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O caprichoso duro da ETA

As suas atitudes individualistas e autoritárias fizeram várias vezes de Iñaki de Juana, de 51 anos, um incómodo para a direcção central da ETA. Porém, após o atentado de 30 de Dezembro, no aeroporto de Madrid, que pôs em questão a política de contactos para a paz do governo de Zapatero com a organização terrorista basca, a greve de fome que De Juana mantinha desde inícios de Novembro foi a melhor arma de contra-ataque político da ETA. Criou-se, assim, um novo herói que, depois de nascido para matar, está disposto a morrer. De Juana é um assassino impiedoso.

10 de fevereiro de 2007 às 00:00

Foi condenado a 3000 anos de cadeia por 25 mortes e dezenas de feridos por atentados que perpetrou e dirigiu, sobretudo em 1985 e 1986, quando o chamado Comando Madrid executou, na capital espanhola, a rajadas de UZI e com carros-bomba, 112 pessoas, na maioria militares e polícias. A lei permitia, no entanto, que tivesse sido libertado em Fevereiro de 2005, após 18 anos de prisão. Alguns expedientes judiciais adiaram a sua saída da cadeia até que em Novembro passado foi de novo condenado a mais 12 anos de prisão, devido a dois artigos de opinião publicados no diário ‘Gara’. O militante da ETA que a si próprio gosta de se qualificar como ‘basco e vermelho’ iniciou, então, uma greve da fome, forma de luta que já adoptara antes também contra a Justiça do Estado espanhol.

A imagem de Iñaki de Juana é de um duro que sempre gostou de mandar e chocar os parceiros do terror com atitudes implacáveis. Juan Manuel Soares Gamboa, que esteve com ele no Comando Madrid e depois se tornou num ‘arrependido’, conta no livro ‘Agur, ETA’, de Matias Antolin, como Inakio se encarregou com outro ‘etarra’ do assassínio de três militares numa rua de Madrid e como depois apareceu disfarçado de gorro branco e óculos escuros a disparar uma rajada de metralhadora sobre o mar de sangue em que se transformara o interior do Fiat 124 do Exército, todo esburacado pelo impacto das balas.

A orgia assassina arrepia, mas Inaki repetiu a violência sanguinária em outros atentados desde que em 1983, identificado como membro da ETA, fugiu de San Sebastian para França. E manteve a mesma atitude de duro violento quando foi preso em Janeiro de 1987, após um dos anos mais sanguinários do terrorismo basco. Aguentou todos os interrogatórios policiais, mas confessou depois, diante do juiz da Audiência Nacional (Ministério Público) ser autor do atentado com carro-bomba contra um autocarro militar, numa praça de Madrid, a 14 de Julho de 1986, que custou a vida a 14 militares. Eram membros das Forças Armadas e da polícias todas as 25 vítimas de terrorismo por que foi condenado.

Nos vinte anos que leva de prisão, distingue-se por comentários bárbaros, inclusive sobre o assassínio do autarca do PP Alberto Becerril e sua mulher, executados pela ETA em Sevilha, em 1998. Sobre os funerais que viu pela televisão, escreveu: “Os seus choros são os nossos sorrisos que acabarão em gargalhada limpa. Encanta-me ver as caras desfiguradas que têm. Com esta acção já me sinto comido para todo o mês.”

A perversa imagem literária não é única nas sua perturbada relação com a comida. Mandou vir de fora da cadeia champanhe e mariscos para festejar o assassinato do autarca navarro Tomás Caballero, em 1998. E não discutiu com a direcção da ETA a sua decisão de a 7 de Agosto do ano passado iniciar uma greve de fome. A iniciativa incomodou a organização em processo de negociações com o governo socialista de Jose Luis Zapatero. A prova é que a notícia demorou 11 dias a sair no ‘Gara’, reconhecido como jornal da organização terrorista. Com algumas interrupções, De Juana manteve o seu propósito e a sua teimosia acabou por ser útil à ETA. Após o atentado de 30 de Dezembro que matou dois imigrantes equatorianos no aeroporto de Madrid os terroristas bascos têm um novo herói para lhes servir de bandeira de combate. É difícil que seja para a paz.

POLÍCIA E NETO DE MILITAR

O pouco que se sabe sobre a vida pessoal de Iñaki de Juana Chaos, ou José Ignacio de Juana Chaos em castelhano, é que além de ter nascido a 21 de Setembro de 1955, em Legazpia, província Guipúzcoa, teve um avô militar e serviu na polícia autónoma Ertzaintza. Quanto á família, Iñaki tem mãe já muito idosa, uma irmã que se afastou dos meios ‘etarras’ e duas companheiras sentimentais: Immaculada NoGoikoetxea, que conheceu no ‘Comando Madrid’ em 1986 e se afastou dele em de 2005, e Irati Zuloaga, de 29 anos, militante do Etxerat, associação de familiares de presos.

LÍDER ATÉ NAS CADEIAS

Na prisão desde 16 de Janeiro de 1987, Iñaki de Juana deu curso à veia de escritor com dois livros, ‘Dias’ (memórias) e ‘La Senda del Abismo’ (ficção), e agiu sempre como líder ‘etarra’. Quando outros terroristas bascos iam para a cadeia onde estava interrogava-os e atribuía tarefas. Ficou famoso o confronto na prisão de Las Palmas (Canárias) com outro histórico da ETA, Jesus Zabarte, o ‘Carniceiro de Mondragon’. Apesar de tudo foi um dos indicados pela ETA para discutir em 1996 a situação dos terroristas presos com as autoridades.

FURO NA SEGURANÇA E FOTO NO 'TIMES'

De Juana saltou no início desta semana de uma cama onde está sob prisão no Hospital Doce de Octubre, em Madrid, para os escaparates de jornais sobretudo na Espanha e Reino Unido, devido a fotografias não autorizadas e que correspondem a um furo na segurança. Os sindicatos de polícias foram aliás os primeiros a denunciar a falta de segurança à volta do detido, for falta de condições de vigilância – as câmaras de vídeo instaladas no quarto não funcionam – e de controlo. Após uma primeira inspecção até ao nu de Irati, companheira sentimental do ‘etarra’, foi ordenado aos polícias que apenas a submetessem ao detector de metais. O mesmo aconteceu a todas as visitas do preso que já incluíram uma delegação de artistas do País Basco. Esta tolerância permitiu a realização das fotografias publicadas com uma entrevista no diário britânico ‘The Times’ e naturalmente retomadas por toda a imprensa espanhola. O facto escandalizou quem resiste ao perdão aos terroristas.

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