O mestre da guitarra portuguesa Carlos Paredes morreu na madrugada desta sexta-feira, em Lisboa, vítima de insuficiência renal. Tinha 79 anos de idade e deixa ao Mundo um legado único de excelência na composição e interpretação de um instrumento que cresceu com ele próprio.
Carlos Paredes estava acamado há 11 anos, desde 1993, altura em que lhe foi diagnosticada uma mielopatia, doença degenerativa da estrutura óssea que o afastou da guitarra e da vida. Há dois dias, um dos rins deixou de funcionar e o mestre não resistiu, falecendo esta madrugada, cerca das 5h45, na Fundação-Lar Nossa Senhora da Saúde.
O corpo está em câmara ardente na Basílica da Estrela. A missa fúnebre realiza-se amanhã, sábado, pelas 14h30, saindo o cortejo fúnebre às 15h30, para o Talhão dos Artistas no Cemitério dos Prazeres. O Governo decretou sábado dia de Luto Nacional, em memória do guitarrista.
HERDEIRO DE TRADIÇÃO FAMILIAR
Nascido em Coimbra, a 16 de Fevereiro de 1925, Carlos Paredes começou a estudar guitarra portuguesa aos 4 anos de idade, seguindo uma tradição familiar que passara de geração em geração desde o seu bisavô.
Foi o pai quem lhe ensinou os primeiros acordes e foi com o pai que começou a tocar, mostrando desde logo uma aptidão para o dedilhar que havia de desenvolver até ao encanto. Dizia-lhe o pai, nos primeiros tempos a tocar a dois, que o filho não sabia acompanhar.
Carlos Paredes nascera para muito mais que isso e levou a guitarra portuguesa à maturidade que lhe faltava, a de ser muito mais que um instrumento de acompanhamento.
CINEMA E TEATRO
O génio de Carlos Paredes foi precoce. Em 1934, com nove anos de idade, muda-se para Lisboa e grava o seu primeiro disco em 1957, um EP a que chamou, simplesmente, “Carlos Paredes”. Em 1960 inicia uma profícua colaboração com o cinema, compondo e tocando bandas sonoras para “Rendas de Metais Preciosos” (de Cândido da Costa Pinto), “Verdes Anos” (de Paulo Rocha, 1962), “Fado Corrido” (de Jorge Brum do Canto, 1964), “As Pinturas do Meu Irmão Júlio” (de Manoel de Oliveira, 1965), “Mudar de Vida” (de Paulo Rocha, 1966), “Crónica do Esforço Perdido” (de António de Macedo, 1966, parcial), “A Cidade” (de José Fonseca e Costa, 1968), “Tráfego e Estiva” (de Manuel Guimarães, 1968), “The Columbus Route” (de José Fonseca e Costa, 1969) e “Hello Jim” (de Augusto Cabrita, 1970).
O mestre também emprestou a sua singular genialidade de composição e de interpretação da guitarra portuguesa ao teatro e à dança. Compôs a banda sonora da peça de teatro “O Avançado Centro Morreu ao Amanhacer” (de Augusto Cuzzani, posta em cena pelo Teatro de Campolide, que até 1977 fez parceria com Carlos Paredes) e do bailado “Danças para uma Guitarra” (coreografado por Vasco Wallemkamp, em 1982).
DISCOGRAFIA
Depois dos EPs “Carlos Paredes” (1957), “Verdes Anos” (1962), “Romance nº 2” (1968), “Fantasia” (1968) e “Porto Santo” (1968), Carlos Paredes edita, também em 1968, o seu primeiro álbum, “Guitarra Portuguesa”, com Fernando Alvim à vioa, no qual se incluem um dos temas de mais difícil interpretação, “Variações em Ré Maior” (a abrir o disco), e o encantador “Canção Verdes Anos”.
Seguem-se “Balada de Coimbra” (um EP de 1971), “Movimento Perpétuo” (o segundo álbum, de 1971), “António Marinheiro” (EP de 1972), “É Preciso um País” (1975, com poemas lidos por Manuel Alegre), “Concerto em Frankfurt” (1983), “Invenções Livres” (1986, com António Vitorino d’Almeida), “Espelho de Sons” (1988) e “Dialogues” (1990, com o músico de jazz Charlie Haden).
Edita ainda “Asas Sobre o Mundo” (1992), “O Melhor dos Melhores” (1994), “Na Corrente” (1996), “O Melhor de C. Paredes” (1998) e “Canções para Titi” (2001).
"A COISA AGRADA-LHES"
Carlos Paredes deixa nos discos uma herança com a dimensão de tesouro nacional e deixa na memória de que o viu e ouviu o sabor de momentos de magia e encanto. Ninguém tocava guitarra portuguesa como ele, debruçado sobre o instrumento numa cumplicidade caracterizadora, dedilhava as cordas como se a elas pertencesse e extraía delas uma harmonia sonora única e apaixonante. Teve como principais acompanhantes à viola Fernando Alvim (de 1959 a 1984) e depois Luísa Amaro, companheira de música e de vida nas últimas duas décadas.
Apesar de mestre e encantador de almas, Carlos Paredes era uma pessoa de uma simplicidade extrema, um homem conhecido pela música mas que nunca viveu apenas dela, mantendo o seu emprego como arquivador de radiografias no Hospital de São José até à reforma.
Também era comunista, mas nem isso lhe tolheu o reconhecimento. A sua música sobrepôs-se à vida. Como ele próprio disse, em entrevista ao jornal “Público”, em 1990: “As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e eles aderem. Não há mais nada”.
“Portugal teve no Carlos Paredes a genialidade, sensibilidade, poder de composição, uma belíssima técnica, e interpretação. Ele cumpriu os pontos que tinha a cumprir nesta passagem pela terra" Luísa Amaro (companheira de 20 anos)
“Uma grande perda. Era um grande artista e uma figura única” José Saramago (escritor e Prémio Nobel da Literatura)
“A morte de Carlos Paredes constitui uma grande perda para a arte e cultura portuguesa e também para o PCP, do qual era membro desde 1958 e militante generoso até ao fim da sua vida activa” PCP (comunicado)
"As suas variações foram para muitos de nós a música de fundo da nossa vida (...) Foi uma das grandes figuras portuguesas do século XX" Manuel Alegre (escritor, deputado e dirigente do PS)
"É com grande saudade que o vejo partir (...) A música dele reflectiu muito o amor que tinha ao País (...) Em qualquer parte do Mundo onde se oiça, a guitarra do Paredes faz lembrar Portugal" Fernando Alvim (antigo acompanhante à viola)
"Que a guitarra do Paredes fique e seja para sempre lembrada" Luís Cilia (músico e amigo)
"É uma perda irreparável. Foi um exímio conimbricence que deu à música um esplendor que será difícil igualar" Mário Nunes (vereador da Cultura da Câmara de Coimbra)
"Era um louco e um perfeccionista. Ficámos completamente presos em estúdio porque ele inventava muito e quase ficava com os dedos em sangue de tocar tanto" Paulo Rocha (realizador de cinema)
"Ainda não há substitutos à altura" Fernando Seabra Santos (reitor da Universidade de Coimbra)
"Ninguém fica indiferente à sua música" Teresa Alegre Portugal (ex-vereadora da Cultura da Câmara de Coimbra)
"A guitarra portuguesa depois de Paredes nunca mais foi mesma" David Ferreira (director-geral da EMI-Portugal)
"Quando Carlos Paredes começou a tocar, a importância atribuída à música instrumental era quase nula, a guitarra era confundida com o próprio fado (...) A técnica dele foi superada há muitos anos, mas ele tinha uma grande preocupação em se superar na dimensão artística, vivia preocupado em evitar a repetição" Pedro Caldeira Cabral (musicólogo)
"Neste momento de luto presto, em nome de Portugal, homenagem à sua memória, evocando o artista genial que tanto projectou o nosso país, o cidadão exemplar e o homem bom, generoso, simples, e de grande integridade moral" Jorge Sampaio (Presidente da República, em telegrama enviado a Luísa Amaro)
"Ele era muito exigente consigo mesmo, mas gravar com ele era uma satisfação" Hugo Ribeiro (engenheiro de som)
"Construíu uma fortaleza estilística com pormenores técnicos que o ligam, inequivocamente, a uma estilística coimbrã (...) Enquanto homem, tinha um grande defeito: um corpo pequeno demais para a sua verticalidade" Virgílio Caseiro (maestro da Orquestra de Câmara de Coimbra)
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