O clã Clarinha conserva o segredo dos pastéis criados por um monge. Tem de ser. Já foram alvo de espionagem industrial
Não subiram ao estrelato, como o fado ou o futebol, e nunca saíram do seu bairro, mas não lhes faltam admiradores pelo mundo fora e até já foram alvo de espionagem industrial. Completam este ano 175 anos. Não há crise que lhes toque e talvez por isso até o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, defendeu que bom remédio para os investidores era "alguém abrir um franchising dos natas".
Mas para Miguel Clarinha, um dos actuais responsáveis da fábrica dos pastéis de Belém, em Lisboa, a questão não é assim tão simples: "A exportação só fará um dia sentido se não for necessário abdicar da qualidade." É que para pôr lá fora os mais famosos de todos, era preciso "congelar", o que "certamente iria alterar o seu sabor original", afirma.
Esta receita original, que ninguém consegue imitar, era confeccionada pelos monges do Mosteiro dos Jerónimos, que os confeccionavam e vendiam à então parca população de Belém. Com as revoluções liberais, em 1837, os monges e as freiras viram-se expulsos dos seus conventos e abadias, e, segundo reza a lenda, Domingos Rafael Alves, um comerciante com olho para o negócio que possuía uma antiga refinaria de açúcar onde hoje é a loja dos pastéis de Belém, terá comprado a cobiçada receita ou empregado o monge que a detinha, não se sabe ao certo. Assim, juntou-se o útil ao agradável, que é como quem diz, o mestre ao açúcar, produto raro e caro na época.
"Desde 1837 que a refinaria, que tinha na frente uma loja, passou a vender também os pastéis de Belém. Foi mais uma questão de oportunidade", recorda Miguel Clarinha, o mais novo descendente do clã que orquestra os destinos dos pastéis de Belém há cinco gerações.
GANHAR FAMA
Ex-líbris do bairro que mais emblemas ofereceu à capital, os pastéis eram, porém, uma iguaria dos "arrabaldes", numa época em que Belém não pertencia à cidade. "Belém estava muito longe ainda da capital, isolada, e enquanto essa realidade se manteve os pastéis eram apenas conhecidos pelas pessoas da zona. Só quando a cidade começou a ligar-se a Belém por via do eléctrico e dos barcos a vapor é que a sua fama se estendeu aos alfacinhas", conta Miguel.
No início do século XX, com o aumento do poder de compra, popularizou-se o hábito de ir a Belém conhecer os seus monumentos, usufruir dos seus bons ares e comer um pastel. Começaram as primeiras romarias. Mais tarde, a partir dos anos 60, quando Lisboa passou a figurar nos roteiros turísticos internacionais, a fama galgou fronteiras com a mesma rapidez com que os mestres pasteleiros da fábrica retiram hoje do forno fornadas e fornadas de pastéis. Vinte mil por dia, apesar da crise. Mas à época, tal como agora, a localização, no centro de um bonito e histórico bairro, tornou-se privilégio para atrair os gulosos de todos os pontos do mapa do Mundo.
NEGÓCIO FAMILIAR
Do destino de Domingos Rafael Alves sabe-se apenas que, pouco depois, deixou o negócio. A história não reza dos donos que se lhe seguiram e dá um salto até aos anos 40, altura em que Leonilde Clarinha herda o negócio do sogro e passa a geri-lo com o marido.
É ainda no escritório que outrora foi a sala de estar de Dona Leonilde, no primeiro piso do bonito edifício de azulejaria azul, que se desfiam as histórias da fábrica que são também as do clã. As rédeas do futuro cabem agora nas mãos de Miguel, 30 anos, licenciado em marketing e publicidade, e uma prima, Penélope Clarinha, que "ainda está a aprender".
A maioria são doces, mas algumas têm travo a ficção científica. Como aquele dia em que Pedro Clarinha, pai de Miguel, escorraçou um grupo de chineses que se tinham apresentado como uma equipa de repórteres da China, mas que eram afinal espiões industriais. "Como sempre fazemos quando nos pedem reportagens, levámo--los à fábrica. Quando o meu pai virou as costas já estava um deles com seringas e tubos de ensaio e tirar uma amostra de um pastel", conta. Não foi simpática a saída dos chineses pela porta fora.
Assim, o apregoado segredo da receita continuará bem guardado. De todas as formas. Apenas cinco pessoas o conhecem. Três mestres no activo, um antigo mestre já reformado e o pai de Miguel. O segredo só é passado quando um funcionário demonstra ser digno de total confiança, geralmente ao fim de várias décadas de ligação à casa e após assinar um contrato que sela o sigilo. Por ser tão precioso, os seus detentores nunca viajam juntos, por exemplo, apesar da fórmula estar patenteada, escrita e guardada em "lugar seguro".
Como os tempos mudam, também alguns detalhes da receita alteraram-se: "Houve ingredientes e utensílios que deixaram de ser usados por questões de higiene e segurança alimentar", explica Miguel. Só não muda a vontade, que é sempre de comer e chorar por mais.
‘APP’ DE BELÉM
A fábrica emprega 150 pessoas para fazer os tais 20 mil pastéis por dia. Só o antigo doce conventual é responsável por uma facturação diária na ordem dos 21 mil euros. Um número que estagnou nos últimos três anos, "quando as pessoas tomaram consciência de que a crise era real". Mesmo assim, nunca há mãos a medir. Às vezes aparecem encomendas gigantescas, entre as cinco e as dez mil unidades, para grandes eventos. Ou então famosos cuja fama se cala perante o doce travo a canela.
"Às vezes só descobrimos que são famosos quando os vemos depois nas revistas, fotografados aqui dentro. Aconteceu com a Catherine Deneuve, que foi aqui apanhada pelos paparazzi. Mas nós não nos apercebemos de uns ou de outros. Mas quando vêm príncipes ou embaixadores árabes já é diferente, porque até a segurança vem um dia antes fazer uma verificação ao local", conta o mais jovem descendente dos Clarinha, que nunca foram dados às luzes da ribalta. Por isso é muito raro emprestarem a sua labiríntica sala com capacidade para 500 pessoas para eventos, filmes ou até publicidade. "A nossa publicidade é menos convencional: patrocinamos eventos, muitos deles de cariz social", confessa.
Um das iniciativas que assinalará o 175º aniversário é uma aplicação (‘App’) para smart-phone que dá acesso a um mapa interactivo de Belém e prova que a tradição pode ter os olhos no futuro.
VENDAS
Desde há três anos, o número de vendas diárias permanece nos vinte mil pastéis. A facturação diária desta fábrica que emprega 150 pessoas é de 21 mil euros.
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