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Só a Virgem salvou pastor

Conta-se na Lezíria Ribatejana que, em seu tempo, um pastor encontrou uma pequena cobra e se dedicou a criá-la, alimentando-a com o leite das ovelhas. Caiu doente e esteve largos meses sem ir ao campo.

21 de agosto de 2005 às 00:00

Quando lá voltou, foi ao mouchão e assobiou pelo réptil, como costumava fazer. Este apareceu mas não reconhecendo o seu protector, atacou-o de goelas abertas.

Na aflição, o homem invocou a protecção da Virgem, que apareceu em sua glória, e lançou para a boca da serpente uma maçã. Engasgada e sufocada, a cobra morreu e o pastor salvou-se. O milagre perdura na memória das gentes da Lezíria, atribuído a Nossa Senhora de Alcamé, venerada dos dois lados do Tejo: Vila Franca e Samora Correia.

Hoje, nas festas de Samora Correia, pelas 15h30, as gentes de Samora Correia iniciam, em Porto Alto, o cortejo de Nossa Senhora de Alcamé, em direcção à Igreja Paroquial de Samora.

Gente do campo e de touros manifestou em todo o seu explendor a tradição do seu modo de vida: campinos a cavalo, jogos de cabrestos, a imagem da virgem num carro puxado por uma junta de bois. E cavaleiros e amazonas e atrelagens.

LIÇÃO CONTRA A PREGUIÇA

A lenda de Nossa Senhora de Alcamé, além das implicações religiosas, baseadas no Livro do Apocalipse do apóstolo S. João, é uma linguagem simbólica que ensina contra a preguiça e o desvio dos objectivos.

Com efeito, o pano de fundo da lenda é a necessidade de as gentes da lezíria estarem atentas aos cuidados preventivos às terríveis cheias do Tejo antigo. A particularidade é que se aplica ao mundo masculino, ao contrário deste tipo de exemplos com cobras que costumam ser aplicados ao mundo feminino, em toda a Europa, da Península Ibérica aos Urais, e que remontam à tradição da tentação de Eva pelo demónio encarnado na serpente, no paraíso bíblico da tradição judaico-cristã.

A antiga romaria de Alcamé esteve florescente até aos finais dos anos 50, acabando por vir a ser abandonada em Julho de 1974. Em 1983, a igreja foi profanada e a imagem original de Nossa Senhora da Conceição e o retábulo de talha dourada foram roubados.

Hoje, nas festas de Samora Correia, é revivida a memória da veneração das gentes ribatejanas com o cortejo de Nossa Senhora de Alcamé que depois integrará a procissão paroquial com nada menos de 15 imagens religiosas.

O MISTÉRIO DO NOME DE NOSSA SENHORA

A invocação de Nossa Senhora de Alcamé é uma das mais interessantes na tradição portuguesa. O termo ‘Alcamé’ é o aportuguesamento da palavra árabe-marroquina de fonética ‘achmé’, significando trigo. Ou seja, Nossa Senhora dos Trigais. Outros autores defendem que deriva de uma expressão árabe que significaria ‘lugar de descanso à sombra’, embora ali não houvesse árvores de grande porte.

A ermida no mouchão da lezíria, sensivelmente frente a Alhandra, foi construída em 1749, por D. João V, a par da de S. José, nas proximidades de Porto Alto, e entregue ao Patriarcado de Lisboa, que deteve a posse daquelas terras.

A imagem é de Nossa Senhora da Conceição, rebatizada popularmente por Nossa Senhora de Alcamé.

Nos últimos anos, o município de Vila Franca de Xira tem também tentado reactivar a antiga romaria, dentro da política cultural da autarquia. Do lado de Samora Correia (Benavente), mantém-se a tradição religiosa.

BÊNÇÃO DO GADO

A romaria de Nossa Senhora de Alcamé, do lado de Samora Correia, insere-se nas festas ligadas ao ciclo da criação do gado. Por isso, a sua ocorrência no tempo e a cerimónia da bênção das reses. Do lado de Vila Franca, ocorrendo em Julho, depois das ceifas, insere-se nas festas do ciclo do trigo.

CULTO NO LOCAL

O culto no local da ermida de Alcamé decaiu sobretudo com a mecanização da agricultura na lezíria, que afastou os ranchos de trabalhadores rurais, tornados economicamente inviáveis. A propriedade dos campos pertence à Companhia das Lezírias.

FESTA DE CAMPINOS

A festa de Samora Correia é marcada pela presença dos campinos e suas actividades. Hoje, pelas 9h30, os campinos, cavaleiros amadores e jogos de cabrestos desfilam a partir do Calvário de Samora, a que se segue uma picaria à vara larga, pelas 10h00. Amanhã encerram as festas.

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