Henrique Araújo chamou a atenção para facto de predominar a indiferenciação entre o inútil e o essencial na prática forense.
O novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Henrique Araújo, destacou hoje o "forte pendor burocrático e garantístico, com impacto direto nos níveis de eficiência e nos tempos de decisão" da justiça.
No seu discurso de tomada de posse o juiz conselheiro chamou a atenção para o facto de predominar a indiferenciação entre o inútil e o essencial na prática forense "o que motiva a apresentação de extensos articulados e requerimentos".
"Escreve-se muito. Consomem-se, sem critério, dezenas ou centenas de páginas em argumentações desprovidas de interesse e em repetições escusadas. As decisões dos tribunais têm-se deixado influenciar por essa tendência, sendo cada vez mais frequente depararmos com despachos ou sentenças cuja leitura se transforma num difícil exercício", argumentou.
O juiz conselheiro disse que "existe toda uma via incidental que pode ser explorada pelas partes, dentro do generoso catálogo propiciado pelos códigos de processo civil e penal".
Também os tribunais da Relação, disse, se foram transformando em "tribunais onde se repetem, de forma ampla, os julgamentos da matéria de facto, desvirtuando-se o caráter residual dessa competência inicialmente atribuída", observando que esses tribunais superiores foram criados para repararem "erros manifestos de apreciação da prova na primeira instância".
"Em resultado, temos hoje as Relações atafulhadas de processos em que se discute amplamente, por via de impugnação recursória, a matéria de facto decidida na primeira instância", frisou o novo presidente do STJ, acrescentando que o encargo de fundamentação da decisão de facto, obriga os juízes a tudo justificarem por escrito, mesmo quando a prova se encontra gravada.
Na mesma tónica crítica, Henrique Araújo foi descrevendo o processo: "depois da decisão final, as partes podem arguir nulidades, pedir a retificação ou reforma, reclamar e, eventualmente, recorrer, sendo que todas estas possibilidades de reação à decisão se abrem em cada uma das instâncias de recurso por onde o processo transite. Por fim, e agora quase sempre, o recurso para o Tribunal Constitucional".
Contudo, sublinhou, apesar das referidas condicionantes, segundo o último Relatório da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, os tempos de decisão e os níveis de eficiência dos tribunais comuns portugueses situam-se na média dos países europeus, superando até, quanto aos níveis de eficiência, os tribunais de países como a Alemanha, França, Suécia ou Dinamarca.
Para o descontentamento e descrença dos cidadãos na justiça, o juiz conselheiro apontou como explicação "a expectativa frustrada dos cidadãos na resolução rápida de processos criminais de grande envergadura em que, geralmente, são visadas figuras da sociedade com notoriedade pública".
"O arrastamento temporal desse tipo de processos, seja pela sua complexidade intrínseca, seja pelos expedientes usados para tornar mais longínqua a decisão final, cria um dano irreparável na imagem da Justiça infligindo simultaneamente um desgaste na confiança do sistema", sustentou Henrique Araújo, pedindo uma especial atenção por parte das entidades responsáveis e lembrando que "a inércia do legislador, quando prolongada, aumenta a distância entre a lei e a realidade, abrindo espaço à desregulação e à impunidade".
"As assimetrias valorativas exigem atuação legislativa pronta, sobretudo na área penal, através da criação de novos tipos legais de crimes ou da adequação dos existentes à escala de valores por que a sociedade atualmente se rege", afirmou.
Concretamente em relação às funções que a partir de hoje vai exercer, o novo presidente do tribunal superior prometeu exercer o mandato num ambiente de efetiva proximidade, em permanente diálogo com todos.
Quanto à sua função de presidente do Conselho Superior da Magistratura, comprometeu-se a "zelar pela independência do poder judicial, valor que nunca pode ter-se por definitivamente adquirido".
"Os sistemas de poder nas sociedades modernas têm produzido formas sofisticadas de condicionamento ou 'domesticação' do poder judicial. São facilmente intuíveis as razões que subjazem a essa intromissão e, por isso, a independência do poder judicial tem de estar na linha da frente da defesa do Estado de Direito", afirmou Henrique Araújo.
No dia em que for atacada a independência do poder judicial, o Estado de Direito claudicará e com ele os direitos fundamentais dos cidadãos e a própria democracia", alertou.
O novo presidente do STJ deixou também um recado aos magistrados, lembrando que "quem ingressa na magistratura judicial sabe bem, logo à partida, que o exercício de funções jurisdicionais implica uma severa constrição de alguns direitos fundamentais, como o direito à livre expressão, à prática de atividades político-partidárias e mesmo, em certa medida, o direito à participação cívica em geral".
Henrique Araújo deixou uma palavra ao seu antecessor, referindo que António Joaquim Piçarra "reinventou modos de gestão, reorganizou os serviços, esteve permanentemente atento às diárias oscilações do surto pandémico, num esforço contínuo de adaptação do tribunal às circunstâncias do momento".
A cerimónia de tomada de posse, que decorreu no renovado STJ, contou com a presença do Presidente da República e do primeiro-ministro.
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