bom apetite

ONDE COMER?

- Não há restaurantes nas ilhas do arquipélago de Bazaruto mas isso não impede que os resorts sugeridos ofereçam substitutos de primeira linha, em particular o Benguerra Lodge, o mais sofisticado. O chef Gilberto, do Bazaruto Lodge, e as suas ementas inventivas à base de peixe e marisco é conhecido por lhe cobiçarem as receitas. Vai um cheirinho? Lagosta suada ou grelhada ou em bolinhos, lulas ou lulinhas, camarão à descrição e de todos os tamanhos e feitios, e especial atenção ao Vatapá, peixes-espadas, raias, sargos, cabritos, galinhas e galinholas do mato, caju, coco, banana… é só quase esticar a mão.

O QUE COMPRAR?

- Vale a pena comprar qualquer peça de artesanato, primeiro por não haver nada igual e segundo por estar a contribuir para a felicidade do artista que o mais certo é ser o próprio vendedor. Peças em madeira, coco, concha, búzio ou tapeçaria são as mais comuns. Se regatear é para aumentar a oferta e como o povo não é esquisito aceita qualquer moeda, do rand ao dólar, do euro à libra ou mesmo o metical. Nas compras, recuse apenas as peças em recife de coral, cuja venda está proibida.

ONDE DORMIR?

- Benguerra Lodge - www.benguerra.co.za. Tel. 00.271.1.483.2734. Duplo a partir de 350 euros

- Bazaruto Lodge - www.pestana.com. Tel. 00.258.1.30.500. Duplo a partir de 250 euros

- Indigo Bay Island Resort -Tel. 00.271.1.467.1277. www.indigobayonline.com. Duplo a partir de 350 euros

- Marlin Lodge - www.marlinlodge.co.za. Quartos duplos a partir de 450 euros.

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