Negócio atravessa gerações e volta a ganhar força em Moçambique.
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Sentadas à porta de uma casa, em Maputo, escurecida pelo fumo da castanha assada, duas mulheres, ambas Rosalina de nome, sustentam famílias a partir do negócio que atravessa gerações e volta a ganhar força em Moçambique: o caju.
No bairro da Malanga, arredores do centro da capital, o dia começa ainda de noite para Rosalina Justino, 60 anos, que, antes do nascer do sol, começa a assar castanha de caju numa fogueira.
"Acordo às três da madrugada para começar a partir castanhas, nessa hora mesmo, não há muito tempo", diz à Lusa Rosalina, sentada à porta de casa, feita de chapa de zinco e já escurecida pela fuligem constante.
Vendedora de castanha de caju, passa quase todo o dia ali sentada, tratando de um processo artesanal que passa por assar a castanha, partir o caroço, um de cada vez, para encher os copos expostos à frente para os clientes.
Rosalina Justino reclama do preço da castanha, cansaço e dores de estômago devido ao fumo diário, rotina de há 30 anos que paga as contas de casa e os estudos dos filhos, alguns já na universidade.
Recorda, com tristeza, o tempo em que comprava a caneca de castanha no mercado por 50 meticais (0,67 euros) e que agora custa três vezes mais, cortando-lhe os ganhos.
"O lucro é pouco, não tem muito lucro porque a castanha está cara", desabafa a vendedora, enquanto segura um balde com castanha já pronta, que vende por 120 meticais (1,60 euros) o copo, enquanto reclama a falta de clientes no mercado local.
O Ministério da Agricultura, anunciou, em 27 de junho, que a comercialização da castanha de caju em Moçambique atingiu na última campanha 195.400 toneladas, aproximando-se do recorde dos anos 70, quando o país foi um dos maiores produtores mundiais.
Essa produção atingiu há 50 anos, ainda no período colonial, mais de 200 mil toneladas anuais, com a comercialização atual a aproximar-se desse registo histórico na mais recente campanha, de 2024/2025.
Além do ofício e da rotina, as duas mulheres dividem também o nome, diferindo entre si a idade e o tempo de venda de castanha de caju.
Ao lado de Rosalina Justino está Rosalina Bule, 55 anos - há 22 anos nesta atividade - e que engrossa o coro de histórias partilhadas entre uma fornada e outra, ambas com a necessidade comum de sustentar a família.
"Fui no Fajardo comprar castanhas para assar e vender para alimentar meus filhos", diz a mulher, limpando o suor do rosto com as mãos pretas de carvão e assume: "Aqui pode não conseguir construir casa, mas para mim dá, porque consigo comer, os meus filhos vão à escola".
Em dias sem aulas, os filhos ajudam e levam a castanha para vender na baixa da cidade de Maputo, enquanto a mãe improvisa também carvão e bolinhos para ganhar um pouco mais.
"As vezes vendo carvão ali e aquela vassoura ali, outra coisa, bolo, mas a minha profissão é esta aqui", esclarece.
As 'Rosalinas' colocam a castanha sobre uma pedra e com um pedaço de ferro partem o caroço para libertar a amêndoa, um gesto que repetem centenas de vezes ao dia.
"A esquina (sitio onde vendem) é aqui mesmo porque aqui é em casa", concordam as duas mulheres que, apesar da escassez, têm ainda clientes fiéis que encomendam a castanha regularmente.
Ainda no bairro da Malanga, já no mercado Fajardo, está Nelson, que viaja desde 2008 para a província de Inhambane, também no sul de Moçambique, para comprar castanha bruta para revender.
Igual às 'Rosalinas', Nelson também reclama da instabilidade do negócio e pouco lucro, com os preços a aumentarem em Inhambane e os seus clientes a reclamarem em Maputo.
"Sempre estamos a lutar com os clientes porque não são todos que aceitam [o preço]. Mas não tem nada a ver, porque o preço de lá [em Inhambane] não perdoa", conta Nelson.
"Os outros estão a reclamar [no sentido de que] a castanha é nossa, é de Moçambique" e, por isso, não se justifica o preço aplicado, acrescenta o comerciante, referindo que, apesar das queixas, a castanha não fica muito tempo na banca.
"Posso receber hoje e amanhã acaba (...). Tem pessoas que nos desafiam também, que fazem esse negócio de castanha e vêm comprar, ficamos dois dias, mais tardar três com a castanha", referiu Nelson, para quem este negócio é também a base de sobrevivência.
Até meados da década de 70, Moçambique era o segundo maior produtor mundial de caju (210 mil toneladas processadas em 1973), atrás apenas da Índia, que comprava na altura, e ainda esta segunda-feira, grande parte dessa produção.
Após a independência de Moçambique, em 25 de junho de 1975, a produção caiu para cerca de 15 a 20 mil toneladas anuais, mas tem vindo anualmente a crescer, de acordo com o histórico dos dados oficiais.
Segundo o Ministério da Agricultura, a cadeia de valor das amêndoas de caju "conta com cerca de 1.047.000 famílias, 69 empresas e 7.287 trabalhadores em todo o pais" e só na província de Maputo essa atividade envolve 32.168 famílias sendo "o principal centro de consumo das amêndoas, gerando inúmeras oportunidades de negócio".
O Governo moçambicano estima que a produção de castanha de caju, uma das principais culturas de rendimento nacional, aumente 23% este ano, para 218.900 toneladas, com a área de cultivo também a disparar.
No fumo espesso que sobe das brasas, na casca queimada que estala com o fogo, na esquina sem nome, as 'Rosalinas' resistem ao cansaço de anos para sustentar as suas famílias.
"Estou cansada, o estômago também dói com esse lume, não está fácil. Mas vou fazer o quê? Os meninos também querem comer, tem de ir à escola", conclui Rosalina Justino.
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