Ameaçada de morte e tratada como uma prostituta: Os relatos de uma ativista presa pelos talibãs no Afeganistão

Roqia Saee foi presa duas vezes em 2022 e 2023. Hoje em exílio na Alemanha, conta que guarda memórias dos maus-tratos e tortura que nunca esquecerá

30 de abril de 2024 às 14:51
Roqia Saee Foto: Direitos reservados
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É com vários traumas que Roqia Saee guarda memórias sobre o período em que esteve presa no Afeganistão. Viúva e mãe de dois filhos, a ativista não se conseguiu conformar com o rumo do país depois dos talibãs terem recuperado o poder. Ciente que as mulheres e as raparigas teriam cada vez menos direitos, participou em inúmeros protestos contra o regime e foi detida duas vezes, uma em 2022 e outra em 2023. Em ambas as situações foi submetida a torturas físicas e psicológicas que garante que nunca irá esquecer. Agora em exílio na Alemanha, conta alguns detalhes sobre o tempo que passou às mãos dos talibãs. 

A 22 de dezembro de 2022, Roqia Saee juntou-se a outras mulheres afegãs em Dehbori, em Cabul, para exigir que os talibãs lhes devolvessem o direito à educação e ao emprego. Quando a manifestação começou, as forças de segurança talibãs chegaram e começaram a atacar todos. As mulheres dispersaram e Roqia entrou num táxi, mas eles perseguiram-na e apanharam-na.

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"Bateram na minha orelha esquerda com os punhos. Nesse momento, senti o tímpano a rebentar e fiquei tonta. Depois disso, não resisti e entrei no veículo deles", conta Roqia, citada pelo El País

A afegã foi levada, juntamente com outras quatro manifestantes, para uma esquadra da polícia. "Fui vendada, ataram-me as mãos e deitaram-me água fria em cima antes de começar o interrogatório", explica.

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Depois de ser interrogada diversas vezes, a Roqia foi sujeita a tortura física e psicológica. "Fizeram-me perguntas de uma forma aterradora, bateram-me, apontaram-me uma arma à cabeça e ameaçaram dar-me um tiro. A minha cabeça andava à roda, as minhas mãos e pés tremiam, não me conseguia mexer e estava aterrorizada", recorda.

Assim que deixou de ser interrogada, a ativista foi confinada a uma cela que dispunha de um colchão, um cobertor e uma almofada. A privacidade não existia, uma vez que a cela tinha uma câmara de videovigilância. 

Roqia relembra que durante todo o período em que esteve presa, os talibãs se dirigiram a ela de forma depreciativa "Embora soubessem o meu nome, nunca o usaram durante os interrogatórios. Referiam-se sempre a mim como uma prostituta", diz.

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Segundo o El País, quatro dias depois, Roqia foi libertada com a condição de não falar sobre a sua detenção nem voltar a sair à rua para protestar. Apesar do medo e das ameaças, a ativista sentia que não podia ficar em silêncio e, assim, a 26 de março de 2023 juntou-se a outro protesto em Cabul contra o encerramento de escolas secundárias para raparigas afegãs.

A polícia acusou as mulheres e Roqia foi novamente detida. Desta vez por menos tempo, uma vez que um dia depois acabou por ser libertada. Conta que foi obrigada a gravar um vídeo em que admitia ter cometido um crime e recusou explicar os pormenores sobre como isto aconteceu. 

Atualmente na Alemanha, Roqia sente-se segura, mas confessa que há "feridas invisíveis que permanecem abertas" daquele tempo.

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"Acordei muitas vezes a gritar por causa de pesadelos. Tomei medicação durante muito tempo, mas era impossível dormir mais de duas horas de cada vez", explica.

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