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02 de fevereiro de 2021 às 07:34

"Não usámos violência gratuita. Cumprimos a lei": Inspetor do SEF sobre morte de Ihor no Aeroporto de Lisboa

Os três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusados do homicídio do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, em março de 2020 no aeroporto de Lisboa, começam esta terça-feira a ser julgados no campus de justiça, em Lisboa.

Segundo a acusação, os inspetores Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva tiveram um comportamento desumano para com Homeniuk, provocando-lhe graves lesões corporais e psicológicas até à morte.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 10h14

Começou

O julgamento dos três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) começou esta terça-feira, após um primeiro adiamento devido à pandemia.

Não foi aceite mais nenhum adiamento, por se tratar de um processo urgente, com prazos limitados para a manutenção das medidas de coação. Os três elementos do SEF estão em prisão domiciliária e chegaram ao tribunal acompanhados dos seus advogados. À entrada não quiseram prestar declarações.

Ao tribunal, já deram conta de que querem falar, o que fará com a que a manhã deva ser dedicada a ouvir as suas explicações para a morte do cidadão ucraniano.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 07h28

lusa

Os três arguidos estão em prisão domiciliária desde a sua detenção, em 30 de março de 2020, e respondem pela morte do cidadão quando este tentava entrar ilegalmente em Portugal, por via aérea, em 10 de março.

Para o Ministério Público (MP), os inspetores do SEF algemaram Homeniuk com os braços atrás do corpo e, desferindo-lhe socos, pontapés e pancadas com o bastão, atingiram-no em várias partes do corpo, designadamente, na caixa torácica, provocando a morte por asfixia mecânica.

A acusação critica os três arguidos e outros inspetores do SEF por terem feito tudo para omitir ao MP os factos que culminaram na morte do cidadão, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, chegando ao ponto de informar o magistrado do MP que Homeniuk "foi acometido de doença súbita".

Considera o MP que as agressões provocaram a Homeniuk dores físicas, elevado sofrimento psicológico e dificuldades respiratórias, que lhe causaram a morte, em 12 de março.

Além do crime de homicídio qualificado, os arguidos estão acusados de posse de arma proibida.

O MP decidiu também extrair uma certidão para que seja investigada a prática de eventuais crimes de falsificação de documento.

A viúva Oksana Homeniuk constituiu-se assistente no processo.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 10h34

Advogado Ricardo Sá Fernandes diz que cliente rejeita ter cometido homicídio

"O meu cliente rejeita ter cometido o homicídio", disse Ricardo Sá Fernandes, que defende Bruno Sousa.

O advogado dá conta de que irá contestar a autópsia, sendo certo que o corpo foi cremado e não pode ser reavaliado.

Refere que ainda que admita a asfixia mecânica há questões fundamentais: as lesões foram intencionais? Ou resultaram de factos acidentais?

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 10h56

Luís Silva

Começou a ser ouvido o inspetor do SEF Luís Silva.

"Eu trabalho na segunda linha da unidade de apoio. Entrei as seis da manhã, às oito ouvi uma comunicação para a necessidade de algemar um cidadão que estava a ter um comportamento violento e autodestrutivo.

Vieram mais dois colegas e encontraram se comigo. Fomos ao centro de instalação onde estava o cidadão ucraniano. Os seguranças abriram nos a porta. Alertaram que o cidadão era violento, já tinha tentado fugir durante a noite, gostava de morder e tinha sido necessário estar em cima dele toda a noite".

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 10h59

Luís Silva

"Retirámos as armas e preparamos para uma intervenção dentro da sala. Quando abrimos a porta estava deitado no chão, tinha as mãos presas atrás das costas e estava a tentar rebentar a fita contra a parede. Eu tinha um bastão extensível e guardei-o. O Bruno algemou o passageiro", continuou Luís Silva.

"Meteu as algemas e depois tiramos a fita cola. Nós levamos antes umas fitas médicas. Como tínhamos a indicação que se estava a mutilar prendemos o passageiro. Começou a gritar, tentou dar-nos pontapés, eu prendi-lhe os braços com umas fitas de tecido. Ele continuava a dar pontapés. Depois das fitas médicas retirei uma algema e ele conseguiu rebentar as algemas médicas. Foi aí que o segurámos para o algemar novamente. Eu saí e fui buscar mais fitas. Amarrei as pernas. Ele estava sempre a gritar e a tentar dar-nos pontapés. Deixei-o depois em posição lateral de segurança. E deixei-o algemado mas foi para segurança dele".

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 11h01

O nosso chefe do turno entrou dentro da sala e vou a nossa abordagem

Inspetor Luís Silva: "O nosso chefe do turno entrou dentro da sala e viu a nossa abordagem. Depois saí e contei ao superior o que tinha acontecido. Que quando entramos ele estava todo enrolado com fita cola. Deixei as chaves das algemas com o segurança que estava na portaria. Dei indicação para quando se acalmasse tirassem as algemas. Voltei às minhas funções e disse para me ligarem se houvesse problemas".

"Deixei as chaves das algemas com o segurança que estava na portaria. Dei indicação para quando se acalmasse tirassem as algemas. Voltei às minhas funções e disse para me ligarem se houvesse problemas. Mais tarde, o segurança disse-me que o passageiro estava mais calmo e já tinha tomado o pequeno almoço. Fui para casa é só depois soube que morreu".

"Temos passageiros que comem lâmpadas para não ser expulsos do país. Temos de evitar isso".

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 11h28

Luís Silva

"Quando chegámos estavam os seguranças todos, não sabia que tinha estado no hospital. Só me disseram que era agressivo. Presumi que era a primeira intervenção. Eu informei o inspetor chefe João Diogo que o passageiro já estava enrolado em fita cola. Da nossa parte não tinha sido preciso muito. Um agarrou um braço, outro o outro braço e o terceiro as pernas. Foi assim que o imobilizamos.

Porque é que foi chamar os seguranças para mostrar como estava? Pergunta o juiz. "Apenas para que os seguranças soubessem que quando estivesse calmo deviam tirar as algemas. Como estava deitado e algemado ele não podia se levantar", respondeu Luís Silva.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 11h35

Luís Silva

A advogada de defesa quer saber quando comprou o bastão extensível e quando. Se era de venda livre.

"O bastão era meu. O SEF não tinha suficientes. Comprei no casão militar e identifiquei me como polícia. Foi em 2004. Era prática comum. Os bastões eram visíveis. Nunca ninguém nos disse que era proibido. Agora já é dada formação, nos últimos quatro cinco anos. Mas a mim nunca me deram. Nem me alertaram que não podia usar", disse o inspetor. "Eu levei o bastão porque não sabia que o passageiro estava manifestado já. Mas não o usei".

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 11h43

Bruno Sousa

É o momento do inspetor Bruno Sousa falar.

"Chamaram-me porque precisavam de mim. Que o Luís Silva estava a minha espera para ir ao centro de detenção. E que iria connosco outro colega. O Duarte.", relatou.

"Pusemos o colchão a meia da sala e até comentamos que tínhamos de tirar as fitas adesivas que estavam muito apertadas. Depois colocamos as algemas. O Luís deu-me as algemas. Fui eu que coloquei. Eu e o Luís começamos a tirar a fita dos pulsos. Tivemos alguns minutos. Não tínhamos uma tesoura. Ele estava amarrado. O Duarte estava a agarrar-lhe as pernas".

"Considerámos que as algemas médicas eram menos agressivas e o Luís foi buscá-las. A ideia era colocar as ligaduras elásticas. Quem começou a pôr as algemas médicas foi o Luís Silva. Eu retirei a algema metálica e o senhor começou a reagir muito mais. Ele conseguiu rebentar com isso. Decidimos que a ligadura era inútil e voltamos a por algemas. O Duarte Lage continuava na zona das pernas. Tirou a fita adesiva que estava desde os tornozelos até à canela e o Duarte pôs antes a ligadura. Aí, quando já estava em posição de segurança, a ideia era uma vigilância constante. Não sabia quanto tempo ia ficar assim. A ideia era o mínimo possível. A partir do momento que seria normalizado, tirávamos as algemas. Só a deixamos por uma questão de segurança".

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 12h08

Bruno Sousa

O juiz pergunta: E se o homem não se acalmasse? Ficava ali eternamente? Vocês foram embora?

Bruno diz que é impensável ficar muito tempo. Foi uma ordem: "Deixem as algemas e deixem a chave. Cumprimos ordens", disse.

"Não tínhamos necessidade de bater no homem. Ele estava numa posição de fragilidade. Não usámos violência gratuita. Cumprimos a lei. Não tinha visto lesões graves. Quando chegamos. Reparei que o olhar tremia bastante. Mas não parecia ferido. Saí à uma da tarde, apanhei o comboio às duas e fui para casa. Não soube de mais nada".

"O inspetor coordenador foi várias vezes à sala. Não perguntei se já tinha estado tradutor porque presumi que sim. Tentei falar com ele por gestos. Não o percebia, mas ele parecia que queria comunicar. Ele ia contra a parede, esbracejava. Tinha uma t-shirt. Não percebi que as calças estivessem molhadas, mas percebi que estavam sujas. Estavam abaixo da cintura."

A procuradora insiste se não é normal deixar as pessoas ir a casa de banho.

"Independentemente dos passageiros serem ou não perigosos tirava-se o telemóvel e o dinheiro a quem aguardava por estar em situação ilegal. O pessoal é muito pouco. Não deviam aguardar muito tempo, mas havia casos que esperavam muito tempo"

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 12h49

Duarte

Começa agora o inspetor Duarte a prestar declarações.

"Chamaram-me porque havia um passageiro que estava a ser agressivo. Disse-me para ir com o Bruno à unidade de apoio que estaria lá um terceiro inspetor. Falámos sucintamente sobre ao que íamos e dirigimo-nos para o centro de detenção. O Luís Silva disse-nos que estava a ocorrer uma situação anómala. Chegámos ao sítio e eu fui abordado por um vigilante que me falou de um passageiro violento, agressivo, com tentativas de fuga, referiu em tom jocoso que tinha tentado morder e que outro vigilante foi agredido com um sofá. Contou mais ou menos uma história de terror."

"O Luís Silva foi o primeiro a entrar, depois entrámos nós. A sala estava vazia, não tinha mobiliário nenhum. Achei estranho. Inicialmente nem vi o passageiro. Depois vi-o numa zona intermédia, perto de uma casa de banho."

"Ele estava agitado, sentado no chão, com algum tipo de descontrolo e alternava entre o sentar e o deitar. Apercebi-me de outra situação anómala, adesivos nos pulsos e nas pernas. A fita que estava nas pernas já não era eficaz porque estava laça. Permitia movimentar membros. Como me chamou a atenção tentei imobilizá-lo, para ficar sentado no chão."

"Antes de entrar perguntei que língua falava, o vigilante disse que ele percebia inglês. Tentei falar em inglês e depois usar linguagem gestual. Tentei fazê-lo ver que tinha de se acalmar. Sem êxito. Notei que ele apresentava algumas marcas no rosto. Eram dois hematomas, na testa e no queixo... e tinha marcas visíveis nos braços. Uma espécie de escoriações."

"Em virtude de os braços estarem com marcas, o colega Luís Silva tentou usar as algemas médicas. Não se conseguiu, porque o passageiro estava descontrolado, errático, é só por isso voltamos a usar as algemas metálicas. Não me recordo quando tempo estivemos, mas lembro-me de ter entrado o supervisor na sala. Eu estava a segurar nos pés. Tirei as fitas adesivas. Não consegui tirar a totalidade, porque quando o passageiro sentiu maior mobilidade tentou pontapear-me. Para o imobilizar, prendi os joelhos com as mãos", explicou.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 13h08

Continuação

Duarte continua a revelar a sua versão dos factos.

"Colocámos depois o passageiro num sofá. Não havia mais mobília, era o único objeto na sala. Nisto o Luís Silva saiu para reportar ao diretor que está no andar em baixo o estado em que estava o passageiro. Quando retornou à sala, disse que tinha informado o diretor e que ele disse que era para ficar algemado e que devia usar as dele, do Luís Silva. Já não estávamos a fazer nada, deixamos numa posição segura e confortável e abandonámos a sala. Recordo-me que o Luís Silva foi ainda falar com o vigilante e deixou as chaves das algemas. O senhor vigilante aceitou e não questionou. Eu disse que era só para ficar algemado o tempo estritamente necessário.", continuou.

"Fui embora e dei por concluída a minha participação. Antes da uma da tarde, a minha hora de saída, lembro-me que alguém me disse que o passageiro estava bem, mais calmo, já comeu e estava tudo bem. Nunca me passou pela cabeça que a nossa participação sendo proporcional no uso da força tivesse qualquer consequência. Presumi aliás que tivesse sido desalgemado"

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 13h09

Duarte

"Como é que estava a vítima quando saíram?", questionou o juiz.

"- Senhor juiz, ele nunca esteve calmo. Estava sentado, mas gritava. Falava na língua dele, não percebíamos. O tom de voz era de quem está alterado. Eu não sei o que dizia, estava alterado", reafirmou o inspetor Duarte.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 13h12

O juiz dirige algumas questões ao inspetor do SEF.

"Ouviu alguém dizer hoje já não é preciso ir ao ginásio?", questionou o juiz.

"Nunca ouvi ninguém dizer isso", respondeu Duarte.

Juiz:Como tirou as fitas das pernas?

"Estavam por cima da roupa, fui tentado tirar. As algemas médicas ficaram também por cima da roupa."

Juiz:Quando disse que tinha as mãos a prender os joelhos, como conseguiu pôr as algemas médicas?

"Com uma mão segurava os joelhos e com a outra algemava."

Juiz:E conseguiu?

Sim. Ele já não tinha tantos movimentos.

Terça-feira, 02 de fevereiro de 2021 às 13h14

A procuradora faz perguntas a Duarte.

"Tinha alguma arma?"

"Não."

Procuradora: "Quando viu as marcas nao perguntou ao vigilante o que aconteceu?"

"Não, pensei que tivesses sido para o manietar com as fitas adesivas. Só de manhã é que soube da morte. No dia seguinte. Além dos vigilantes não me recordo de ver lá mais ninguém".

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