Dia 14: "Ups! Milão, cá estamos nós outra vez..."

José e Francisca, pai e filha, escolheram o CM para relatar interrail pela Europa.

18 de agosto de 2015 às 13:34
Francisca Oliveira e José Oliveira
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Francisca Oliveira, 14 anos, e José Oliveira, 49 anos, estão a fazer um interrail pela Europa. E contam tudo no site do Correio da Manhã------

Como programado, levantamos cedinho. A ideia era estar antes das 8h na Stazione di Milano Centrale. Perante a expectativa de uma longa viagem, não podia haver nem atrasos, nem falhas .

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Assim foi. São 7h45m. Chegamos.

O site Bahn.de "dizia" que o nosso comboio era um rápido e por isso era necessário marcar lugar. Havia uns 11 guichets em funcionamento.  Fomos tirar a senha e aguardamos a nossa vez.  Teriamos umas 40 pessoas á nossa frente. O tempo passava a correr e instalou-se em nós uma ligeira ansiedade.

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O pai ficou a guardar as coisas e eu fui "tratar do Comboio".

Lá está o nosso número. Guichet 7. 

O funcionário era um italiano, figura vulgar, sem nada de especial que o distinguisse. Confrontei-o confiante: "Hi, para Barcelona?"

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A reacção dele, manifestada pela sua expressão facial, preocupou-me. Olhou para mim com o sobrolho pendido e ficou em silêncio por brevíssimos segundos e logo de seguida pergunta : "Cómo?! Barcelona de Espanha?!"

"Sim, sim, Espanha, Barcelona de Espanha", e quase sem me deixar acabar a frase, atira-me ao mesmo tempo que abanava a cabeça: "No, no, não existem comboios para Espanha".

Fiquei  sem reacção. Estava lá escarrapachado, no site alemão: duração da viagem, 11h48m, partida de Milão às 8h45m e chegada a Barcelona 20h33m, 2 comboios, sendo o 1.º o TGV.

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Bolas , os alemães não falham...

Sem saber bem o que fazer, olhei para trás na tentativa de descobrir o pai no meio de uma pequena multidão que entretanto se tinha criado.

Estava lá ao fundo, acenei-lhe em bicos de pés e por gestos pedi-lhe para me acudir. Deve ter visto ter visto o meu ar assustado e veio rapidamente largando as nossas coisas num canto. Expliquei-lhe a alhada em que estávamos metidos e o pai decidido voltou à carga,  e munido do "print" do site, mostrava ao italiano apontando e dizendo "quero ir para Barcelona neste comboio". O sujeito, agora manifestando algum enfado, respondia: "Não há comboios para Barcelona." Suspirou e continuou. "Se quiseres deixo-te na fronteira (dizendo o nome de uma qualquer localidade que não percebemos) e depois aí tu segues para Marselha ou para Barcelona se conseguires."

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Olhamos um para o outro e o pai impulsivamente saiu dali e foi tirar uma nova senha na tentativa de sermos atendidos por outro funcionário.

A esta altura já nos considerávamos viajantes com tarimba, mas não há dúvida que estávamos um pouco preocupados.

Chegou novamente a nossa vez.  Agora o guichet era o n.º 12.

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Desta vez fomos os dois. O pai, mais uma vez com o "print" na mão , dizia com firmeza: " quero ir para Barcelona." E adiantava o papelinho que trazia e mostrava-o à medida que falava. A resposta veio semelhante à anterior. O funcionário do Guichet 12, olhou a folha que o pai mostrava e pediu ajuda a uma colega. Conferenciaram brevemente e em surdina.  O sujeito voltou, já abanando a cabeça. "No, no, no.... já não há comboios para Barcelona, mas posso indicar-te um comboio para Paris", disse. Acho que nem o deixámos acabar frase e saímos dali brusca e imediatamente.

Sem trocarmos uma palavra, olhámos um para o outro, pegámos na nossa "trouxa" e ao mesmo tempo demos uma gargalhada. Estávamos em sintonia e soubemos ali mesmo o que teríamos de fazer.

Ora, Milão merecia muito mais do que um dia e a correr. Barcelona ficará para uma próxima aventura.

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Fomos ao nosso hotel tentar prolongar a nossa estadia por mais um dia. Já está.

São agora 9h30 e já depositamos as nossas mochilas. Estamos prontos. Milão, cá estamos nós outra vez.

Fomos diretamente para a Piazza del Duomo, que selecionámos como nosso ponto de referência.

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É impossível chegar àquela praça e não ficar extasiado, por mais vezes que se lá retorne. Aconteceu-nos e comentámos o facto.

Decidimos que hoje seria o dia das guloseimas e por isso  fomos  logo "aos gelados".

Há medida que íamos andando fomos procurando, espreitando e caímos na Gelataria Amorino. A variedade dos sabores é bastante e a aparência é muito apetitosa. Não estivemos com meias medidas e pedimos um copo com 2 bolas para cada um. Os gelados vieram cremosos  e, em coerência com a aparência, eram espantosamente deliciosos.

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Pedimos depois 2 "macarrones", um para cada um e eram tão bons!! Tão únicos.

Lambuzados , reparamos que estávamos de novo em Brera.

Sem presas divagámos pelas ruas, fomos entrando e saindo em lojinhas, olhamos algumas galerias e assim passamos o resto da manhã.

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Era quase 1 hora. Iríamos almoçar novamente por esta zona. Procurávamos poiso, quando ao longe vislumbramos o "carequinha" do restaurante de ontem. Ele avista-nos também e enquanto arrumava mesas e entregava menus, acena-nos expansivamente e com um sorriso rasgado.

"Carequinha, assim não dá , condicionas as nossas escolhas".

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E foi isso mesmo que aconteceu. Espreitámos meia dúzia de restaurantes, mas regressámos ao mesmo do dia anterior. O Italiano, sessentão, careca e com pinta recebeu-nos efusivamente e sentou-nos na esplanada quase de imediato. Achamos por bem aceitar as suas sugestões gastronómicas e saímos de lá reconfortados e satisfeitos. Criamos com aquele sujeito uma relação de simpatia inegável. Despedimo-nos com emoção, como se nos conhecessêmos há mais tempo, prometendo voltar sempre que regressemos a Milão.

Seguimos, com a ajuda do mapa , para o Castello Sforzesco. Estava um calor infernal.

Seriam agora umas 15h30. O Castello é um edifício enorme, com uma história longuíssima e que remontará ao século XIV.  Tem vários museus no seu interior. Nós ainda visitámos o Museu das artes decorativas e Museu dos instrumentos musicais, onde assistimos a um mini concerto de guitarras que tocavam peças de música clássica.

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Soubemos que existiam no Castelo obras de Leonardo Da Vince e Michalangelo, entre outros artistas renomados. Não havia tempo para ver tudo, para isso precisaríamos de dias.

Nas traseiras do Palácio existe um Parque, o "Parco Sempione", com um pequeno lago e muito verde. Logo no seu início havia um pavilhão onde uma banda tocava umas rumbas, pasos dobles e tangos e alguns velhotes dançavam e conviviam. Achei aquilo muito engraçado e chamei-lhe "uma discoteca vintage".

O grande jardim era encabeçado por uma praça com umas arcadas o Arco della Pace , até onde fomos antes de regressarmos ao Castello. O calor mantinha-se intenso. O castelo tinha sido tomado por turistas. À entrada do Edificio há um enorme fontanário com inúmeros repuxos de água. Sentá-mo-nos no muro que o contorna e pusemos os pés dentro da água,  esperando o alivio daquela canícula.

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Redefinimos planos e resolvemos ir explorar uma zona onde ontem tínhamos passado de raspão, mas que nos tinha despertado a atenção.

Ligeiramente refeitos, avançámos para a Praça Duomo e daí para a Via Torino, uma rua comercial, sem grandes motivos de interesse. Um pouco à frente virámos para a Corso di Porta Ticinese, uma rua de gente e lojinhas alternativas, algumas lojas vintage, outras de 2.ª mão, barzinhos e restaurantes, tudo frequentado por uma "fauna" mais colorida. Caiu-nos no goto. 

Fomos indo, entrando, olhando e vendo.

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Mais acima cruzamo-nos com a Basilica San Lorenzo Maggiore, edifício muito antigo, com colunas envolventes, altas e em ruinas, sinais de reconstruções ao longo dos tempos.

Numa rua ali bem perto, a via de Amicis, existe uma instalação permanente que consiste numa parede branca cheia de bonecas velhas, e cada pessoa pode lá colocar a sua, cada uma simboliza uma mulher vitima de maus tratos. Chamam-lhe a "Wall of Dolls".

Continuamos…

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Numa loja meia estranha, vi umas botas que adorei e como eu e o pai passámos a entendermo-nos quase por telepatia, sem eu dizer nada ele sugeriu, que eu as experimentasse.

A loja era tenebrosa, cheia de caveiras, correias e correntes, tudo negro. A música era a condizer, metal, muito barulhenta e o som altíssimo. Lá dentro o empregado era um punk, vestido a rigor, magro, alto, olhos azuis, bonito, mas cheio de furos e piercings nos lábios inferiores, entre os olhos um ferro que atravessava a cana do nariz e o cabelo completamente espetado.

Estava acompanhado de um Bull Terrier, daqueles branquinhos com uma mancha negra num dos olhos.

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Perguntámos os preços, tamanhos e se podíamos experimentar. Só havia o meu número numa outra loja, num quarteirão abaixo. Não tive tempo de ficar triste, pois o punk de aparência rude , foi de uma delicadeza e simpatia!!! Disse, com uma voz suave e dissonante da sua persona: "Bem eu estou sozinho na loja. Se não se importarem, o cão fica a tomar conta desta loja e nós vamos à outra".

Entretanto chegaram mais uns 3 iguais, na atitude e indumentária.

Eu e o pai nem questionamos: Ok, lets go. E fomos. Eu o pai e um gang de punks pelas ruas de Milão em amena cavaqueira, conversando trivialidades. No regresso despedimo-nos e não consegui resistir a umas festas no cachorrinho.

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Era giro o raio do miúdo Punk.

Continuámos pela rua até á Porta Ticinese. Uma das portas da cidade de Milão, agora um monumento, antigo, pós Napoleónico, situado no meio da Piazza XXIV de Maggio. 

Era sábado, final de tarde e havia gente nas ruas, gente que não pertencia há turba de turistas que sistematicamente íamos encontrávamos pelas cidades.

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Ali ao lado descortinámos um canal, um fio de água longo e nas suas margens uma sucessão esplanadas, de bares e restaurantezinhos, de onde vinha música alegre. As pessoas circulavam cima abaixo e atravessavam pelas pontes pequeninas, que se repetiam espaçadamente.

O cenário era-nos apropriado, era por ali que iríamos ficar até ao final do dia, não tivemos duvidas e assim foi.

Escolhemos o local para jantar, a Officina 12. Tinha um ambiente moderno e era uma mistura de bar e restaurante. O empregado tinha um ar de "Joaquim Cortez". Era mais do que um empregado de mesa, era o cicerone do restaurante, apresentava-nos a lista, aconselhava, sorria, cabendo a outros a tarefa de nos servir. A comida não destoou e veio muito apetitosa. Saboreámos tudo preguiçosamente, as entradas, as pizzas e o vinho para o pai.

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Regressámos à rua e às margem daquele canal, o Naviglio Grande,  ainda coberto de gente. O ar continua quente.

Vagueámos vagarosamente, tentando que o tempo se suspenda e corra também lentamente, pois Milão, àquela hora e naquele local estava a saber muito bem.

Era quase meia noite, passámos ainda por um mercado, o Mercato Metropolitano,  que estava aberto e àquela hora vendia produtos regionais e biológicos, tinha uns stands de comida e ainda uma banda que tocava umas modinhas e gente que se divertia.

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Milão caiu-nos bem.

Temos de regressar ao hotel. O pai 2.ª feira tem de ir trabalhar e nós temos de tomar decisões.

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Veja o diário da viagem

Dia 13: "Banho tomado. Renovados"

Dia 12: "Um dia e tanto..." 

Dia 11: "Adeus Viena, olá Budapeste"

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Dia 10: "Dia de romaria"

Dia 9: "Está decidido, rumamos a Viena"

Dia 8: "Praga de encantar"

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Dia 7: "Praga, estamos a chegar"

Dia 6: "Hoje já sabiamos ao que íamos"

Dia 5: "Berlim está a arrebatar-nos"Dia 1: "Pai e filha à 'conquista da Europa'"

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Dia 4: "Au revoir, bela Paris"

Dia 3: "Hoje vimos uma Paris mais francesa"

Dia 2: "Fransica e José descobrem Paris"

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Dia 1: "Pai e filha à 'conquista da Europa'"

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