A cidade onde em 1936 Salazar comemorou o décimo aniversário da ditadura militar entrou em delírio no 26 de abril, celebrando o fim da ditadura um dia depois de Lisboa.
A cidade onde em 1936 Salazar comemorou o décimo aniversário da ditadura militar entrou em delírio no 26 de abril, celebrando o fim da ditadura um dia depois de Lisboa.
As notícias da revolução do 25 de Abril, que estava a acontecer em Lisboa, chegaram com atraso a Braga e apenas no dia seguinte, a 26 de abril, a população bracarense saiu à rua para festejar. Além de estar a mais de 350 quilómetros da capital – numa altura em que se demorava um dia inteiro a fazer o percurso Braga-Lisboa –, a informação demorou a chegar às cidades mais distantes. Mas quando se soube que a revolução era favorável, a alegria tomou conta da cidade e os bracarenses invadiram as ruas e praças para celebrar a tão desejada liberdade.
Logo às primeiras horas do dia, os jovens do Liceu Sá de Miranda interromperam as aulas e foram chamar todos os colegas para irem para a rua celebrar. "Eu lembro-me de me ter agarrado ao sino do liceu e começar a badalar", conta José Miguel Braga, que na altura tinha apenas 16 anos.
A primeira paragem do dia foi no Liceu Dona Maria II, uma escola feminina. Rapazes e raparigas, juntos, marcharam Braga fora direito às fábricas da cidade. Estudantes e operários, de bandeiras e cartazes em punho e vozes afinadas, percorreram as ruas até chegar ao centro, a Avenida da Liberdade. Esses momentos ficaram registados pela lente de José Delgado, um fotojornalista bracarense, que saiu à rua de câmara nas mãos para retratar o dia de festa na cidade, donde tinha saído o golpe do 28 de Maio, que instaurou a ditadura que deu origem ao Estado Novo.
O 26 de abril de 1974 contado por quem o viveu
"Braga desabrochou. E desabrochou. Tanta gente na rua. Foi uma alegria esfuziante, uma alegria louca. Porque realmente foi um dia de festa", recorda Maria Manuel Marques. Tinha 26 anos na altura, dava aulas na Escola Industrial Carlos Amarante e já tinha uma fi- lha com cinco anos. O marido, Artur, tinha ido para a Guerra Colonial há uma semana: "Eu vivia num pavor terrível. Terrível. Eu e todas as mulheres que tinham os maridos, os companheiros, os irmãos" em África.
Aquilo que começou com uma manifestação de alunos e operários na manhã do dia 26 de abril, transformou-se durante a tarde num comício na Praça do Município, com milhares de pessoas reunidas, em euforia, que celebravam a liberdade e a democracia.
Nas paredes das ruas, nas conversas em cafés e nos rostos radiantes dos cidadãos podia-se sentir a promessa de um novo Portugal, longe do regime que tinha calado o País durante 48 anos. "Era um país vigiado. O lápis azul funcionava: havia livros proibidos, reuniões proibidas, comícios interditos, pessoas presas e nós tínhamos consciência disso", conta José Miguel Braga. Apesar de terem apenas 16 anos, José e os amigos eram defensores ativos de uma mudança de regime e interessavam-se pela política.
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Marx e Engels
Antes do 25 de Abril, Portugal estava fechado ao mundo. As pessoas tinham consciência de que viviam mal e os jovens, que desde cedo percebiam a pobreza e o analfabetismo, viam o futuro ameaçado pela perspetiva de terem de combater na Guerra Colonial.
Arriscavam, distribuíam panfletos, organizavam reuniões clandestinas e liam livros proibidos. "Eram tempos diferentes. Falava-se muito de política entre nós", recorda José António Barbosa. Quando aconteceu o 25 de Abril tinha 17 anos e frequentava o Liceu Sá de Miranda. Foi um dos alunos que boicotaram as aulas para irem para a rua celebrar.
Na rua, na escola, nos cafés, falavam sobre as mudanças que queriam ver no País, mas dentro de casa, muitas vezes, o discurso tinha de ser outro: "Lembro-me de uma vez [o meu pai…] ter descoberto o ‘Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels’ debaixo de um colchão e de me ter dado um grande sermão. Porque o meu pai era completamente apoiante do regime", confessa José Barbosa.
Lembro-me de uma vez [o meu pai…] ter descoberto o ‘Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels’ debaixo de um colchão e de me ter dado um grande sermão
Maria Manuel Marques conta que vivia com medo de ser apanhada pela PIDE. Muitas noites ficava acordada em casa, apavorada, com a filha, até que o marido regressasse das reuniões clandestinas. Os carros usados para ir a estes encontros eram frequentemente trocados, para não levantar suspeitas e as localizações dos militantes iam variando, de casa em casa. Maria tinha sempre receio que algo acontecesse e não ter ninguém a quem pedir ajuda.
O medo dos ‘bufos’ era real. Ainda que não se soubesse o que ia acontecer no dia 25 de abril de 1974, o sentimento era comum: alguma coisa tinha de acontecer, e rapidamente, pois "o País estava numa situação-limite", diz Maria.
Recriação do comício do Movimento Democrático
Foi de Braga que, a 28 de maio de 1926, teve lugar a sublevação militar comandada pelo general Gomes da Costa, que marchou para Lisboa. A ditadura militar, que então teve início, deu origem ao Estado Novo fundado por Salazar. No dia 26 de abril de 1974, depois de 48 anos de ditadura, o comício do Movimento Democrático do Distrito de Braga marcou o fim do regime. Neste dia 26, pelas 16 horas, 2500 pessoas recriam este momento histórico na Praça do Município. A iniciativa vai contar com a participação de escolas, figurantes e militares do 25 de Abril.
Fotografias José Delgado | Imagem Nuno Veiga | Edição Ana Sofia Pinto
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