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Diogo Clemente: "Gosto de servir o amor nas relações e na música"

Aos 39 anos, o músico, autor e compositor lança o seu disco de estreia 'Amo-te e outras Coisas para te Dizer'

02 de novembro de 2024 às 14:41

Na nota de apresentação deste disco diz que começou a escrever aos 14/15 anos. Sobre o que é que escrevia na altura o miúdo Diogo Clemente?Começar a escrever aos 14 anos foi quase por necessidade fisiológica de dizer coisas para um papel. Mas quando as coisas começaram a ganhar mais consistência foi por volta dos meus 15/16. Escrevia sobre questões de amor. O último poema no livro chama-se 'Três Horas' foi escrito às três da manhã e fala da dor e das dificuldades do amor. Quem lê aquilo até é capaz de achar que foi um homem de 40 anos a escrever (risos).

Então este disco reúne poemas desde essa altura?

Este projeto é na verdade um livro que trouxe um disco.  Eu tinha a perspectiva de algum dia fazer algo assim, porque entre estes temas, estão coisas demasiado pessoais que eu não tive coragem ou vontade de passar a ninguém. E então fui guardando até chegar a uma altura em que tinha 20 temas desses. Fiz uma reflexão sobre isso e cheguei à conclusão que estava na altura, ao final de 39 anos anos, de gravar o meu primeiro álbum.

O que é que o Diogo descobriu primeiro, a escrita, a guitarra ou a voz?

Sem dúvida a voz. Eu nem sequer me lembro de começar a cantar. O meu pai [o fadista José Clemente] já cantava e por isso eu nasci e cresci no fado. Por isso acho que sempre cantei. Aos 12 anos comecei a tocar, depois do meu pai ter trazido uma viola para casa e o gosto desenvolveu-se de tal forma que aos 14 estava a entrar para o conservatório. Aos 15 já estava a tocar com vozes que muito venero e aos 16 já era músico da Ana Moura. Aos 17 comecei a produzir e aos 18, então mais a sério, virei produtor, escritor e compositor e então o canto foi ficando para trás. Hoje não me considero um cantor. Gosto muito de cantar, mas acima de tudo gosto muito de servir a minha obra e ser o melhor intérprete das minhas histórias. 

Voltando à voz, a sua primeira descoberta, o que é que se recorda, nomeadamente dos primeiros tempos nas casas de fado com o seu pai?

Eu devo ter começado a cantar por volta dos seis/sete anos, mas as memórias mais fadistas que tenho vêm dos meus três anos, de estar

a dormir nas cadeiras nas casas de fado e ouvir cantar e tocar muito ao longe. Por isso é que eu digo que esta coisa de ser fadista não é uma escolha, é uma condição. Eu trabalho com todos os géneros musicais mas tenho a perfeita consciência que é impossível que tudo o que eu faça, não esteja pintado de fado. E é uma liberdade muito grande saber que para onde quer que eu vá eu tenho sempre o fado comigo. Mas sim, acho que foi o facto de ter começado a ouvir fado muito pequenino, que me levou a começar a cantar. Os primeiros fados que eu interpretei foram fados de saudade e dor, tinha eu seis anos. 

Mas consegue precisar o que o atraiu no fado ainda com tão tenra idade, sabendo que não é fácil uma criança gostar de fado?

Não. Eu não tive escolha. Eu já ia aos fados na barriga da minha mãe. Eu bebia fado, como bebia leite. A única coisa que sei é que se me tirarem o fado, assim como se me tirarem água, eu deixo de viver. Eu não sei como despertei para o fado. É como falar português. Eu nasci num país e falo a língua desse país. Passa-se o mesmo com o fado, não me lembro de não ter o fado perto de mim. 

Dos catorze temas deste disco, em apenas um não é pronunciada a palavra amor. O 'amor' é para si quase uma ferramenta de trabalho não?

Como diz o Javier Limón até encontrarem um motivo melhor para se escrever, eu vou continuar a escrever sobre o amor. É o melhor material que há. É muito importante sabermos a nossa dimensão perante o amor. Num tempo em que o homem procura controlar todas as coisas e ter resposta para tudo, sinto que se perde a devida reverência à dimensão brutal do que é o amor. O amor é uma força que traz e tira vida. É uma montanha russa brutal e sobre a qual somos pequeníssimos. O amor é maior do que nós. O amor faz guerras e pára guerras. Em 2024 olha-se para o amor como mais uma coisa e isso é criminoso. Eu gosto muito de ter servido o amor até hoje, tanto nas minhas relações como na minha música.

E é mais fácil cantar o amor do que falar dele?

Eu acho que sim. Quando eu escrevo uma canção aquilo serve como uma expurga, como um confessionário. Então naquele momento eu quero que aquilo seja meu. São raras as canções que eu acabei de escrever e que foram cantadas, porque eu precisava que o tempo passasse. Nestas coisas de ser cantautor todas as músicas são uma confissão. 

Sendo assim, porque é que decidiu expor-se agora?

Eu fui muito impulsionado e amparado pela vontade de querer fazer um livro. Eu gosto muito destas canções porque são muito importantes para a minha vida e sempre soube que em algum momento ia ter esta vontade de lhes dar som. Hoje que preciso que elas saiam para fora e que ganham vida. São como amigos meus que ninguém conhece e que eu quero apresentar. Eu tinha migalhas de amor espalhadas por todo o lado. 

Depois de tanto tempo nos bastidores como autor, compositor, instrumentista e produtor, é confortável para si ver-se agora como 'front man'?

Este é o momento em que me sinto confortável que isso aconteça. Agora eu quero ocupar a minha vida com isso. Até aqui não quis porque estava ocupado com outras coisas e com a construção de carreiras, a Raquel Tavares, a Carminho, o ter andado na estrada com a Mariza, ter tocado com a Ana Moura, ou o caminho que estou a fazer agora com a Sara Correia, sempre pintei a minha vida com isso. Neste momento, a minha conjuntura e as pessoas que estão à minha volta trazem-me isso. 

A sua mulher inclusive?

Sim. A Manuela Marques é um poço criativo e que pinta e ilustra a minha vida e a minha música até porque ela é designer gráfica das coisas que faço. Ainda por cima é uma cantora e compositora brutal que vai lançar um álbum este ano. E ela é uma das pessoas que contribui para esta conjuntura, para me trazer devagar para este sítio confortável onde me encontro. Basicamente eu estou rodeado por uma grande família que tornou isto possível. 

E já que fala em família como é a relação dos seus filhos com a sua música?

É espetacular. Eles são um filtro brutal. Há uma coisa engraçada. Eu levo-os todos os dias à escola de manhã e todos os dias temos o princípio de ir sempre a ouvir música no carro. Todos os dias eu ponho música diferente, de todos os géneros, fado, música africana ou tango, por exemplo. Há dias, o Benjamim pediu-me para ouvir uma coisa que já não ouvíamos há muito tempo que é o Etienne Mbappé, um cantor dos Camarões. Os meus filhos, como qualquer criança, são muito letais com isto do gostar e não gostar. Já passei algumas vergonhas sobretudo com o Benjamim que é o mais crítico e consciente e que decora todos os títulos e cantores. Uma vez mostrei-lhe uma maqueta minha, perguntei-lhe se ele gostava e ele respondeu-me. "Sim, sim, mas pareces muito o Charles Aznavour". Mas deixa-me muito orgulhoso quando entramos no carro e eles me pedem para ouvir músicas minhas. 

Tendo eles também como mãe uma cantora, a Carolina Deslandes, vê ali alguma apetência da parte deles para as artes?

A apetência vejo muita. O Santiago tem uma capacidade de fazer beatbox e cantar melodias ao mesmo tempo. O Benjamin tem uma sensibilidade impressionante. É assustadoramente parecido comigo. A forma como olha para as coisas é incrível. As músicas doem-lhe, é uma dor boa claro, e prazerosa como acontece comigo. E o Guilherme é a mesma coisa. É o mais pequenino e distraído, mas é sempre muito focado naquilo que está a ouvir.   

Acredita que estas coisas podem ser hereditárias, que passam no sangue?

Sim. Está provado que o código genético está cheio de informações e memórias e mal fosse se, sendo filhos de dois aditos musicais, não tivessem essa matriz lá dentro. No entanto, isto pode levar a pensar que somos uma família banhada de música, mas não é assim. O futebol lá em casa até tem mais espaço do que a música (risos). Mas eles terão o seu tempo. 

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