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Teatro de Animação de Setúbal estreia "Manual do bom fascista" para rir "em más companhias"

Cenário da peça da encenadora Célia David fixa-se numa cadeira dourada e três microfones onde estão pendurados outros tantos chicotes.

23 de novembro de 2025 às 09:41

O Teatro de Animação de Setúbal vai pôr em palco, a partir de dia quinta-feira, a peça "Manual do Bom Fascista", que a encenadora Célia David definiu como uma paródia "para rir em más companhias".

A "atualidade e a pertinência do texto" face "a esta forma crescente do fascismo, que parece ter vindo a instalar-se e não se vai embora, antes pelo contrário", foram pretextos para pôr em palco a peça baseada no compêndio homónimo de 151 lições para "aprendizes de bons fascistas", escrito por Rui Zink, autor que o Teatro de Animação de Setúbal (TAS) já por várias vezes trabalhou.

"Rir", "alertar" e, "eventualmente, fazer as pessoas rirem" perante o "aumento de ideologias radicais e crescentes manifestações de extrema-direita, um pouco por todo o mundo", foi o objetivo da peça, referiu a também diretora artística do TAS.

"Rir para não chorar", disse a encenadora, considerando impossível que a sociedade se abstraia "de que, de facto, a situação pode ser perigosa". A agravar o perigo está o desconhecimento "das proporções que irá tomar no futuro", sustentou.

"Enquanto é tempo, vamos demonstrar que temos uma palavra a dizer, até porque o futuro parece ser relativamente assustador, se levar este caminho", argumentou a também autora da dramaturgia, com o conhecimento e acordo de Rui Zink.

Assim, levar para as tábuas "Manual do bom fascista" no ano em que o TAS celebra 50 anos, sendo por isso "um filho da liberdade e da democracia", ganha ainda mais "relevância", disse.

A partir das 151 lições do "Manual do bom fascista", Célia David selecionou mais de 20. As mais "adaptáveis" a teatro, além de lhes acrescentar diálogos e "dois ou três apartes".

Ainda antes de entrar para a sala do Teatro de Bolso, o público é "contemplado" com uma caneta e um impresso com o "Fascistómetro", o "singelo inquérito" à semelhança do contido na obra original, sento também instado a preenchê-lo.

O cenário da peça fixa-se numa cadeira dourada e três microfones onde estão pendurados outros tantos chicotes. Amarelo, preto e cinza predominam no figurino das três personagens pouco definidas em contraponto com o amarelo reluzente do bom fascista.

Multifacetados, os três elementos funcionam como um coro grego, ainda que a ironia e o sarcasmo pautem as falas. Ora dialogando, ora fazendo afirmações em conjunto, ora tecendo comentários, o coro é a "deixa" ao essencial que o bom fascista poderá dizer.

"Estás a chamar-me mentiroso? Estás a chamar-me mentiroso? A mim ninguém me chama mentiroso, ouviste?!", é uma das falas do Bom Fascista, que a partir de determinada altura é chamado de "BeF".

"E é verdade. Ao bom fascista ninguém chama mentiroso", ouve-se de um elemento do coro, enquanto outro riposta: "Não à sua frente, pelo menos, que ele não é menino de se ficar".

O fascista "ninguém cala", "nunca é demais repetir, o bom fascista diz sempre a verdade", dizem os três juntos, ao que o fascista acrescenta: "doa a quem doer".

Apresentadores de televisão, apresentadores de variedades e cantores são as várias máscaras que o coro vai vestindo ao longo da peça em contraponto com o "Bom Fascista", aparentemente normal e inofensivo, sempre a vitimizar-se.

Na peça, com muita música e canções pelo meio, fala-se também do fascista de esquerda, à semelhança das questões levantadas em "haverá bons fascistas de esquerda" em oito lições da obra original.

Imigrantes, negros, homossexuais, refugiados são sempre mal vistos e mal tratados pelo Bom Fascista, para quem as mulheres são também um alvo a abater.

A determinada altura da peça, é pedido a alguns espectadores que forneçam aos elementos do coro o "Fascistómetro" preenchido, que depois será avaliado segundo a obra original, "ainda que as respostas não sejam levadas muito a sério".

A peça poderá também ser usada para que as pessoas descubram se "têm muitos tiques de fascista": "À semelhança do que aconteceu com os atores, à medida que leram a obra e foram pondo a peça de pé e que, dia a dia, vão tentando livrar-se desses tiques".

No Teatro de Bolso, a peça terá mais seis récitas, além da estreia: sexta-feira e sábado e dias 05, 06, 12 e 13 de dezembro, todas às 21:30. As primeiras três datas estão já esgotadas.

A interpretar estão Cristina Cavalinhos, como atriz convidada, Andreia Trindade, Cláudia Aguizo e André Moniz, que também assiste na encenação.

Com vozes 'off' de Célia David, Duarte Victor e Miguel Assis, a coreografia é de Carlos Prado, a cenografia de Flávio Rina e os figurinos e adereços de Sara Rodrigues. No desenho de luz está José Santos, na sonoplastia Luís Oliveira e na operação técnica Celso Ferreira.

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