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António Simões e a vida dos jogadores na ditadura: "Eusébio foi prejudicado pela Lei de opção"

Antigo internacional foi o primeiro a lutar pelos direitos dos futebolistas, ainda no antigo regime.

24 de abril de 2024 às 19:34

Durante o antigo regime Portugal era conhecido por ser o país do fado e do futebol. Já nessa altura o povo adorava o jogo, os clubes e tinha heróis, mas havia pouca noção sobre os direitos, neste caso a falta deles, dos futebolistas.

Longe de terem os vencimentos milionários dos dias de hoje, os jogadores nem tinham hipótese de decidir nada sobre as próprias carreiras. Essa situação só começou a mudar em 1972, com o fim da Lei de opção, e um dos principais responsáveis por essa mudança foi António Simões, então jogador do Benfica, agora com 80 anos, que contou a Record como viveu esses anos.

"Para os mais novos perceberem, os clubes tinham direito absoluto sobre os jogadores, era como se fossemos propriedade deles e não tínhamos qualquer direito", começa por explicar o antigo internacional português, contando pormenores: "Um jogador só podia mudar se o clube prescindisse dele, caso contrário nunca podia sair. Se o contrato estava perto de terminar, o clube exercia opção para mais duas ou três épocas e o jogador continuava lá, sem hipótese de sair."

António Simões era o grande amigo de Eusébio, tratavam-se como irmãos, e viu como o companheiro de equipa sofreu no antigo regime. "O Eusébio foi prejudicado pela Lei de opção. Depois do Mundial de 66 todos tivemos convites para o estrangeiro e o dele foi o mais conhecido. O Inter fez uma proposta astronómica, um milhão de contos, algo nunca visto. Ele foi com a Flora [mulher de Eusébio] a Milão, estiveram com o presidente Moratti, o pai, e depois o Benfica não o deixou sair. Se deixasse, os dirigentes teriam de se fechar na sede pois os adeptos não aceitariam a venda do melhor jogador", recorda António Simões.

Também ele vítima desse sistema, o extremo iniciou a luta pelos direitos dos futebolistas. "O Boca Juniors queria levar-me, os dirigentes argentinos chegaram a fazer uma proposta e o Benfica nem os recebeu. Essa situação foi o estimulo para a minha luta. Durante 5 anos, desde 1967 até 72, não parei ate conseguir mudar as coisas. Com a criação do Sindicato, que foi apenas o terceiro a existir no país, conseguimos acabar com a Lei de opção e depois do 25 de Abril houve a liberdade total", resume o antigo extremo do Benfica. 

Ajuda preciosa de Jorge Sampaio

Jorge Sampaio, Presidente da República entre 1996 e 2006, teve papel importante na luta pelos direitos dos futebolistas. António Simões recorda esses anos: "Na altura era um jovem advogado e foi graças à grande determinação dele que conseguimos criar o Sindicato e com isso passamos a ter direitos. Muitos anos mais tarde, numa coluna de opinião no jornal, Jorge Sampaio escreveu uma crónica com o título: Simões acabou com a escravatura. Senti que o meu esforço foi reconhecido, foi uma luta difícil pois fui o primeiro a questionar o poder dos clubes e sofri muito com isso."

Artur Jorge presidente do Sindicato de Jogadores

O Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol nasceu a 23 de fevereiro de 1972 e na primeira comissão diretiva estavam os principais craques desse tempo, jogadores dos maiores clubes. Eusébio, Simões e Artur Jorge (todos do Benfica), Fernando Peres e Pedro Gomes (Sporting), Rolando (FC_Porto) e João Barnabé (União de Tomar) passaram a ser os representantes máximos dos futebolistas.

"Com a criação do Sindicato acabou a minha luta de 5 anos. Chamei jogadores dos vários clubes e não quis ser presidente, achei que o Artur Jorge tinha mais perfil para o cargo, até porque tinha curso superior, era formado em Germânicas. Assim, em 1972 acabou a Lei de opção e um clube para segurar o jogador em fim de contrato teria de pagar 70 do valor da oferta que recebesse", conta António Simões.

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