A editora do Internacional da RTP fala do dia em que a jornalista dos EUA foi violada no Egipto. Sobre o novo director de Informação, diz: “Nuno Santos é uma solução muito mobilizadora”
Como foi estar no centro do conflito em Israel? Por pouco era vítima de agressão sexual como Lara Logan?!
Márcia Rodrigues - Passamos por três situações... A primeira, não me apercebi, foi logo no início, pensei que era uma situação só mesmo muito enérgica, como conturbada, muito assertiva dos manifestantes de Mubarak. Comecei a fazer perguntas às pessoas e a meio elas começaram a agarrar-nos,a tirar-nos os microfones e a atira-nos ao chão... e eu continuava a sorrir. Mas comecei a perceber que havia uma mudança de comportamento,
que aquilo eram actos dirigidos contra a Imprensa. Mas quando se está isolado no acontecimento não se tem capacidade para ver. Só à noite, quando encontrei os outros jornalistas - estávamos todos no mesmo hotel - é que percebi o que tinha acontecido com todos os outros jornalistas. Percebi que tínhamos tido muita sorte. Portanto, quando aquilo aconteceu, havia um tipo que estava no meio daquela manifestação, que fazia parte, e que me puxou e que me retirou dali para fora, até uma zona em que havia uma barreira de metal de protecção e em que eu podia saltar para o outro lado e já existia a segurança ligada às áreas dos hotéis que circundavam a praça e já existia exército . E foi por um triz. Essa situação eu só tive mesmo a percepção real à noite, quando percebi que os meus colegas tinham sido espancados à paulada.
A segunda situação foi brutal: quando os manifestantes pró-Mubarak meteram na cabeça que os jornalistas eram aliados dos manifestantes, a ampliar a mensagem deles, tivemos de ser evacuados, porque o hotel onde estávamos, estava a ser atacado com rajadas de metralhadoras o dia inteiro
, ainda mostrámos que as pessoas nos estavam a atacar. E acabámos por ser retirados.
E foi engraçado que o José Alberto apercebeu-se disso.
Nós não estamos muito habituados a cobrir manifestações, em países onde não havia liberdade de expressão. Eu disse isso ao Carlos Matias, ao meu câmara, que tivemos muita sorte.
O director de Informação sentiu que algo de mais grave se ia passar?
Sim. Antes de mim. Ele estava a ver as imagens todas das cadeias de TV e telefonou-me três horas antes e disse-me que tinha de sair dali, porque o hotel ia ser atacado. Teve uma espécie de premonição. Às vezes, nós, no meio do acontecimento, não nos apercebemos.
Mas foi nesse dia que a Lara Logan foi violada?
Não, foi dias depois. Nesse dia tive muita sorte. Essa retirada foi uma coisa tremenda e a violência era catastrófica. Houve jornalistas que foram detidos. A meio da praça onde estavam meio milhão de pessoas apareceram dois homens, vestidos de blusão de cabedal - nunca mais me vou esquecer - com o olhar transtornado e disseram-nos ‘go, go' (vão, vão). Falavam mal inglês, mas faziam sinais a dizer que nos iam cortar a cabeça.... E fomos embora.
Sabiam da violação?
Ou assistiram. Aquilo foi uma coisa em grande, envolveu muita gente. Segundo os relatos ela acabou por ser socorrida por um grupo de mulheres.
Ser loira ajudou?...
de loiras. É verdade, não é mito.
Mas teve medo?
Tive muito medo na segunda situação, quando me apercebi que o hotel ia ser violentamente atacado.
A sua entrevista ao embaixador do Irão em Portugal (Mohammed Taheri) foi muito comentada na web... pelo uso do véu islâmico.
Foi muito polémico e achei interessante que tivesse gerado essa polémica. Quando se entra no território de uma embaixada, de acordo com as convenções internacionais, esse território é iraniano,onde todas as mulheres usam véu.Expliquei aos telespectadores. Os jornalistas não existem para manter posições ideológicas, mas sim para fazer perguntas.
Por acaso, mais recentemente, fiz uma entrevista extraordinária com um dos maiores teólogos iranianos islâmico, dentro da embaixada do Irão, entrei de véu, e sentei-me e perguntei-lhe se podia tirar o véu e ele disse que sim e expliquei aos telespectadores que o ía fazer. Já no Egipto, onde a lei do estado não é a lei islâmica, não tenho que andar de véu e não andei, porque a lei não obriga a que se ande de céu. Sendo que não vi uma única mulher na praça de cabelo à mostra, porque é uma sociedade muito conservadora, pese embora seja permitido legalmente e não aparece a policia de costume, como aparece em muitos países do Golfo e no Írão, que detêm imediatamente se o fizer (andar sem véu). Foi muito interessante, porque se for ao interior do Vaticano tem que seguir as regras, em que só se fala com o papa com determinada indumentária.
Em síntese, consegue contabilizar os locais de conflito/guerra onde já esteve?
Estive na Bósnia, no Congo, em Angola, no Ruanda, no Iraque - a cobrir a guerra que foi um genocídio - , o conflito israel-palestianiano cobri várias vezes. Ainda fui para Timor, na época muito conturbada a seguir aos massacres horríveis, mas já não apanhei o conflito das milícias. Fui a seguir, ainda apanhei muita tensão. São vinte anos, ainda apanhei a guerra civil angolana...
Não é fácil ser repórter de guerra?!
Acho que não sou isso. Tanto faço cimeiras como reportagem de politica internacional, que é a minha área, como faço um conflito ou uma catástrofe natural, como já tive que fazer em Salvador. E agora fomos fazer uma questão de agitação política no mundo árabe, uma questão histórica. Não ía fazer guerra nenhuma.
Não se considera uma repórter de guerra?!
Acho que isso não existe. Existem pessoas que seguem determinadas áreas, eu não me enquadro nisso. Vejo-me a fazer muitas coisas que não se enquadram nesse contexto. Sou editora de internacional, e é a minha área académica.
É onde está mais à-vontade?
É a minha área de trabalho, é o que gosto e que sempre estudei. Fiz Comunicação Social, mas depois tirei uma pós-graduação em Relações internacionais. Fiz mestrado em Estratégia. Estou a ver se faço um doutoramento, mas falta-me tempo. Estudei na Universidade Técnica, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, mas agora vou fazer na Universidade Católica. E porque não posso ir para fora porque trabalho cá. Se fosse rica iria, mas não sou e portanto tenho que sobreviver com o meu salário, caso contrário era capaz de ir estudar para o estrangeiro.
A Márcia faz um trabalho como outras repórteres da concorrência. Pode dizer-se que é concorrente da Cândida Pinto?
Não. Acho que a Cândida talvez tivesse coberto mais intensamente mais conflitos do que eu. Tem um perfil de carreira muito diferente. Eu faço muitas outras coisas na politica internacional. Mais politica e menos conflitos. Trabalho numa área mais vasta.
O que pensa de Nuno Santos como director de Informação da RTP?
Tenho a experiência de trabalhar directamente com o Nuno Santos e acho que ele é uma solução muito mobilizadora. Para além disso é pessoa que nós já conhecemos e com quem trabalhámos, não é de todo estranha à casa.
Assumia este cargo?
Não. Não me via nesse papel nem nunca me fizeram essa pergunta. Gosto muitíssimo de ser editora do Internacional e espero continuar a ser. Gosto muito do trabalho que faço.
Tomara quer todo o mercado da Imprensa fosse robusto e forte cheio de oportunidades e em Portugal como somos um País pequeno e nos últimos anos tem havido uma crise grande no sector, todos nós sabemos que há muitos jornalistas que foram despedidos nos últimos anos, conheço alguns. Tenho pena de um mercado exíguo em muitos sectores, como por exemplo, a comunicação social. Seria extraordinário que houvesse muitos mais projectos tanto televisivos, como jornalísticos e que existisse maior dinâmica que nunca a existe porque Portugal é pequeno. Espero que nos próximos tempos, com os projectos que vão surgir com a plataforma digital terrestre, com o acesso a outros canais, possam existir outros projectos a vários níveis. Em Portugal o mercado jornalístico é muito estanque. O que não é bom para as próprias empresas. Não suficientemente saudável, motivador. O que é motivado é estarmos sempre a pensar em novos desafios
Foi convidada para o TVI24, não aceitou porquê?
Sim, há mais de um ano, quando o canal nasceu. mas não foi a primeira vez que me convidaram para outro projecto. Gosto muito de trabalhar nesta empresa.
Como reagiu à saída do José Alberto Carvalho e da Judite de Sousa?
Foram momentos emocionais para toda a gente quando os vimos partir. Tivemos pena que eles fossem embora. Porque eram pessoas de quem gostávamos e respeitávamos. Por outro lado, conforme disse aos dois pessoalmente, não há nada de que se possam orgulhar mais do que serem contratados para novos desafios que só manifestam que eles têm currículos dignos.
Não gostava de assumir a ‘Grande Entrevista'?
Não sou entrevistadora de carreira e a RTPtem essas figuras.
‘Olhar o Mundo' é um programa de sua autoria?
Sim, e tem um formato variável. Tanto tem um único convidado como tem reportagens e convidados sobre actualidade internacional.
E vai continuar na antena da RTP1?
Eu acho que sim. O novo director vai trabalhar connosco todas as formas que ele entender. Temos é de recriar, de inovar. É isso que se faz lá fora.
Começou como pivô?
Sim, comecei no 24 horas e depois tive muitos anos , 12, nos noticiários da RTP2.
"PINGAVA DE SUOR"
Já esteve no centro de alguns conflitos... Viveu situações de pânico?
Lembro-me na Bósnia, em Sarajevo: ficámos no meio de um bairro, era uma guerra urbana, e de ter começado uma chuva de rajadas e lembro-me de ter a ideia de que não conseguia sair dali. Pingava de suor e o coração disparava. Foi a primeira vez que me senti realmente em situação de perigo de vida. Mas digo-lhe uma coisa: nunca se perde o medo. Nenhum repórter perde o medo. Já fui muitas vezes para situações de conflito, mas como da última vez, quando me apercebi da situação... voltei a ter medo. Medo real, medo de morrer. E não acredito nas pessoas que dizem que não têm medo. Nós já tivemos com forças especiais, os tipos mais duros psicologicamente, mais enquadrados, e eles também têm medo.
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