Asno, jumento ou mesmo jegue. Outrora um bicho essencial no campo, hoje ameaça desaparecer de vez. Haverá futuro para ele?
O burro corre perigo de vida. Votado ao abandono pelos seus donos, o animal peludo, orelhudo e barrigudo, que presenciou o nascimento de Jesus Cristo e fez companhia a Sancho Pança nas aventuras de D. Quixote contra moinhos de vento, foi destronado pelo cavalo como meio de transporte. Nos campos, os tractores fazem o seu trabalho em menos de metade do tempo. Nos caminhos íngremes das falésias, o jipe movimenta-se com maior à-vontade. E até o cão o arredou no epíteto de ‘braço-direito’ do homem.
“O burro foi um escravo da humanidade. Uma besta sempre explorada e maltratada”, escreveu recentemente o jornal espanhol “El Pa-ís”. Os últimos recenseamentos da espécie asinina, em Portugal, dão conta de que entre 1940 e o fim do século XX, o número de burros baixou de 9000 para 4500. O envelhecimento da população rural, a emigração e o abandono das terras em muito contribuíram para este crescente desprezo pelo equídeo.
“Há 20 anos, o burro era essencial no mundo rural. Actualmente, ele é muito mal visto pela sociedade”, defende Miguel Nóvoa, um médico veterinário de 24 anos que tem feito uma série de pesquisas sobre a população asinina no Parque Natural do Douro Internacional, zona onde vivem os “burros de Miranda”. “As pessoas do campo preferem os cavalos e os póneis ao jumento. Mas espero que um dia eles voltem a estar na moda”, sublinha.
BURRO É ESPERTO
Henri-que Balsemão, 35 anos, proprietário da Herdade do Monte Velho, perto da praia da Carrapatei-ra, situada na Costa Vicentina, corrobora a ideia defendida pelo médico veterinário. “É muito difícil conseguir travar o desaparecimento deste animal”, lamenta o filho de Francisco Pinto Balsemão e herdeiro de um enorme império de comunicação social, que decidiu dedicar-se à preservação dos asnos.
Há cinco anos que o filho do fundador do “Expresso” e da “SIC” lida com o gado asinino. Chegou a ter 16 burros. Hoje a sua criação conta com nove exemplares. “Os trabalhadores rurais querem despachar-se dos burros, porque consideram que já não são úteis no campo.” Henrique Balsemão conhece casos de donos que castram os machos para que não possa haver reprodução. Não considera no entanto a extinção dos burros como algo de irreversível. “Há uma nova geração que tem apostado na sua criação.” É o seu caso. Balsemão organiza excursões de burro pela Carrapateira.
“Os miúdos adoram-nos e são eles que convencem os pais a fazer a viagem”, conta. E prossegue, enomerando as muitas vantagens deste bicho sobre o seu grande rival: “Ao contrário dos cavalos, que saltam quando se assustam, os burros param simplesmente no meio do caminho. Além disso, são muito mais dóceis e têm a audição, o olfacto e a visão mutíssimo mais desenvolvidos do que o cavalo. Para além disso, e ao contrário do que faz pressupor o nome e as conotações que ao mesmo é habitual se dar, eles são muitíssimo inteligentes.”
BURRO ANÃO
Na Ilha da Graciosa, no arquipélago dos Açores, há uma espécie única de asnos: os burros anões, que se encontram igualmente em perigo de extinção. Graça Mendonça, uma jovem estudante universitária que se apaixonou por este animal quando o pai lhe ofereceu uma “burrinha pequena e maltratada”, é das pessoas que mais tem alertado as pessoas graciosence (curiosamente também conhecidas como “burros”, num ‘dicionário’ que atribui alcunhas aos habitantes de cada uma das ilhas açorianas).
“Em tempos, o burro anão ajudava as pessoas no campo, carregando fardos pesados, durante 12 horas por dia.” Hoje este animal – com uma lista negra no dorso e um tamanho inferior ao habitual – foi substituído por maquinaria agrícola. “Nos últimos tempos, o perigo de extinção do burro anão aumentou porque as populações da Graciosa passaram a comprar o asno da ilha Terceira, que por ser um animal mais corpulento está associado a uma maior produtividade.”
Graça calcula que existam cerca de 30 burros anões na ilha, número que tem vindo a calcular com o tempo. Um terço deles vive na propriedade da família em Guadalupe, para fins diferentes daqueles que são usados nos campos de cultivo. “Quero sensibilizar as pessoas para que não considerem o burro apenas como animal de trabalho, mas também de estimação.” É por isso que há três anos a jovem organiza passeios turísticos em toda a ilha.
SEM IDENTIDADE
Quando Paulo Araújo, 44 anos, se tornou proprietário da reserva integrada no Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros, em 1997, os burros andavam pela rua da amargura. “Depois de os usarem durante uma vida inteira, as pessoas abandonavam-nos cruelmente, assim que ficavam mais velhos.” Um crime para este apaixonado dos equídeos, que em criança fazia ‘burricadas’, festas e passeios de burro, com os irmãos. Hoje no Parque há 31 burros.
“Já não considero que o burro esteja em extinção, embora os machos, que eram os mais utilizados para trabalhos pesados, estejam a desaparecer”, defende Paulo Araújo, sublinhando que o grande problema é que os burros em Portugal não têm estatuto de raça como, por exemplo, o cavalo lusitano. “Falta-lhes um Bilhete de Identidade”, defende. prosseguindo: "Em Espanha há quatro raças de asnos".
No Parque Natural, o gado asinino anda à solta nas pastagens. “Apesar de não ser muito exigente com o tipo de alimentação — pode comer forragens que outros animais desprezariam — o animal tem de estar obrigatoriamente de barriga cheia de comida e água. No Verão chega a beber 20 litros de água por dia.”
Ali, onde o céu e a terra quase se tocam, o burro é utilizado para fins recreativos e pedagógicos. “Ele é dócil e gosta da companhia das pessoas. ‘‘Paulo Araújo organiza passeios de burro pela serra, e promove a sua venda. “Só criamos burros por encomenda e não os vendemos ao desbarato, porque eles não são algo de descartável”, revela. O custo ronda os 800 euros, sendo o preço mais elevado quanto mais novo for o animal.
“Mas não há um valor fixo no mercado, porque infelizmente eles já não aparecem nas feiras.” Paulo quer remar contra a maré e “colocar os burros no mapa”. Ainda irá a tempo de contribuir para o salvamento da espécie?
BURRO NA ORALIDADE
“Burro velho não aprende línguas”
Pessoa que não tem hábitos desde pequena não os ganha em adulta.
“Prender (ou amarrar) o burro”
Amuar.
“Trabalhar como um burro”
Trabalhar muito.
“Vozes de burro não chegam ao céu”
Não se faz caso do que uma pessoa diz se se tem a opinião de que ela não é importante.
“Descer (ou cair) da burra”
Aceitar uma opinião.
“Burro de carga”
‘Moiro’ de trabalho.
“Cabeça de burro”
Pessoa estúpida
INGLÊS ACOLHE ANIMAIS EM PERIGO
Chama-se “Soup” (Sopa) e é um burro alegre e brincalhão. É um dos 15 que foram acolhidos por Peter Lander na sua quinta em Estômbar, Lagoa, denominada “Refúgio dos Burros”. Durante muito tempo, “Soup” esteve num estaleiro, em Portimão, onde passava mal, sendo o seu único alimento um balde de sopa — daí o seu nome actual. Nessa altura, tinha uma perna ferida e era arisco e medroso, mas, algum tempo depois de ter chegado ao “Refúgio”, o seu carácter mudou radicalmente. “Uma das características que mais aprecio nos burros é o facto de continuarem a gostar das pessoas, mesmo quando sofreram maus tratos”, afirmou Peter Lander, esclarecendo que “os burros recolhidos no ‘Refúgio’ têm histórias difíceis”. Todos eles foram animais de trabalho, que envelheceram ou ficaram feridos e que, por isso, deixaram de ter valor para os seus donos. Anti-gamente, quando os agricultores adquiriam um novo burro, o velho era deixado nos campos, para morrer. “Eram vistos como meras alfaias agrícolas. Mas isso está a mudar e, agora, há muita gente que se preocupa com eles”, frisa Peter Lander. Inglês de origem, mas tendo vivido como agricultor na Escócia, Peter Lander foi para o Algarve há 21 anos.
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