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Escolher o sexo custa 18 mil euros

Um casal português disposto a atravessar o Atlântico com 18 mil euros no bolso pode escolher o sexo do seu bebé. Algumas clínicas norte-americanas fazem-no, sem razões médicas, garantindo o resultado a 99,9 por cento. O assunto, ainda assim, é controverso do ponto de vista ético, principalmente porque a técnica mais segura implica a eliminação de embriões.

08 de abril de 2006 às 13:00

Não se trata de comer chocolate e adoptar a posição de missionário para conceber meninas. Ou de comer muita carne vermelha e fazer amor em pé para ter rapazes. Escolher o sexo dos filhos é hoje uma questão de números. E o mais importante é este: 18 480 dólares, ou seja, 15 062 euros. Isto sem contar com os custos da ligação aérea entre Portugal e os Estados Unidos – à cidade de Las Vegas, por exemplo – e de hospedagem num hotel de três estrelas durante um mês. Tudo incluído, a resposta à pergunta “menino ou menina?” é exacta: 18 245 euros.

Para a maioria das clínicas de fertilidade norte-americanas, a selecção de sexo – ‘gender selection’ – é só mais um entre os serviços à disposição, também de casais estrangeiros e, no caso, não necessariamente inférteis. Sharla Miller, do estado do Wyoming, já tinha três rapazes quando tentou – e vai conseguir – a menina, através da técnica designada por diagnóstico pré-implantatório (DPI).

Inicialmente destinado a identificar doenças genéticas, o DPI raramente falha quando usado na escolha do sexo dos bebés. “99,9 por cento de garantia de obter o género pretendido”, anuncia o Fertility Institutes, com clínicas em Los Angeles, Las Vegas e México. Por um preço, claro: 18 480 dólares. “Naturalmente, aceitamos casais estrangeiros”, informam da clínica de Las Vegas, a cuja porta, por enquanto, nenhum português bateu.

Mas o CM já fez as contas. Duas passagens de ida e volta para Las Vegas, com partida do Aeroporto de Lisboa e pelo menos uma escala, custam, em classe económica, no mínimo, 920 euros.

Quanto à estadia, pelo período de um mês, significa, admitindo a reserva de um quarto duplo num hotel de três estrelas, uma despesa mínima de 2263 euros e máxima de 4143.

De maneira geral, os portugueses que viajem para os Estados Unidos, em turismo ou negócios, e aí permaneçam menos de 90 dias, não precisam de visto. Pelo menos o Programa de Isenção de Visto permite ao casal poupar algum dinheiro.

ESCOLHER OS EMBRIÕES

O que os médicos fazem primeiro é retirar óvulos da mulher e fertilizá-los ‘in vitro’ com espermatozóides, criando embriões. Três dias depois extraem de cada um deles uma célula, conseguindo, a partir do exame da mesma, identificar os embriões femininos e os masculinos.

No útero materno serão implantados apenas os do sexo desejado. É por isso que o DPI quase nunca falha. Mas é também por isso – porque implica a análise de embriões e a destruição dos do ‘sexo errado’ – que algumas clínicas norte-americanas só o aplicam por razões médicas, designadamente quando há doenças genéticas na família. São exemplos a hemofilia e a distrofia muscular de Duchenne, que só se desenvolvem em bebés do sexo masculino. Em tais casos pode ser importante escolher em função do sexo. Essas clínicas também admitem o DPI quando as mulheres têm mais de 38 anos ou uma história de abortos espontâneos sucessivos.

POSIÇÃO PORTUGUESA

Portugal ratificou, em 2001, a Convenção dos Direitos Humanos e Biomedicina – Convenção de Oviedo – que em Dezembro daquele ano entrou em vigor com força de lei. O artigo 14.º da convenção proíbe explicitamente a utilização de técnicas de procriação medicamente assistidas com o objectivo de escolher o sexo de uma criança, salvo se servir para evitar casos de doenças hereditárias graves relacionadas com o sexo.

Mesmo sendo o conceito de gravidade subjectivo – o que é grave para um médico pode sê-lo menos para outro – são estas as únicas disposições sobre reprodução medicamente assistida vigentes em Portugal, País onde o primeiro bebé-proveta nasceu há 20 anos.

Outras técnicas de escolha de sexo supõem a separação do esperma com cromossoma X, que faz meninas, do esperma com cromossoma Y, que produz meninos. Nestes casos – MicroSort e Ericsson, esta já um tanto fora de moda – não há, em princípio, fertilização ‘in vitro’.

Trata-se de seleccionar os espermatozóides com os cromossomas ‘bons’ e inseminá-los artificialmente. São técnicas menos invasivas e mais baratas, mas muito menos fiáveis. Cada ciclo de tratamento por MicroSort custa pouco mais de dois mil euros e 600 cada inseminação com recurso ao método Ericsson.

UMA DOENÇA SOCIAL?

Pela cabeça de Isilda Pegado, de 46 anos, advogada e mãe de quatro rapazes, nunca passou a ideia de escolher o sexo dos filhos. “Não imagino que um deles pudesse cá não estar para dar lugar a uma rapariga.”

O marido, médico, foi o quinto filho depois de quatro raparigas e ela própria é uma de três irmãs com um irmão mais novo. À partida, a história familiar não abonava em favor do equilíbrio na distribuição do sexo dos filhos. “E então?”, pergunta, tornando claro que isso não era sequer preocupação. “Para mim seleccionar o sexo dos filhos faz tanto ou tão pouco sentido como escolher a maneira de actuarem perante o Mundo e a personalidade deles.”

Na qualidade de jurista, Isilda teme que a futura lei sobre as técnicas de reprodução medicamente assistida – o diploma aprovado em 1997 no Parlamento foi vetado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, e voltou tudo à estaca zero – venha a permitir a selecção de género para evitar graves doenças hereditárias ligadas ao sexo e outras.

É a possibilidade do ‘outras’ que lhe traz receio. “Haverá sempre quem considere ter quatro filhos do mesmo sexo uma doença social.”

Sharla Miller não precisou de invocar qualquer razão médica para escolher o sexo – feminino – do quarto filho. “Fui sempre muito amiga da minha mãe e não conseguia deixar de pensar em ter uma filha.” Em Novembro, os óvulos de Sharla foram misturados em laboratório com o esperma do marido, Shane. Daí resultaram 14 embriões saudáveis, sete femininos, outros sete masculinos, identificados com recurso ao DPI.

TUDO NO FEMININO

O médico do Fertility Institutes transferiu três embriões femininos para o útero de Sharla. Dois foram implantados e, se tudo correr bem, as gémeas nascem em Julho. “Tenho três rapazes maravilhosos, mas já que havia hipótese de ter uma rapariga, por que não?” pergunta, em entrevista na revista ‘Newsweek’.

Por que não Isilda Pegado? “Não porque o melhor que há é que os filhos nos surpreendam sendo eles próprios, sem pré-determinações. E não, nem ao sétimo ou décimo filho rapaz, porque escolher um embrião de acordo com o sexo implica sacrificar os outros.”

Nos Estados Unidos, os casais que recorrem ao DPI com o propósito de escolher o sexo do bebé podem tomar uma de três decisões sobre o destino dos embriões que não serão implantados: congelá-los, destruí-los, doá-los a casais inférteis ou para investigação.

Outros centros de fertilidade norte-americanos admitem o recurso ao DPI para selecção de sexo, sem razões médicas. O Genetics and IVF Institute, com clínicas na Virginia e Maryland, pede apenas que os pais da futura criança sejam casados, tenham pelo menos um filho e desejem outro do sexo oposto. O Sher Institutes for Reproductive Medicine, com filiais em várias cidades norte-americanas, decide caso a caso e não exclui casais sem filhos.

Já o Reproductive Speciality Center, em Newport Beach, na Califórnia, reserva o acesso ao DPI a casais com pelo menos um filho. O que está em causa não é já pôr a ciência ao serviço de casais inférteis, mas ajudá-los a gerarem o filho que desejam. Ou seja, bebés à medida.

EQUILÍBRIO E VARIEDADE

Paula Amato é professora assistente no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Divisão de Genética Reprodutiva do Baylor College of Medicine (BCM), em Houston. É ela quem dirige um ensaio clínico, autorizado após nove anos de intensa polémica, que supõe perguntar a 50 casais se querem um menino ou uma menina e a seguir implantar na mulher o embrião do sexo desejado.

O objectivo da experiência é saber em que medida ideias preconcebidas sobre o género, noções culturais e valores da família influenciam a decisão. O facto de uma comissão de ética ter autorizado a experiência reflecte a relevância das práticas de selecção nos Estados Unidos, onde nã

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