O fadista lança ‘Infinito Presente’, um álbum sobre o tempo – passado, presente e futuro.
Cinco anos para lançar um novo disco. Porquê tanto tempo?
Aconteceu assim. Há cerca de dois anos e meio, também tinha saído um ‘best of’ com três originais, e depois eu também não sou pessoa para andar a fazer planos para lançar discos todos os anos. Sempre deixei algum espaço de interregno entre discos.
E durante esses interregnos vai recolhendo material?
Eu já tenho um repertório que vem de trás. E este disco é um pouco reflexo do que tem vindo a acontecer nos últimos anos. Acho que as coisas até acontecem de forma muito intuitiva, não são muito planeadas.
Sendo o Camané reconhecidamente um cantor de palco, como é a sua relação com o estúdio?
Eu gosto, de facto, mais do palco, mas tenho vindo a adaptar-me ao estúdio. No palco, consigo libertar-me mais de uma série de coisas. É lá que consigo melhorar as interpretações. Uma das coisas que percebi é que no palco temos de ser humildes para entrarmos nos poemas e chegarmos às pessoas, e isso fascina-me. Mas depois também é em estúdio que consigo criar repertório novo e que me consigo reinventar.
Infinito Presente. Este presente que vivemos não está muito famoso para que se queira perpetuar!
Esse título vem de um tema inédito do David Mourão-Ferreira, que tem essa frase que, no fundo, define muito o disco com fados que falam do passado, do que o presente significa e da importância do futuro. Lembro-me de que estávamos nos ensaios em casa do Zé Mário Branco e o título do disco apareceu de repente. Ficou inicialmente provisório mas depois foi adotado como definitivo.
Mas o passado tem um enorme peso neste seu presente?
O passado tem peso na música. Ser fadista é ir buscar esse passado e trazê-lo para o futuro.
E o passado do Camané?
Eu não gosto de me agarrar a absolutamente nada do passado. Acho que tenho tudo por fazer e na minha música também. Claro que foi importante o que fiz no passado, mas mais importante ainda é o que tenho para fazer, o que está para vir. E o presente é o que está para vir.
Mas o Camané já impôs uma marca sua no fado, e isso implica olhar para o passado?
Pode ser que sim, mas não consigo sentir isso. Cresci no meio do fado e sei que criei um estilo, uma característica de canto que tem a ver com fado, mas isso é uma coisa que faz parte de mim desde que me conheço. A minha maneira de cantar fado tem a ver com todas as pessoas que ouvi cantar, mas não me consigo achar muito importante. O que me dá gozo é aquilo que está para vir. Não sei explicar bem mas é assim que sinto. Por exemplo, nunca ouço os discos que já fiz.
Porquê?
Só ouço os meus discos quando estão para sair. Depois nunca mais lhes pego, não tenho paciência nenhuma para me ouvir. A maior parte das vezes nem tenho discos meus em casa. A relação com os discos acontece apenas depois nos espetáculos.
É fácil definir o fado do Camané?
Para mim, é muito difícil definir-me. O que sei é que tenho uma forma única de estar no fado, que vem de trás e que é diferente de outros cantores. A história do fado está cheia de casos desses, como o Alfredo Marceneiro, o Fernando Maurício, a Maria Teresa Noronha, a Amália Rodrigues, o Carlos do Carmo, e tantos outros. Cada um tem o seu estilo próprio.
Mas o que é que o Camané tem dado ao fado?
Dei o melhor que tinha. Aquilo que faço é com honestidade e muita verdade, porque vem de um passado rico, em que tive a sorte de conviver com grandes fadistas. Era miúdo e conheci o Marceneiro e a Amália pessoalmente. Ouvia-os cantar compulsivamente era eu ainda pequenino. Em miúdo, até tinha que ouvir fados às escondidas dos meus amigos, porque eles gozavam comigo. Sempre acreditei no fado como uma música de grande qualidade, mas tive que lidar com o preconceito. Ainda dizem que o fado é triste, mas a ópera também é, morrem todos no fim, e muita gente vai ver ópera.
Mas não é normal uma criança apaixonar-se por fado!
Se eu tiver sete anos e tiver toda a gente à minha volta a dizer que o fado é mau e piroso, se calhar era mais difícil de entrar. Só que eu cresci com os meus pais a ouvir fado e a ouvi-los dizerem que o meu bisavô já cantava. Por isso, comecei a ouvir fado sem preconceito.
Mas como é que despertou para isso?
Nunca tive discos para crianças. Ouvia discos de Sinatra, Beatles e Aznavour. Aos sete anos, adoeci e, como não podia estar sempre a ouvir os mesmos discos em casa, comecei a ouvir fado. Foi assim que aprendi a cantar daquela maneira, mesmo nos festivais da escola dava sempre aquela entoação fadista. Aos dez anos, já sabia os fados tradicionais.
Este disco tem dois temas do seu bisavô [José Júlio Paiva]. Como é que chegou até eles?
Há dois anos, descobri um disco do meu bisavô, de 1925. Curiosamente, nunca tinha ouvido o meu bisavô cantar. Um dia disse na televisão o nome dele e houve um colecionador que me contactou e me mostrou o disco. Fiquei muito emocionado porque nunca tinha ouvido a voz dele. Uma das músicas foi feita em 1918 e ainda tem muita influência do fado do Coimbra. A outra já foi feita posteriormente, com influência do fado de Lisboa.
Qual é a história desse seu bisavô?
Ele era um fadista da zona de Aveiro que um dia veio para Lisboa. Gravou dois discos (singles), numa altura em que as gravações não tinham a importância que têm hoje. Morreu cedo, mas é curioso que o seu nome aparece nos livros sobre fado. O que não sabia é que existiam registos sonoros da sua voz.
Era bisavô paterno?
Sim, este lado fadista veio todo da parte do meu pai. O meu bisavô, o meu avô, e até um tio meu. Curiosamente, só depois de eu começar a cantar é que os meus pais também começaram, embora de forma amadora.
E acredita que estas coisas são hereditárias ou é só coincidência?
Acho que tem mais a ver com influências. Isto tem que ser uma coisa que cresce connosco. Mesmo o rock, o blues e outros géneros têm que crescer connosco.
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