Historiador era conhecido por uma irreverência que se manifestou desde cedo.
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O historiador Vasco Pulido Valente, que morreu esta sexta-feira, aos 78 anos, dedicou grande parte da vida à atividade e comentário políticos, sendo conhecido por uma irreverência que se manifestou desde cedo.
Nascido Vasco Valente Correia Guedes, na cidade de Lisboa, em 21 de novembro de 1941, decidiu ainda na juventude adotar o pseudónimo Vasco Pulido Valente, a partir do nome do avô materno, Francisco Pulido Valente, por não gostar do seu nome de nascimento e porque, como confessou por diversas vezes, aprendeu a pensar com o antigo professor de Medicina.
Seria por esse nome que viria a ser conhecido e com o qual assinaria as suas obras e colunas de opinião.
Proveniente de uma família com tradições intelectuais, ligada à oposição ao salazarismo, sobretudo pela parte materna, era filho de Maria Helena Pulido Valente e de Júlio Correia Guedes, um casal que pertencia à elite do PCP.
Vasco Pulido Valente estudou na St. Julian's School, em Carcavelos, e depois no Liceu Camões, de onde foi expulso por mau comportamento. Estudou ainda no Liceu Pedro Nunes e no Colégio Nun'Álvares de Tomar, antes de ingressar na universidade.
Apesar de a sua formação base ser em Filosofia e História, áreas em que se licenciou e doutorou, respetivamente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e na Universidade de Oxford, seria na área política que viria a afirmar-se publicamente, enquanto escritor, comentador e até ativista.
Em 1962, participou nas lutas académicas contra o salazarismo, integrado num grupo de esquerda radical conhecido como Movimento de Acção Revolucionária (MAR), de que Jorge Sampaio foi um dos fundadores, e no qual se cruzou com personalidades como Medeiros Ferreira, Vítor Wengorovius, João Cravinho e Nuno Brederode dos Santos.
Viria porém a aproximar-se do grupo fundador da revista O Tempo e o Modo, constituído por uma geração proveniente de diversos movimentos católicos, que incluía, entre outros, António Alçada Baptista e João Bénard da Costa.
A partir dos anos de 1960, torna-se colaborador assíduo da imprensa, na sequência de colaborações com a revista Quadrante, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, e a revista Almanaque, criada no âmbito da editora Ulisseia, que tinha à frente da redação o escritor José Cardoso Pires.
No princípio dos anos 1970, graças a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, partiu para Inglaterra, onde se doutorou em História, com uma tese orientada por Raymond Carr e defendida em maio de 1974, intitulada "O Poder e o Povo: a Revolução de 1910".
A sua atividade profissional passou também pelo ensino, tendo lecionado no Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa (atual Instituto Superior de Economia e Gestão), no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (atual ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa) e na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
Investigador coordenador aposentado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, escreveu vários livros sobre temas da História e factos políticos, assim como biografias.
No que respeita à atividade política, em que também participou, indo além do comentário, foi chamado a integrar o VI Governo Constitucional, dirigido por Francisco Sá Carneiro, como secretário de Estado da Cultura, em 1979, na sequencia da vitória da Aliança Democrática (AD), nas eleições legislativas.
Em 1986, apoiou Mário Soares na sua primeira candidatura presidencial, quando o líder socialista ainda apresentava valores baixos, nas sondagens, mas quase dez anos depois, em 1995, foi eleito deputado à Assembleia da República, pelo Partido Social Democrata, então liderado por Fernando Nogueira, nas eleições de que resultou o XIII Governo, chefiado por António Guterres.
Vasco Pulido Valente, que chegou a fazer parte da Comissão de Defesa Nacional, acabou porém por se demitir ao fim de quase quatro meses, solidário com o afastamento de Fernando Nogueira, manifestando na altura desilusão com a vida parlamentar.
Numa entrevista ao jornal i, em março de 2015, recordou o episódio: "Fui deputado três meses e vim-me embora. A única vez que quis votar fora da orientação do partido, nem era contra, era abster-me - por causa do envio de tropas portuguesas para a Bósnia, com que não concordava -, fui advertido. Que não podia, que era um escândalo, que a direção via com maus olhos. Eu queria ver se era possível fazer o partido viver normal e saudavelmente. Não foi (...)"
Amado por uns, odiado por outros, Vasco Pulido Valente destacou-se como comentador na imprensa nacional, a partir de 1974, na área política, sempre considerado polémico pelas ideias e opiniões que defendia nas suas colunas de análise política, que publicou em jornais como Público, O Independente, Expresso, O Tempo, Diário de Notícias, Observador e a revista Kapa.
O jornal com o qual manteria uma colaboração mais duradoura foi o Público, para o qual escreveu, durante mais de uma década, em diferentes períodos, desde as primeiras edições do matutino.
Foi, aliás, uma crónica sua no Público, sobre o estado do PS, no verão de 2014, intitulada "A Geringonça", que viria a estar na origem da caracterização feita mais tarde por Paulo Portas sobre os acordos entre PS, Bloco de Esquerda e PCP, que sustentaram a constituição do XXI Governo Constitucional.
Em março de 2008, levantou celeuma no PSD, quando num artigo de opinião do Público escreveu: "A ideia que fica não é a de um partido (PSD), é a de um bando (...) ".
Oito anos mais tarde, o então ministro da Cultura, João Soares, demitiu-se na sequência de umas "salutares bofetadas" que prometera no Facebook, tanto a Vasco Pulido Valente como ao colunista Augusto M. Seabra, na sequência de críticas ao que consideravam a falta orientação política do seu gabinete.
Entre a sua atividade na comunicação social destacam-se ainda as participações no Jornal Nacional da TVI.
Motivos de saúde levaram-no, contudo, a deixar de escrever, em 2017, retomando, no início de 2019, a coluna Diário, no jornal Público, que manteve até ao passado dia 21, e que o jornal revela no seu 'site'. Escreveu no seu derradeiro diário: "Gostava de ver a lista dos hóspedes portugueses que Isabel dos Santos recebeu no seu apartamento de Monte Carlo. Seria com certeza muito consolador".
Em 2005, conquistou o Prémio de Crónica João Carreira Bom, da Sociedade da Língua Portuguesa e do 'site' Ciberdúvidas.
Vasco Pulido Valente teve também uma passagem pelo meio cinematográfico, iniciando-se como coargumentista do filme "O Cerco", de António da Cunha Telles (1970), uma das produções que marcaram o Cinema Novo português, protagonizado pela atriz Maria Cabral (1941-2017), com quem então era casado. "Uma mulher lindíssima e talentosíssima", como disse ao Expresso, numa entrevista de 2007.
Participou igualmente na elaboração do argumento de "Aqui d'El Rei!", de António-Pedro Vasconcelos (1992), e foi o argumentista de "O Delfim", de Fernando Lopes (2002), que adaptou o romance homónimo de José Cardoso Pires.
Na sua obra literária destacam-se "Glória" (2009), um 'fresco' do século XIX português, a partir da biografia de Vieira de Castro (um amigo de Camilo Castelo Branco), "O Poder e o Povo", a partir da sua tese de doutoramento, "uma obra de referência sobre a República" e a sua implantação, como a editora Alêtheia a definiu, "Um Herói Português" (2006), sobre Paiva Couceiro, "Os Militares e a Política: 1820-1856" (2005), "Marcelo Caetano: As Desventuras da Razão" (2002), "A República Velha: 1910-1917" (1997/2010), "Os Devoristas" (1993), "Uma Educação Burguesa" (1974), entre outros títulos de investigação histórica e social, também revistos e atualizados em diferentes edições.
Livros como "Às Avessas", "Esta Ditosa Pátria" e "Retratos e Auto-Retratos" reúnem muitos dos seus textos de opinião e memória.
"De mal a pior" (2016), no qual está patente o seu traço de opinião, e "O Fundo da Gaveta" (2018), sobre contra-revolução e radicalismo durante a Monarquia Constitucional, são as suas derradeiras obras publicadas.
Do seu primeiro casamento, com a atriz Maria Cabral, teve uma filha, Patrícia Cabral Correia Guedes. Este casamento durou dez anos, entre 1964 e 1974, altura em que passou a viver com a socióloga e escritora Maria Filomena Mónica (1974-1976).
Foi ainda casado com Maria Rita Sarmento de Almeida Ribeiro, com a jornalista Constança Cunha e Sá e com a arquiteta Margarida Isabel Paulino Bentes Penedo.
Vasco Pulido Valente morreu esta sexta-feira em Lisboa, aos 78 anos.
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