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António Silva Ribeiro

António Silva Ribeiro

Almirante ex-CEMGFA

Pontos Críticos dos Fogos Rurais

23 de agosto de 2025 às 00:30

Portugal enfrenta, ano após ano, a ameaça devastadora dos fogos rurais. Apesar do reforço dos meios aéreos, da profissionalização do dispositivo e da mobilização dos operacionais, persistem pontos críticos que comprometem a eficácia do sistema.

O primeiro é a gestão do território. O país mantém uma floresta dividida e, muitas vezes, abandonada, onde a acumulação de combustível favorece os incêndios. Sem ordenamento que promova mosaicos agrícolas, diversificação florestal e responsabilização efetiva dos proprietários, a prevenção continuará frágil.

O segundo é a fragmentação do comando. Proteção Civil, bombeiros, GNR, Forças Armadas e ICNF atuam lado a lado, mas sem integração plena. Essa dispersão gera descoordenações, atrasos e contradições, como ficou evidente em vários incêndios, pelo que é indispensável um comando único.

O terceiro é a tecnologia. A deteção precoce continua limitada por falhas de comunicação e pela falta de interoperabilidade entre drones, aviões, satélites e sensores para mapear incêndios em tempo real. Para superar estas limitações, é essencial criar um Centro Nacional de Comando e Controlo.

O quarto é a formação e o treino. A preparação para fogos rurais de grande dimensão exige técnicas avançadas e adestramento especializado. Também faltam quadros qualificados para atuar em centros de comando. Por isso, cursos específicos e exercícios conjuntos de grande escala, com a integração de múltiplos meios e entidades, são indispensáveis.

O quinto é a vertente criminal. O fogo posto e a sua eventual ligação a negócios devem ser tratados como crimes graves contra a segurança coletiva. É urgente reforçar a investigação policial e endurecer as penas, assegurando que a punição seja certa e dissuasora.

O sexto é a articulação política e administrativa. Muitos planos municipais de defesa da floresta não são atualizados nem aplicados. É preciso um modelo de governação que alinhe políticas nacionais com execução local e envolvimento comunitário.

O sétimo é a recuperação pós-incêndio. Sem planeamento, repõem-se monoculturas inflamáveis e repete-se o ciclo de abandono. A recuperação deve, por isso, ser sustentável, apoiando as comunidades e reforçando a resiliência ambiental e económica.

O oitavo é a mobilização da sociedade. As campanhas atuais são episódicas e pouco eficazes. Devem transformar-se em práticas culturais e cívicas permanentes, pois experiências internacionais demonstram que o voluntariado florestal e a vigilância comunitária reduzem significativamente as ignições.

Em suma, os fogos rurais não se vencem apenas com mais aviões e viaturas. Exigem prevenção estrutural, comando único, tecnologia avançada, formação e treino especializados, investigação policial e ação criminal adequadas, governação articulada, recuperação resiliente e mobilização social. Se nada mudar, cada verão será apenas a repetição de um drama anunciado.

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