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Um ano após morte de Odair: Ativista lamenta que o Estado ignore as periferias e se limite à presença policial

Segundo os testemunhos recolhidos por José Baessa de Pina, "a violência policial ainda continua musculada e nas intervenções nas comunidades continua a haver abusos físicos e verbais"

14 de outubro de 2025 às 08:51

O ativista social José Baessa de Pina acompanhou os acontecimentos após a morte de Odair Moniz na Cova da Moura e, um ano depois, considera que o Estado continua a ignorar as periferias, representando-se apenas através da presença policial.

Sinho, como é conhecido, é um português afrodescendente que conhece bem as periferias, sendo o criador da iniciativa Noz Stória (a nossa história, em crioulo), que realiza visitas guiadas a espaços emblemáticos da presença da comunidade africana na Grande Lisboa.

Para o também vice-presidente da Associação Cavaleiros de São Brás, situada no Casal da Boba, Amadora, muito pouco mudou desde a morte do cidadão cabo-verdiano Odair Moniz, a 21 de outubro do ano passado, na Cova da Moura, por um polícia que vai começar a ser julgado na quarta-feira.

"Pelos testemunhos que eu vou tendo aqui nas comunidades na periferia de Lisboa principalmente, a violência policial ainda continua musculada, nas intervenções nas comunidades continua a haver abusos físicos, verbais e eu acho que não mudou nada", diz, em entrevista à agência Lusa.

Acredita que são vários os fatores que contribuem para este estado de coisas.

"Estamos a 50 anos do 25 de Abril e as políticas públicas não acompanharam essas comunidades em várias áreas. Se formos ver, a instituição que teve mais nas comunidades foram as forças policiais", considera.

E prossegue: "Em vez de o Estado canalizar outros departamentos do Estado - educação, saúde, habitação -, em todas essas áreas houve ausência de Estado nessas comunidades e não estou a ver criadas políticas públicas para acompanhar essas comunidades".

Para Sinho, esta ausência de Estado "deixa uma classe trabalhadora à mercê de exploração, de violência e de vários fatores", que estão presentes no quotidiano.

Questionado sobre eventuais mudanças ocorridas após a morte de Odair Moniz e a onda de violência que se seguiu após este homicídio, recorda umas "primeiras reuniões com as associações, que não deram em nada".

"Não foram auscultadas as comunidades, os movimentos sociais que já trabalham há décadas nas comunidades, que são chamados, que são condecorados, mas não são valorizados pelo seu trabalho", lamenta.

E sentencia: "Enquanto o Estado não chegar a essas associações e movimentos, ouvir a comunidade, não acredito que coisa boa virá".

A este propósito, refere que as comunidades, as periferias, não estão na agenda política de hoje, nem os atuais candidatos aos cargos políticos têm programas para essas comunidades.

"Não estou a sentir que estão preocupados com as situações que estão a acontecer nessas comunidades", diz.

Sinho defende leis que combatam efetivamente o racismo, que é um crime em Portugal, e a criação de "políticas públicas operativas".

"Tivemos a década dedicada aos afrodescendentes, mas nada foi falado. As organizações das Nações Unidas vêm cá, analisam a situação, denunciam, mas não vemos isso no real acontecer, porque também nós não estamos num lugar de decisão, porque tudo é resolvido por aqueles que têm privilégio", refere.

Odair Moniz, um cabo-verdiano de 43 anos residente no Bairro do Zambujal, morreu na Cova da Moura a 21 de outubro de 2024, vítima de dois tiros disparados por um agente da PSP que está acusado do crime de homicídio. O início do seu julgamento está marcado para quarta-feira, no tribunal de Sintra.

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