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“Ajuda-nos, estamos a ir ao fundo”

Paulo Teixeira foi resgatado após 19 horas à deriva no mar. Sobrevivente viu pai e filho ficarem submersos

22 de junho de 2010 às 00:30

As imagens do naufrágio do barco ‘Super Águia 2’ 'sucedem-se na cabeça de Paulo Teixeira a todo o instante. O homem, 37 anos, não consegue esquecer o momento em que perdeu os quatro colegas, após um naufrágio, às 09h30 de anteontem, na zona do Pesqueiro da Galega, a 18 km da costa do Furadouro, em Ovar. Paulo, que passou cerca de 19 horas à deriva no mar, será o único sobrevivente da tragédia. Ao início da noite de ontem, António Carrancho, de 51 anos, proprietário da embarcação e residente em Oliveira do Bairro; Pedro Neves, de 50 anos, morador na Mealhada; e ainda Arlindo Monteiro, de 48 anos, e o filho André, de 21, ambos de Anadia, continuavam desaparecidos.

'Ajuda-nos, por favor, estamos a ir ao fundo', disse Arlindo a Paulo antes de largar a bóia, agarrada à qual ele e o filho ainda lutaram pela vida durante quatro horas.

O sobrevivente foi encontrado seguro também a uma bóia, por volta das 04h30 de ontem, por um grupo de pescadores, a 13 milhas do local do naufrágio. Estava em choque. 'Ele contou-nos que estavam a pescar e que o barco começou a meter água. Quando deram por ela já estavam a afundar-se, nem tempo tiveram para colocar os coletes salva-vidas. Apenas recorda o momento em que viu pai e filho afundarem-se', contou ontem, ao CM, um pescador que ajudou a resgatar Paulo Teixeira do mar.

A embarcação saíra da marina da Gafanha da Encarnação, em Ílhavo, por volta das 06h00. Como era habitual ao fim-de-semana, António Carrancho, proprietário de três talhos na zona de Aveiro, convidou alguns amigos para pescarem com ele. O grupo saiu em duas embarcações, com destino à zona do Pesqueiro da Galega, mas só o barco do talhante, com cerca de seis metros de comprimento, chegou ao destino.

O vento e a maré forte que se faziam sentir levaram a que os tripulantes da segunda embarcação ficassem em pânico e decidissem regressar a terra. António e os colegas continuaram a viagem. Minutos depois de começarem a pescar, a tragédia aconteceu. 'Eles afundaram-se logo de manhã, mas nós não demos por nada porque a ideia deles era regressar à marina já de noite. Quando as horas começaram a passar é que percebemos que algo de mal tinha de certeza acontecido com eles', recordou ontem ao CM Valdemar Neves, irmão de Pedro.

A notícia do desaparecimento deixou em choque as famílias das vítimas naufragadas, que se refugiaram em casa. 'Já perdi a esperança de encontrarmos o meu querido irmão com vida, ele não merecia morrer desta forma', desabafava ontem a irmã de António Carancho, lavada em lágrimas.

'PAI E FILHO ERAM INSEPARÉVEIS. IAM JUNTOS PARA TODO O LADO'

Arlindo e o filho André tinham uma relação próxima. Andavam sempre juntos. O homem, de 48 anos, era dono de uma oficina, na qual o jovem, de 21 anos, ajudava sempre que era necessário.

'O Arlindo sempre viveu para o trabalho e o filho ajudava-o sempre que era preciso. Eles eram inseparáveis. Andavam sempre juntos para todo o lado', contou ao CM Heitor Silva, amigo da família.

A paixão pela pesca era muito recente. Pai e filho aventuraram-se anteontem de manhã em alto-mar, pela terceira vez, a convite de António. 'Era apenas a terceira vez que eles iam pescar. Tinham descoberto esta paixão muito recentemente e estavam a gostar muito. Era o novo passatempo deles', contou Heitor, visivelmente abalado.

PORMENORES

lALUNO UNIVERSITÁRIO

André Monteiro, vítima do naufrágio, estudava na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda, que faz parte da Universidade de Aveiro.

PEDRO ESTAVA RECEOSO

Pedro Neves, que trabalhava numa fábrica de cerâmica na Mealhada, confessou a amigos que estava receoso das más condições para a navegação.

TRÊS EMBARCAÇÕES

Nas operações de busca foram utilizados o navio de patrulha ‘Zaire’, a corveta ‘Baptista Andrade’ e ainda uma embarcação salva-vidas e um meio da Força Aérea.

SOBREVIVENTE SEM ALTA

O sobrevivente do naufrágio está bem fisicamente, mascontinua internado no Hospital de Aveiro.

SEIS ANOS DE EXPERIÊNCIA NA PESCA

Anacleto Domingos está desolado com o naufrágio. Amigo de longa data de António Carrancho, talhante proprietário da embarcação afundada, garante que não foi por falta de experiência que tudo correu mal. 'Já há seis anos que o António ia pescar para aquela zona', conta, ao CM quem ainda tem dificuldades em acreditar na morte do amigo. 'Era um homem muito trabalhador', lembra Anacleto.

TRAGÉDIA NO DIA EM QUE FOI AVÔ

Poucas horas depois de António Carrancho sair para o mar e já depois de a tragédia se suceder, a filha do talhante deu entrada no hospital onde deu à luz uma menina. O homem estava ansioso pelo nascimento da neta. 'O mais certo é ele estar morto e por isso nunca vai conhecer a netinha. Parece destino, ela nasceu logo no dia em que esta tragédia se sucedeu' disse ontem ao CM António Bernardo, um amigo da família.

Ainda no hospital, a filha de António recebeu a notícia do desaparecimento do pai. A jovem não conteve o sofrimento e teve que ser assistida por uma equipa de psicólogos. 'O marido resolveu contar-lhe o que tinha acontecido, antes que ela soubesse por terceiros. Ela está em choque, acabou de realizar o sonho de ser mãe e recebeu logo a notícia de que o pai deve estar morto', lamenta António Bernardo.

Também na freguesia de Ancas, em Anadia, o momento era ontem de muita tristeza para a família de Arlindo e André. A mãe do jovem, que tem ainda uma menina de 14 anos, não conseguia acreditar que perdeu o filho e o marido de uma só vez. 'Eles eram a força daquela família, andavam sempre os dois juntos para todo o lado. Não sei como vai ser agora a nossa vida sem eles', disse ao CM Heitor Silva, amigo de Arlindo.

Na Mealhada, a mulher e os dois filhos de Pedro Neves, com 7 e 17 anos, recusavam-se ontem a aceitar que o homem estava morto. A família garante que só perde a esperança quando o corpo aparecer.

DISCURSO DIRECTO

'FOI MILAGRE ENCONTRAR SOBREVIVENTE': COMANDANTE COELHO GIL, Capitania do Porto de Aveiro

Correio da Manhã – O que esteve na origem do naufrágio?

Coelho Gil – As más condições meteorológicas terão estado na origem. A maré e o vento forte poderão ter levado a embarcação a afundar.

– É normal alguém sobreviver durante 19 horas no mar?

– As condições em alto mar são muito severas. É difícil alguém sobreviver tanto tempo à deriva. Foi um milagre encontrarmos uma pessoa com vida. Mas, infelizmente, é quase impossível que mais alguém tenha sobrevivido a esta tragédia.

– As operações de busca vão continuar?

– O primeiro dia de buscas incidiu sobretudo no local onde o barco naufragou. Vamos continuar as operações por via marítima e aérea. n

NOTAS

PAI E FILHO: LIGADOS A CLUBE

Arlindo Monteiro era patrocinador da equipa de futebol do Club D’ Ancas, que participava em diversos torneios. Um dos elementos do plantel era o filho André, também desaparecido

CORPOS: SEM VESTÍGIOS

Revelaram-se infrutíferas as buscas realizadas numa faixa de cerca de 36 quilómetros desde a zona do naufrágio. Não foi detectado qualquer vestígio da embarcação ou dos tripulantes

BUSCAS: RETOMADAS HOJE

As operações para encontrar os quatro desaparecidos foram suspensas perto das 20h00 de ontem e, de acordo com a Marinha, serão retomadas durante a manhã de hoje

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