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X-Files José Mourinho: O lado oculto do 'Special One'

Contrariou a mãe ao seguir a carreira que lhe deu títulos em toda a Europa. Agora devolver o paraíso aos ‘red devils’.

05 de junho de 2016 às 15:30

Gosta de  comer bem.  De  uma boa  anedota. De  rir.  Ninguém  diria, mas o bonitão que na televisão nos parece sisudo, sério e, já agora, enervante e convencido,  é  exactamente  o contrário. Manuel Fernandes é fiador desta faceta. A amizade  que  os  une  tem barbas. O sportinguista jogava no Vitória de Setúbal, e Mourinho treinava os juvenis. Mais tarde, quando vai treinar o Estrela da Amadora, convida-o para adjunto. A  seguir,  contratado  pelo Sporting, no amanhecer de julho de 1992, será intérprete do recém-chegado Bobby Robson. Depressa passou a braço-direito do treinador. Seguiu-o no FC Porto e no Barcelona,  onde  também trabalhou  com  Louis  van Gaal, até começar o percurso de treinador principal no Benfica. O clube da Luz despediu-o. Manuel Vilarinho não lhe apetece falar sobre José Mourinho. Prefere que falemos sobre si. Homessa. Quase desliga o telefone na cara. A sua escolha, em tempos idos, recaiu em Toni. E a União  de  Leiria  ficou  com Mourinho.  No  ano  seguinte,  deu  a  nega  ao  Benfica, porque Jorge Nuno Pinto da Costa fez uma abordagem "incrível".

José Mourinho é um coração de ouro com aparência dura. O dinheiro serve-lhe para ter qualidade de vida e socorrer. Possui o suficiente para comprar a Lua e Saturno, mas  só  perde  a  cabeça por relógios. O seu móbil de vida não é o dinheiro, mas o prazer pessoal, a alegria, a plenitude. Quis ganhar títulos  e  ser  reconhecido,  que até num beco da Sibéria se soubesse dele.

A família,  sempre  ao  seu lado, posiciona-se acima de tudo. E tudo quer dizer que nada fica de fora. No punho esquerdo, a tatuagem eterniza o amor superior: Tami (a mulher, Matilde), Tita (a filha Matilde) e Zuca (o filho José  Mário).  José  Mourinho,  ou  Zé  Mário,  como  o mimam os próximos, é um católico que não precisa de ir à missa para rezar e conversar com Deus. Os temas com  o  omnipresente  variam, mas há um que nunca entra: a profissão. Seguidor da  máxima  ‘Um  treinador de futebol que só sabe de futebol é um péssimo treinador de futebol’, José Mário dos Santos Mourinho Félix, autointitulado ‘The Special One’,  conhece,  e  bem,  um abrangente território científico: psicologia, pedagogia, fisiologia. É capaz de falar com o seu departamento médico sobre um leque de assuntos exteriores à competência de um comandante técnico. Lesões, músculos, biomecânica, teoria do treino. Talvez por estar munido  deste  conhecimento zangou-se com Eva Carneiro. A doutora assistiu, em plena  partida,  o  jogador Eden Hazard sem o seu consentimento. A clínica onde trabalha a médica processou-o. É para o lado que ele deve dormir melhor.

Também os espanhóis não simpatizavam com o setubalense. O ‘El Mundo’ mexeu e remexeu no passado. No artigo ‘A Vida Secreta de Mou’ aborda-se a morte da irmã, Teresa, em 1997, aos 37 anos.  Falavam  que  não teria sido septicémia, consequência da diabetes, o mal que  a  levou  ao  caixão.  O mal, segundo o jornal, chamava-se  vício.  Heroína. Há limites para entrar no coração  dos  famosos.  Os ‘merengues’,  esses  então, não lhe perdoaram três Ligas  dos  Campeões que viram por um canudo.  Ainda  assim,  deviam lamber os três troféus que Mourinho lhes deu.

NA EQUIPA DE SIR ALEX

Os adeptos dos ‘red devils’, uma vez, em 2009, gritaram "Bye bye  Mourinho"  entoando a ária de Verdi. O Manchester United havia afastado o Inter de Milão do português,  e  ‘La  Donna  è Mobile’  serviu-lhes  para vingar a azia que remontava ao golo de Costinha, em Old Trafford,  que  colocara  os azuis-e-brancos na recta da glória europeia, e provocara em Mourinho uma alegria explosiva, capaz de memorável correria pela linha lateral. Os ingleses babam-se por chá e por cerveja, têm um  fair-play  formidável, contudo, mais adiante, em 2013,  com  Mourinho  a orientar o Chelsea, o empate a zero, no mesmíssimo estádio, a ópera ‘Rigoletto’ voltaria intensa e com variante: a letra continha insultos – "fuck Mourinho". A vida dá voltas, muitas, e o mister, agora, vai treinar a equipa, outrora, de Sir Alexander Ferguson.

A fama de malcriado e de ser uma  pessoa  tão  fria como um glaciar não corresponde à realidade, assegura quem o conhece fora das quatro linhas. É verdade que  o  antigo  treinador  do Bayern  de  Munique, Ottmar Hitzfeld, o chamou de arrogante e, entre várias pérolas  de  chumbo,  disse que Mourinho era uma decepção ao nível humano. E não  é  mentira  que,  por exemplo, também Safet Susic, ídolo do PSG e técnico da Bósnia, não só encontrou arrogância como levantou Guardiola ao colo, ao afirmar, e de propósito, que o treinador da maior equipa de Munique estava no Evereste do esplendor.

Luís Lourenço, professor universitário e biógrafo oficial, tem diferente opinião. "José Mourinho, que é um mestre de inteligência emocional, e está ao nível dos grandes treinadores mundiais, para mim é o melhor." Que se veja o caso raro: "José Mourinho treinou o Real Madrid, e  agora,  o  Manchester."  Poucos  conseguem tal proeza. Surpresa, nenhuma: "É natural que um dos maiores clubes do Mundo tenha escolhido um dos treinadores maiores do Mundo. Para mim, repito, ele é o maior." Técnica ou tacticamente, José Mourinho está no mesmíssimo escalão de Ferguson, Wenger, Capello ou Ancelotti. Mas não é disso que falamos. O que o difere da elite dos treinadores mundiais são as suas competências de liderança.  Carlos  Mozer sentencia: "É uma pessoa muito determinada, muito organizado e ambicioso, no que diz respeito ao comportamento  para  vencer. Aprendi imenso com ele e com ele comecei a ver o futebol de outra maneira."

Jaime Pacheco, um dia, não conteve a língua: "É um doente mental." No meio do petardo dito em directo, o ex-treinador  do  Boavista acrescentava que Mourinho deveria sentir-se frustrado por não ter tido êxito, tal como  o  próprio  tivera,  na qualidade de jogador. Um antigo colega do liceu de Setúbal relembra algo que  Pacheco nunca fizera: jogar à bola com um braço partido, partir o outro braço em pleno jogo e insistir em continuar em campo. Mesmo assim,  o  caminho  enquanto futebolista não deu bolota nenhuma.  Em  1987,  concentrar-se-ia na carreira de ‘coach’. Senhor de um feitio peculiar, inegável. Mas não é mau feitio; somente alguém que exige o supremo dos seus jogadores.

Zangas, teve  algumas. Num domingo de Setembro de 2002, Vítor Baía pediu- -lhe – imagine-se – explicações por não ter sido convocado para o jogo com o Vitória de Guimarães. Viu a suspensão. Ah, pois. Sem abébias.  O  desaguisado não cegou o ex-guarda-redes do FC Porto: "Apesar de  termos  tido  um  problema, considero-o o melhor treinador que tive. Ele é sem dúvida especial."

‘El Especial’, ‘Lo Speciale’ ou ‘Special One’, eleito pela FIFA, em janeiro de 2011, o melhor do Mundo e arredores, nasceu na casa dos pais, em Setúbal, a 26 de Janeiro de 1963. Desde a nascença suspeitava-se que nada seria canja; um braço mal posicionado, que  requereu  à pressa o trabalho da parteira, vaticinava, garante adágio popular, destino intenso. Nasceu no futebol e estranho seria se não se apaixonasse pelo desporto que consegue dos seguidores as desmedidas loucuras. José Manuel Mourinho Félix, o pai, esteve na baliza do Vitória de Setúbal e do Belenenses, e foi treinador. A mãe, a senhora Maria Júlia Carrajola dos Santos, outrora professora, não aplaudia a decisão do filho em viver do futebol. Contra a sua vontade, Mourinho trocou Gestão pelas Ciências do Desporto, no ISEF. Enquanto  estudava  deu  aulas  de Educação Física e, já licenciado, completa um curso para treinadores na Escócia. Não lhe saía dos tímpanos o que ouvira no seio familiar, nomeadamente  da  mãe: "Não sabes qual vai ser o teu futuro no futebol, pelo menos constrói algo sólido." E veja-se o que construiu.

Com CR7 teve alguns arrufos, e  desses  desentendimentos  Mourinho  concluiu: "Cristiano  Ronaldo  pensa que sabe tudo." Em comum, têm algo muitíssimo  forte:  odeiam  perder. Não sente piedade por equipas  pequenas.  Castiga-as com táctica e golos. Levou um  petardo  no  momento em que viu a serventia da rua. Mas, atenção,  Roman  Abramovich não é uma flor que se cheire no que respeita a personalidade. Em 13 épocas como dono do Chelsea, nove treinadores (mais um interino) souberam da porta da saída. Quando se questiona a razão de o imbatível Mourinho ter sido dispensado, é preciso, alerta  Luís  Lourenço,  ter  em conta uma imensidade de factores:  "A  estrutura  do  clube  pode  estar abalada." E esse corridinho conduz a uma bola de neve terrível: falta de inspiração e insegurança dos jogadores. Olhe-se para o FC Porto, há três anos a pão e a água.

Se depender de José Mourinho, acabará a sua história no Reino  Unido.  Manuel Fernandes  sabe  o  porquê. "Ele gosta da seriedade do futebol. E isso existe em Inglaterra." Por outras palavras: na terra da rainha os árbitros são sérios, e não é porque não se riem.

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