Ministro dá sete milhões a vampiros da saúde

Empresas de Lalanda de Castro beneficiadas por vários governos. Veja o Dossier Investigação CM.

09 de janeiro de 2016 às 01:03
Partilhar

O ex-ministro da Saúde Paulo Macedo deu um bónus anual que pode rondar os sete milhões de euros à Octapharma.

A decisão foi tomada no âmbito de um protocolo com vista à redução da despesa com medicamentos, assinado, em novembro de 2014, entre o Ministério da Saúde e as associações do setor. O objetivo era reduzir os custos dos medicamentos usados pelo Serviço Nacional de Saúde, obrigando as farmacêuticas a ressarcir o Estado em cerca de 12,5 por cento dos montantes pagos pelos medicamentos. A verba é devolvida em notas de crédito. O então ministro contemplou uma exceção: nos chamados medicamentos ‘órfãos’ - cujo uso é diminuto e prevê lucros reduzidos - as farmacêuticas só estão obrigadas a ressarcir o Estado em 2,5 por cento.

Pub

O plasma, que é comercializado pela Octapharma para os hospitais, foi incluído nesse lote, levando a que a empresa beneficiasse de uma poupança anual que pode chegar aos sete milhões - já que a faturação ronda os 70 milhões de euros por ano.

De exceção em exceção, Lalanda de Castro, o homem forte da farmacêutica suíça, volta a amealhar milhões. Depois de um perdão fiscal na ILS, o patrão do sangue mostra que faz acordos à direita e à esquerda. Chamou Sócrates para seu braço-direito, mas negociou diretamente com o PSD novas exceções.

Pub

O CM tentou, sem êxito, até ao fecho desta edição, contactar o ex-ministro Paulo Macedo.

Império de milhões em teia de favores

A farmacêutica suíça não pára de faturar. O universo das suas empresas também não pára de ganhar milhões. A ILS, por exemplo, nasceu e cresceu à volta dos contratos do Estado. É agora a principal ‘rival’ do INEM.

Pub

Os dados do Infarmed revelam lucros de 152 milhões, entre 2009 e 2012, depois da farmacêutica ter ganho diversos concursos públicos e conseguir a hegemonia do negócio do plasma. Em ajustes diretos e entre 2005 e 2011, a mesma empresa faturou seis milhões.

DAE importantes para ILS

Isabel dos Santos, cardiologista do Garcia da Orta e em licença sem vencimento, está ligada à ILS, com Nélson Pereira, ex-diretor do INEM, e Paulo Lalanda de Castro.

Pub

Antes de sair no INEM, Isabel dos Santos foi o cérebro da legislação do DAE (Desfibrilhação Automática Externa), que deu hegemonia de mercado à ILS durante vários anos – veja-se, por exemplo, que grande parte dos DAE dos shoppings é ILS. O programa de DAE do INEM foi blindado à empresa Physiocontrol.

Após a saída de Isabel dos Santos do INEM, Raquel Ramos ficou a tutelar o programa de DAE, mas manteve-o blindado à Physiocontrol. Tal sistema obrigou a que o INEM apenas pudesse comprar os equipamentos a uma marca. Esta medida excluiu as outras marcas do programa próprio do INEM, obrigando quem escolhia marcas mais baratas a procurar empresas como a ILS ou a Blue Ocean (inclusivamente os negócios feitos pelos bombeiros).

Após a liberalização de escolha de marcas a nível nacional (deliberação de 2015), Raquel Ramos saiu do INEM pela mão de Cunha Ribeiro, para o Hospital de Cascais.

Pub

A teia de ligações é grande e o novelo parece não terminar. Paulo Lalanda de Castro que começou como delegado de informação médica foi crescendo no meio e integrou em 1986 a empresa que fez de distribuidora local da Octapharma AG.

Em 1992, nasceu a ‘subsidiária’ em Portugal - a Octapharma Produtos Farmacêuticos Lda. - que rapidamente dominou o mercado total do plasma e derivados de sangue.

Durante os anos 90, esta empresa entrou a ganhar na maioria dos concursos públicos para a venda de produtos com Factor VIII, cuja falta causa a hemofilia.

Pub

De funcionário de outrem, Lalanda de Castro passou a patrão de um império e foi viver para a Suíça. Tem agora um jato particular e ostenta um nível de vida de luxo que chega mesmo a ser a sua imagem de marca.

José Sócrates, por exemplo, gabava-se de trabalhar com um dos empresários que mais mãos largas parecia ter. Pagava a preço de ouro e não olhava a despesas em refeições ou até em viagens.

Processo Vistos Gold

Pub

Envolvido no processo Marquês desde a primeira hora – antes mesmo de José Sócrates ter sido preso, a Octapharma foi alvo de buscas por parte da equipa de Rosário Teixeira – acabou por ser no processo Vistos Gold que surgiu a primeira acusação contra o dono da farmacêutica. Aí, os aliados não eram os socialistas, o seu contacto privilegiado, Jaime Couto Alves, também se gabava de ter uma relação direta com governantes sociais-democratas.

Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, era um dos interlocutores. Já tinha sido advogado da Octapharma, mas as escutas telefónicas revelam que Jaime Couto Alves, seu ex-sócio, fazia questão de lhe fazer chegar os pedidos da farmacêutica de Lalanda de Castro.

A investigação do Ministério Público, que pretende levar Lalanda a julgamento, diz que foram cometidos dois crimes de tráfico de influências.

Pub

Está em causa um pedido de Lalanda para que a ILS fosse beneficiada com o reembolso de 1,8 milhões em IVA, com base num documento falso; e também a aceleração da emissão de vistos para permitir a entrada dos cidadãos líbios para serem tratados em vários hospitais do País.

Recusa nomear diretora irmã de Lalanda de Castro

Já José Sócrates trabalhava para a Octapharma quando foi alvo de uma escuta com o então patrão, Paulo Lalanda de Castro, na qual lhe relata uma reunião que tinha tido com um vogal da administração do INEM: conta-lhe que lhe tinha sido garantido que iriam colocar uma pessoa de confiança num lugar estratégico. A pessoa de confiança era, precisamente, Helena Lalanda de Castro, que deveria assumir a direção da logística.

Pub

Paulo Campos, porém, não aceitou. O então diretor do INEM, que já tinha recusado o convite para almoçar com José Sócrates, defendeu que Helena Lalanda de Castro não teria funções de chefia.

A irmã do dono da farmacêutica não regressou ao INEM e acabou por avançar com um pedido de licença sem vencimento. A 13 de novembro de 2014, Cunha Ribeiro assina um louvor a Helena Lalanda de Castro pelos serviços prestados na ARSLVT.

Ex-diretor na ILS

Pub

As ligações do INEM ao universo do empresário do plasma são complexas. Nélson Pereira, ex- -diretor de Emergência Médica do INEM, abandonou o serviço público para fundar uma empresa: Trata-se da ILS, que mais tarde ganha o concurso de tratamento de feridos de guerra líbios, envolvida nos Vistos Gold. O sócio de Nélson Pereira é Lalanda de Castro, que rapidamente vai buscar mais um quadro ao INEM: Isabel Santos, médica do Hospital Garcia de Orta e também ex-diretora de Emergência Médica do INEM.

Isabel Santos foi o cérebro da legislação do DAE - Desfibrilhação Automática Externa, que deu a hegemonia no mercado à ILS. Depois de requerer uma licença sem vencimento, trabalha agora na ILS. Cunha Ribeiro, cujas ligações à Octapharma são públicas, foi mantido no cargo de presidente da ARSLVT pelo ex-ministro Paulo Macedo. Demitiu-se há um mês.

Farmacêutica benemérita desde a Saúde até à Cultura

Pub

No caso da associação dos hemofílicos, o interesse é óbvio: trata-se de um importante parceiro nos contratos de sangue, já que a falta de plasma é exatamente uma das causas da hemofilia.

No relatório de gestão de 2013, alerta-se mesmo para a diminuição de receitas, fruto dos financiamentos: "A desaceleração económica que Portugal atravessou no ano de 2013 não passou a margem da evolução operacional da APH, ou seja, em períodos homólogos, a associação denuncia uma diminuição significativa na angariação de fundos", pode ler-se no relatório. No mesmo documento, a Octapharma surge como o laboratório que mais dinheiro ofereceu à associação: 46 mil euros em 2012 e 36 mil euros em 2013 - em oposição a contributos significativamente menores como o da Baxer ou da Bayer, que apenas ofereceram 10 e cinco mil euros, respetivamente, em 2013.

A direção da APH realçava ainda que se tinha multiplicado em esforços para angariar mais fundos, de forma a reforçar a estrutura operacional e aumentar o grau de autonomia face aos apoios institucionais.

Pub

Empresário individual

Relativamente à Fundação Mário Soares, a história repete-se. Também neste caso as empresas de Lalanda de Castro e o próprio empresário foram importantes financiadores. O Relatório e Contas de 2014 dá conta de que, nesse ano, as empresas de Lalanda foram mecenas da fundação de um dos amigos mais próximos de José Sócrates.

Em termos individuais, já depois de contratar José Sócrates, em 2013, Lalanda de Castro tornou-se um benemérito e deu cinco mil euros à fundação.

Pub

Por sua vez, a ILS, de Lalanda e Nélson Pereira, deu cinco mil euros à fundação, enquanto a Dynamicspharma ofereceu três mil. A Octapharma, por seu turno, entregou dois mil euros à mesma fundação. Os valores de 2015 ainda não são conhecidos. Recorde-se, no entanto, que José Sócrates foi despedido de consultor da Octapharma três dias depois de ser detido, em novembro de 2014. Refira-se ainda que também no caso desta fundação havia diminuição de beneméritos - à exceção das empresas de Lalanda. 

Senador pede investigação no Brasil 

No documento, Álvaro Dias fala das suspeitas em Portugal sobre o ex-primeiro-ministro José Sócrates e o seu ex-patrão na Octapharma, Paulo Lalanda de Castro, refere a proximidade entre Sócrates e Lula da Silva e lembra que há nos dois países investigações por suspeitas de corrupção, pelo que faz sentido facilitar a troca de informações entre os procuradores da Lava Jato (Brasil) e da operação Marquês (Portugal).

Pub

"Segundo investigadores da operação Marquês, o facto de Sócrates ter contactos com pessoas influentes no Brasil, a sua contratação formal podia ajudar a garantir as relações comerciais da farmacêutica Octapharma com o Estado brasileiro", lê-se no requerimento do senador, após recordar que, enquanto consultor da Octapharma para o Brasil, "o ex-primeiro-ministro de Portugal participou numa reunião em Brasília, com Lalanda de Castro e o então Ministro da Saúde, Alexandre Padilha" - José Sócrates começou a trabalhar para a farmacêutica no início de 2013, auferindo 12 500 euros.

Lava Jato e operação Marquês

Para o senador Álvaro Dias, há fortes suspeitas de irregularidades nos contratos entre a Octapharma e o Ministério da Saúde do Brasil, exigindo, por isso, uma "minuciosa auditoria". Alega o político que esta investigação é necessária em nome da transparência exigida nos contratos públicos perante a sociedade, mas sobretudo por poder dar informações "relevantes" para a operação Marquês, em Portugal, e, por outro lado, permitir a partilha de informações "entre as operações Lava Jato e Marquês". Em ambos os processos estão em investigação crimes de corrupção, que envolvem altas figuras dos dois países: Sócrates é o principal arguido em Portugal e o seu amigo Lula da Silva é visado no processo brasileiros.

Pub

Pizarro foi afastado

Manuel Pizarro, que foi candidato à Câmara do Porto nas eleições de 2013 (venceu Rui Moreira), ficou ‘colado’ ao concurso que deu à Octapharma a primazia no negócio do sangue. A investigação entretanto aberta pelo DIAP e a possibilidade de o dirigente socialista ser chamado ao processo afastaram- -no do atual Governo.

São muitos os inquéritos abertos no DIAP, ainda que em secções diferentes, desde as queixas de Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, aos inúmeros casos detetados em auditorias ao INEM, como as dívidas à Segurança Social. Todas as situações foram participadas às autoridades e deram origem a investigações autónomas.

Pub

Também Paulo Campos, diretor do INEM suspenso pelo então ministro da Saúde, Paulo Macedo, no ano passado, foi ouvido no DCIAP no âmbito de diversas situações detetadas no serviço, desde que tomou posse. Estão em causa, por exemplo, vários casos de meios do INEM que terão sido desviados para situações que envolviam empresas do universo da farmacêutica Octapharma de Lalanda de Castro.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

Partilhar