Entre 2019 e 2024, o número de vítimas com mais de 65 anos apoiadas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) aumentou 29%.
O número de idosos vítimas de crime e violência continua a aumentar, sobretudo mulheres vítimas de violência doméstica, como Odete, Etelvina ou Gertrudes que vivem atualmente numa casa de abrigo depois de anos de abusos por maridos e filhos.
Dados da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) mostram que as denúncias têm vindo a crescer: entre 2019 e 2024, o número de vítimas com mais de 65 anos apoiadas pela instituição aumentou 29%, passando de 1.341 para 1.730. Em 2025, até agosto, já foram apoiadas 1.557 vítimas, sendo 75% mulheres.
Segundo a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), até setembro deste ano havia seis mulheres idosas em acolhimento de emergência e outras 27 em casas de abrigo. Atualmente, existem apenas duas casas especificamente destinadas a mulheres idosas vítimas de violência doméstica.
Numa dessas casas vivem atualmente seis mulheres, "muitas de famílias desestruturadas e de grande vulnerabilidade social e económica", mas "também pessoas de classe média/alta" porque o fenómeno é transversal, como explicou à Lusa um elemento da equipa técnica.
Salientou que estão em causa fenómenos de violência "que se prolongaram durante muito tempo". O agressor pode ser o companheiro, mas em cerca de metade dos casos são os próprios filhos, havendo também situações em que o agressor era irmão da vítima ou enteado.
O elemento da equipa técnica contou que no caso dos filhos, a relação de violência tem vários anos, que as vítimas "às vezes reportam que vem da infância a adversidade de lidar com eles".
Etelvina Silva, 62 anos, viúva, vive na casa há pouco mais de um mês e contou que o filho lhe bateu várias vezes, na última das quais dando-lhe "murros na cara, pontapés" e "partiu a cabeça".
"O meu filho é drogado, é violento. Se eu não lhe dava dinheiro ou tabaco batia-me logo", contou à Lusa.
Revelou ter feito diversas queixas contra o filho, em resultado das quais havia uma ordem do tribunal para que não se aproximasse da mãe, mas que de pouco serviu.
Não sabe quanto tempo vai precisar ficar na casa de abrigo, mas não quer voltar para a casa onde vivia nem voltar a ver o filho: "Nunca mais quero vê-lo, nunca mais".
A duração prolongada da vitimação também acontece nos casos em que o agressor é o companheiro ou cônjuge, começando por vezes durante o período de namoro, como com Odete Pereira, 72 anos, que quer agora divorciar-se do marido com quem esteve casada 45 anos.
"Vivi sempre com violência doméstica", afirmou, adiantando que houve "muitas tentativas de acabar o casamento e sair de casa, mas não havia casas como estas".
À Lusa descreveu uma relação "sempre com violência presente": "Dizia que me atirava pela janela e chegou-me a bater".
A "gota de água" foi quando o marido deu "um enxerto de pancada ao filho, com mais de 30 socos na cara" e Odete decidiu que "não conseguia viver mais com medo".
Chamou a polícia, apresentaram queixa e foi encaminhada para a casa de abrigo, onde chegou "em estado de choque": "Tive uma série de dias que não me conseguia mexer e estava com tantas dores no pescoço que parecia que eu tinha um pescoço de pedra por causa dos nervos que acumulava".
Relatou que os "filhos estão muitíssimo marcados" e disse que espera agora que a ajudem a "refazer os últimos anos da vida": "O que eu queria era voltar para a minha casa porque me fartei de trabalhar e tenho direito a não perder a minha dignidade e ter que aguentar isto até morrer não é justo".
Na casa de abrigo conseguiu não só descansar como "ter sentimentos que não tinha desde antes de estar casada": "Sentir-me sossegada, sentir-me em paz, ter alegria".
A Gertrudes Pereira, 75 anos, se lhe dessem a escolher, pedia para não mais sair da casa de abrigo. Tem uma história difícil de contar: violada várias vezes pelo mesmo homem, a primeira vez quando tinha 64 anos. Mais tarde, é vítima de agressões físicas em contexto de violência doméstica por parte do enteado, filho do companheiro com quem vivia.
Para a equipa técnica, o grande desafio surge no momento de procurar soluções de futuro para estas mulheres. Muitas precisariam de integrar respostas sociais permanentes, como vagas em lares, mas acabam preteridas face a outros casos considerados mais urgentes.
"Estas senhoras acabam por ser duplamente vítimas, por estarem mais isoladas do que a restante população e, portanto, se houver uma resposta mais célere, certamente há uma maior estabilidade emocional", defendeu um elemento da equipa técnica.
Apontou igualmente que a saúde é um grande desafio nestes casos, "por causa da idade, de algumas doenças que não estão diagnosticadas", além de casos de demências iniciais ou outras doenças mentais.
A psicóloga explicou, por outro lado, que há muitas vezes um quadro de "muita dependência emocional" em relação aos respetivos agressores, além de dependência financeira, o que explica muitas vezes a razão por que estas mulheres permanecem tanto tempo junto de quem as violenta.
"São pessoas com uma autoestima muito baixa porque foram anos a ouvir 'tu não prestas, tu precisas de mim e não consegues viver sem mim' e, portanto, tento trabalhar a parte da autoestima e da autoconfiança delas", adiantou, acrescentando que precisa explicar-lhes que violência doméstica é mais do que agressões físicas e pode ser também violência psicológica, financeira ou mesmo negligência.
Segundo a psicóloga, algumas destas vítimas "estão num estado depressivo muito grande", o que é um desafio no momento de definir um projeto de autonomização e criar as condições para que estas mulheres saiam da casa de abrigo.
A violência doméstica continua a ser um dos crimes que mais mata em Portugal. Até 30 de setembro registavam-se 19 mortes, 16 das quais mulheres, aproximando-se das 22 mortes registadas em todo o ano de 2024.
Na terça-feira, assinala-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
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