Guerra com bombeiros provoca demissão
Comandante nacional demissionário quis mudar bombeiros por militares.
Durante os cinco meses em que foi Comandante Operacional Nacional (CONAC), cargo máximo operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), o coronel da GNR António Paixão quis revolucionar a estrutura de combate aos fogos. Apresentou um plano para substituir os atuais comandantes distritais da ANPC, maioritariamente bombeiros, por colegas militares da GNR ou do Exército.
As associações de bombeiros revoltaram-se, recusando que a estrutura de proteção civil ficasse sem os seus elementos. A ‘guerra’ passou, sabe o CM, por pelo menos um confronto aceso e direto entre António Paixão e o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, numa reunião de trabalho.
O conflito só acabou segunda-feira à noite, com António Paixão a apresentar a demissão ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. O encontro foi convocado por este, para discutir questões operacionais quando se está a menos de uma semana (dia 15) da fase crítica de empenhamento de meios terrestres e aéreos de combate aos fogos.
António Paixão mostrou-se indisponível para continuar, alegando falta de condições. Os partidos da oposição criticam o Governo e vão chamar o ex-CONAC ao Parlamento. O oficial deve agora voltar à GNR, passando em breve à reserva.
O substituto foi escolhido na mesma reunião: o coronel do Exército Duarte Costa. Tem 57 anos e estava no Comando de Forças Terrestres do Exército. É comando (deu vários cursos) e paraquedista. Tem formação no combate a catástrofes.
Carlos Jaime, presidente da Associação de Comandos dos Bombeiros, concordou com a saída de Paixão e, apesar de lamentar a não nomeação de um bombeiro, considera positivo o nome de Duarte Costa. "É uma pessoa de diálogo", concluiu.
"Nunca tive discussão com o comandante"
"Se preferia que não tivesse havido alteração no CONAC? Preferia. Mas confio que o novo será bem recebido e rapidamente colocará a sua experiência" na estrutura, disse esta terça-feira, no Parlamento, Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna.
Assegurou que tem "um documento do cessante [Paixão] que invoca razões pessoais para cessar funções. Outras questões [falta de meios, divergências] não têm fundamento. São ficção. Nunca tive qualquer discussão com ele".
Eduardo Cabrita valorizou "as notáveis capacidades e o currículo" do coronel Duarte Costa. Luís Marques Guedes (PSD) recordou que a Proteção Civil vai para o quinto CONAC em ano e meio (Moura, Esteves, Tavares, Paixão e agora Costa) e que a desorganização leva à prece: "São Pedro nos proteja, porque no que depender do Governo esperamos o pior."
O ministro acusou a oposição de "demagogia partidária" em "tema de convergência nacional". Assegurou estar a cumprir os objetivos de "aproximar a prevenção do combate ao fogo e profissionalizar o sistema". Para isso, aprovou a primeira "Diretiva Operacional Única", após "diálogo com todos os setores".
E pela primeira vez os operacionais serão mais de 10 mil. O governante revelou a presença num mecanismo de alerta precoce sobre fenómenos atmosféricos de risco - que muito contribuíram para as tragédias de 2017. "O IPMA tem capacidade de nos dar uma previsão com dias de antecedência", afirmou.
O ministro disse ainda que tem uma dezena de contratos pendentes por falta de visto do Tribunal de Contas e que a GNR já deteve 51 pessoas este ano pelo crime de incêndio florestal.
Em caso de nova tragédia, Marcelo mantém Costa mas retira-se
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse em entrevista (à Renascença e ao ‘Público’) que não demite o Governo no caso de nova tragédia como os incêndios, mas que isso seria "impeditivo de uma recandidatura" sua.
Expressou "funda expectativa" de que fogos como os de 2017, que mataram mais de 115 pessoas, não voltem a acontecer: "Nem é só esperança, é expectativa."
António Costa não o entendeu como aviso: "O senhor Presidente não manda recados ao Governo pelos jornais. O que temos de fazer é trabalhar para que nenhuma tragédia dessas volte a ocorrer", disse.
Ajuste direto ou requisição em emergência
Eduardo Cabrita assegurou esta terça-feira que os 10 ‘hélis’ posicionados desde dia 1, mas fora de ação a aguardar visto do Tribunal de Contas, entram em ação "se houver uma situação meteorológica anormal".
"Faríamos ajuste direto por emergência. E se necessário faremos a requisição civil de meios privados", disse. Adiantou que já foram adjudicados 42 dos 53 meios aéreos previstos.
"Não há caos", assegura Costa
O primeiro-ministro rejeitou que a demissão de António Paixão traduza uma imagem de caos. "Está substituído, há um novo comandante nacional e vamos trabalhar", disse António Costa.
"Não há qualquer caos, os processos estão em boa tramitação no Tribunal de Contas."
Patrícia Gaspar vai continuar
Apesar de ainda não ter sido anunciado oficialmente, Patrícia Gaspar deverá permanecer no cargo de 2ª Comandante Operacional Nacional. A responsável, há vários anos na Autoridade Nacional de Proteção Civil, era, de resto, a favorita dos bombeiros para suceder a António Paixão no cargo.
"Paixão deslocado no cargo"
Apesar de considerar que a saída de António Paixão do cargo de Comandante Operacional "resultou de uma reflexão do próprio", o presidente da Liga dos Bombeiros, Marta Soares, considera que o mesmo "estava deslocado".
PORMENORES
"Paixão sem diálogo"
A associação representativa dos comandantes de bombeiros considerou a saída de António Paixão "inevitável", já que o mesmo mostrou "falta de diálogo com os bombeiros".
Mudanças criticadas
O presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais, Fernando Curto, criticou a mudança "a meio da época" do comandante nacional, bem como a escolha de um militar.
430 autos por cobrar
Desde o dia 6 de abril foram levantados pela GNR e pela PSP 430 autos de contraordenação por falta de limpeza dos terrenos, disse esta terça-feira o ministro. Nenhuma multa foi cobrada.
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