Peça baseia-se nos concertos do cantor português nos Coliseus, em 1983, numa altura em que já estava debilitado pela doença. Estreia esta sexta-feira no Rivoli, no Porto.
O Teatro Experimental do Porto (TEP) vai revisitar em palco os concertos de José Afonso nos coliseus, de 1983, através de um espetáculo multidisciplinar que pede ao legado do músico energia para enfrentar tempos difíceis de ameaças à democracia.
"José Afonso, ao vivo nos Coliseus, 1983", com encenação de Gonçalo Amorim e coordenação dramatúrgica de Rui Pina Coelho, estreia-se na sexta-feira, no Rivoli, no Porto, com repetição no sábado, seguindo em dezembro para três datas na Culturgest, em Lisboa.
Para cumprir uma "vontade muito antiga" de trabalhar a memória de José Afonso (1929-1987), o TEP convidou quatro escritores (Miguel Cardoso, Lígia Soares, Marta Figueiredo e Susana Moreira Marques, por ordem de inclusão no espetáculo), a quem se juntou Pina Coelho, para que escrevessem um texto "para alguém que pudesse estar a assistir àquele concerto, em 1983 ou em 2025".
"No fundo, estamos a pedir energia e força ao José Afonso para um tempo confuso, difícil, com muitas derrotas também, algumas delas até civilizacionais, por isso pedimos esta noite de asilo, este abrigo a este grande poeta, cantor, compositor, que marca este nosso século XX e que nos deveria orgulhar de forma extraordinária poder revisitá-lo e ouvi-lo", afirmou aos jornalistas, após um ensaio para a imprensa, o encenador e também diretor do TEP.
Questionado sobre se o momento atual justificou a criação do espetáculo, Gonçalo Amorim refere que, se alguma coisa, a atualidade até o poderia ter dissuadido por não estar "para grandes espetáculos": "Não são só as ideias da revolução que estão sob ameaça, é a própria democracia. A revolução permitiu que vivêssemos em democracia, não é só a componente simbólica da revolução que está sob ameaça, são os próprios fundamentos democráticos, muitos deles construídos já depois do processo revolucionário".
"José Afonso, ao vivo nos Coliseus, 1983" replica esse momento de 1983, muito a partir das canções do músico de "Venham Mais Cinco", que em palco é interpretado por Mariana Leite Soares, que assume a direção musical com Pedro João.
No espetáculo, ouvem-se, pela voz da personagem José Afonso, as falas que o cantor disse em palco em 1983, numa altura em que já estava debilitado pela esclerose lateral amiotrófica que lhe causaria a morte quatro anos depois.
"Há uma toada triste, evocativa, por vezes com um pouco de raiva, às vezes um bocadinho de confusão também, de desespero, mas também muito cerrar de dentes, muito abraço coletivo, muita camaradagem", afirmou Gonçalo Amorim, que frisou, em vários momentos ao longo da conversa com os jornalistas, a importância e consensualidade de José Afonso para a cultura portuguesa, mas também a sua generosidade e camaradagem, visível nos concertos.
O encenador sublinha essa generosidade de José Afonso, que se apresentou nos coliseus em nome próprio também em jeito de despedida: "São momentos mágicos, são momentos de reunião, de enorme camaradagem, as pessoas que foram sabiam que Portugal ia-se transformar em algo diferente, e de alguma forma despedindo-se do seu cantor também se estavam a despedir do período revolucionário".
No prólogo, no qual José Afonso se mostra inseguro de "cantar esta canção toda de enfiada" (algo que disse antes de "Natal dos Simples"), há uma interrupção quando chega ao anúncio da "Grândola, Vila Morena", que no concerto foi a última canção: "Como é nosso hábito, vamos cantar aquela novíssima canção muito recente chamada 'Grând...'".
Gonçalo Amorim justifica a interrupção com "esta dificuldade agora de cantar o 'Grândola' a plenos pulmões".
"Sabemos que é um tempo difícil para o cantar, a nossa revolução está sob ataque, há um revivalismo da ditadura que é evidente, aparece na mensagem da esfera pública diariamente e, portanto, não é fácil cantar o 'Grândola, Vila Morena' a plenos pulmões e esse prologo é um bocadinho para dar essa ideia de que não somos tontos, sabemos o que está a acontecer", afirmou.
No concerto, em 1983, José Afonso diz: "Como é nosso hábito, vamos cantar aquela novíssima canção muito recente chamada 'Grândola, Vila Morena'. Já agora, todo o pessoal que quiser, não sei se costuma ser clássica, não sei se é permitido se não é permitido, quem quiser vir para aqui cantar com a gente, para dar um ar...".
A mistura entre palco e público é assinalada no espetáculo com a presença de atores por entre a audiência, a partir de onde são lidos os textos escritos pelos autores convidados.
O espetáculo contou com o envolvimento da família, tendo Zélia Afonso afirmado, segundo Gonçalo Amorim, que "gostava que a obra do Zeca fosse usada com atualidade, nada de histórias de vida ou de histórias pessoais".
"Não gostaríamos que ficasse essa imagem de um Zeca consensual e inócuo. A qualidade artística do Zeca tem por trás um forte compromisso político. Ele muitas vezes dizia 'já vamos às musiquinhas, agora vamos falar um bocadinho'", contou o encenador.
O espetáculo inclui temas cantados nos coliseus como "Vampiros" e "Um Homem Novo Veio da Mata", durante a qual é projetada a frase "E a Palestina às escuras!".
"José Afonso, ao vivo nos Coliseus, 1983" tem interpretação de Catarina Chora, Catarina Carvalho Gomes, Inês Salvado e Hugo Inácio, com a banda a ser composta por Mariana Leite Soares, Pedro João, Josué, Saulo Giovannini e Teresa Costa.
A cenografia é de Catarina Barros e os figurinos de Cátia Barros, enquanto o desenho de luz está a cargo de Nuno Meira e o de som de Mariana Leite Soares.
O espetáculo é uma coprodução do TEP com o Teatro Municipal do Porto, a Culturgest, o Centro Dramático Galego e o Cineteatro Louletano.
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