Jornalista e jurista Tomás Vieira Mário responsabiliza sistema político pelo escândalo.
O jornalista e jurista moçambicano Tomás Vieira Mário considerou esta sexta-feira à Lusa que "a captura do Estado pelas elites políticas" também está em tribunal no julgamento do processo das dívidas ocultas, responsabilizando o sistema político pelo escândalo.
Tomás Vieira Mário, 62 anos, é um dos jornalistas mais destacados de Moçambique, tendo sido diretor do canal estatal Televisão de Moçambique (TVM) e correspondente da Agência de Informação de Moçambique (AIM) em Lisboa.
"Na tenda gigante instalada junto da cadeia penal de máxima segurança da Machava, vão apenas estar sentados 19 arguidos, porém, em representação de algo bem maior que eles todos: vai estar em julgamento um sistema de governação", disse Tomás Vieira Mário, em declarações à Lusa.
Um sistema de governação que permitiu que fidelidades partidárias, clientelismo e acesso a oportunidades fomentassem a captura do Estado pelas elites políticas, assinalou.
Para o jornalista e jurista, a contração das dívidas ocultas foi um dos pontos mais altos e apoteóticos do sistema de governação que tem sido trilhado por Moçambique.
"Não há aqui qualquer novidade para ninguém: trata-se de um sistema de governação em que o acesso e o exercício do poder de Estado têm como motivação primária a instrumentalização do próprio Estado, como meio de acesso e apropriação privada dos recursos da coletividade", enfatizou.
As elites políticas moçambicanas, prosseguiu, estão envolvidas numa corrida pela apropriação indevida dos recursos públicos, praticando, por vezes, "pura pilhagem".
"Há mais de 30 anos que os cofres do nosso Estado estão ao dispor de elites predadoras que, por essa via, procuram transformar-se em elites empresariais, fazendo pensar num certo ´black empowerment` [emancipação económica das elites negras] moçambicano, cuja natureza criminal é branqueada politicamente", observou.
Tomás Vieira Mário recordou escândalos financeiros que assolaram o país na década de 1990 como parte dessa trajetória de delapidação dos recursos nacionais, apontando os homicídios do jornalista Carlos Cardoso e do banqueiro Siba Siba Macuácua como corolário da eliminação dos opositores do saque no país.
O jornalista Carlos Cardoso foi assassinado em 2000, quando investigava uma fraude bancária que levou o ex-Banco Comercial de Moçambique à bancarrota, enquanto Siba Siba Macuácua foi morto em 2001, quando conduzia um esforço de recuperação de ativos do antigo Banco Austral nas mãos de clientes às elites política e económicas do país.
"Nas últimas décadas, a consolidação do sistema consistiu em garantir que o poder do Estado gira em torno do partido no poder, o qual, por sua vez, gira em torno do líder e, finalmente, projeta-se sobre o mundo dos negócios", notou Tomás Vieira Mário.
Para o jornalista e jurista, a expetativa da maioria dos moçambicanos é ver os autores do esquema das dívidas ocultas serem levados para a cadeia e cumprirem pesadas penas de prisão e que o Estado recupere o maior volume possível de ativos desviados.
Tomás Viera Mário defendeu que o caso deve ser uma oportunidade para a refundação do Estado moçambicano e reforma do sistema de governação.
"É legítimo -- quase inevitável -- esperar que o próximo congresso da Frelimo [Frente de Libertação de Moçambique, partido no poder] produza e transmita à nação uma mensagem reformadora, de rutura, finalmente, com a trajetória da captura e instrumentalização do Estado", destacou.
Tomás Viera Mário é também diretor-executivo da organização não governamental Sekelekani e docente universitário.
O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo está a julgar desde o dia 23 o maior caso de corrupção na história de Moçambique, tendo como arguidos 19 pessoas.
Entre os arguidos estão Ndambi Guebuza, filho mais velho do antigo Presidente Armando Guebuza, vários colaboradores do ex-chefe de Estado e antigos diretores dos Serviços de Informações e Segurança do Estado (SISE), serviços secretos moçambicanos.
O Ministério Público acusa os 19 arguidos das dívidas ocultas de se terem associado em "quadrilha" para delapidarem o Estado moçambicano e deixar o país "numa situação económica difícil".
A conduta, prosseguiu, prejudicou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) - valor apontado pelo Ministério Público e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
Para o Ministério Público moçambicano, entre os diversos crimes que os arguidos cometeram incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
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