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Fingiram ser um casal na clandestinidade, mas o amor falou mais alto e 50 anos depois continuam juntos

Em 1970, Armando e Mariana mal se conheciam quando foram viver na mesma casa. Três meses depois, a camaradagem transformou-se em amor.

Em 1970, Armando e Mariana mal se conheciam quando foram viver na mesma casa. Três meses depois, a camaradagem transformou-se em amor.

25 de abril de 2024 às 17:07

Era uma mentira até deixar de o ser. Armando e Mariana viveram a sua história de amor enquanto lutavam pela liberdade. Comunistas e clandestinos, foram morar juntos no verão de 1970 e fingiram ser um casal para passarem despercebidos e poderem continuar a ter um papel ativo na oposição ao regime Ao manterem um segredo comum, acabaram por se apaixonarJuntos há mais de cinco décadas, recordam hoje, dos palcos às salas de aula, o Portugal que conheceram durante a juventude e os obstáculos que tiveram de enfrentar antes da chegada da democracia.  

Mariana Oliveira foi clandestina praticamente desde que nasceu. Filha de funcionários do PCP e neta de um dos fundadores do partido comunista, cedo percebeu que queria fazer parte da luta. Com nove anos começou a ajudar os pais na tipografia do Avante, em Lisboa. Aprendeu a ler e a gostar de português com os jornais. Aos 15 anos, tornou-se militante. Já Armando Morais entrou no partido aos 18 anos. Vinha de uma família muito numerosa e sempre se preocupou com a injustiça social e com a pobreza. Acabou por "mergulhar na clandestinidade" quando a atividade política o deixou demasiado exposto. Foi procurado pela polícia e o seu rosto chegou a aparecer nos jornais e na televisão. Nessa altura, foi aconselhado por camaradas a juntar-se a Mariana e a fazer-se passar por seu marido.

No verão de 1970, quando ainda mal se conheciam, Armando e Mariana compraram alianças falsas e foram morar juntos. Ele desempenhava funções administrativas no partido, ela ficava por casa e ajudava a manter as aparências. Ao fim de três meses, já não era preciso fingir. A camaradagem que sentiam um pelo outro transformou-se em amor.

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Armando e Mariana PartI

Uma vida subterrânea 

Todos os cuidados eram poucos para quem vivia o dia a dia na clandestinidade. Identidades falsas, cartas simuladas e senhas para entrar em casa são alguns exemplos das práticas que tinham de cumprir. Para Armando e Mariana não foi diferente. A vida "não era normal", mas tinha de parecer para não levantar suspeitas.   

Durante os quatro anos que estiveram juntos na clandestinidade, Armando e Mariana viveram em cinco casas e alguns quartos. Chegaram a estar apenas um mês num quarto por causa dos olhares mais desconfiados de uma vizinha. A casa onde moraram mais tempo ficava no bairro lisboeta de Campo de Ourique. Viveram nessa casa cerca de dois anos e meio e foi aí que viram a família aumentar. Tiveram dois filhos: o Sérgio e a Catarina.

Campo de Ourique teve de ficar para trás quando descobriram que já estavam a ser vigiados. A paragem seguinte foi a Amadora, onde tinham como vizinho um polícia de choque. Armando e Mariana estavam cientes de que a qualquer momento podiam ser presos, mas tinham de estar preparados para não denunciar camaradas.  

Apesar de todos os percalços e receios, nunca chegaram a ser detidos nem precisaram de se separar dos filhos, que era a "sentença" da clandestinidade que mais temiam.  

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Armando e Mariana PartII

"Abril foi sair da pré-história"

Com o 25 de Abril, Armando e Mariana deixaram de "viver a preto e branco" e passaram "a viver a cores". Mariana voltou a usar o seu nome verdadeiro e "saiu da pré-história". Livre, conseguiu estudar e tirar o curso de Ciências da Comunicação. Armando nunca deixou de lutar pelos direitos dos trabalhadores e, ainda hoje, mantém atividade política.

A comemorar os 50 anos da revolução, Armando e Mariana afirmam que a luta do povo não terminou. Indignados com a miséria em que muitos vivem e com as condições dadas aos trabalhadores portugueses, dizem que "não foi para isto que se fez Abril". E sublinham que é importante estar alerta para que os ideais fascistas não regressem. "São ideias velhas que cheiram a mofo (...) É uma conversa muito perigosa. Nós vivemo-la, sofremos muito e agora não queremos. A luta continua e sempre continuará", reforça Mariana.

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