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Cirurgião brasileiro devolve face a polícia português

Quando Paulo Monteiro chega ao Aparthotel Mercure, em Botafogo, no Rio de Janeiro, os empregados fazem-lhe uma festa. O agente da PSP é mais do que um hóspede. Paulo costuma ficar ali instalado para recuperar das cirurgias plásticas a que é submetido na clínica Pitanguy, uma das mais conceituadas do Mundo e a única capaz de lhe reconstruir o rosto, desfeito quando foi atingido por uma peça de um comboio da CP. “Nos últimos dois anos fui operado 14 vezes.

13 de maio de 2007 às 00:00

Sempre que me tiram osso da costela para implantar na cara tenho muitas dores. Só consigo estar sentado e passo a maior parte da noite sem dormir, mesmo tomando os analgésicos mais fortes do mercado”, conta Paulo Monteiro, de 30 anos, à Domingo.

O céu da boca foi reconstruído com músculo do braço e a maçã do rosto, do lado esquerdo, feita com osso de costela. Já o maxilar do mesmo lado foi recriado a partir da cartilagem da orelha. No entanto, ainda há muito trabalho a fazer e Paulo vai precisar de uma grande dose de paciência. No início de Maio, os médicos da clínica brasileira vão-lhe colocar a cana do nariz. “Depois, têm de me levantar o olho porque o saco lacrimal está entupido, realizar estudos para me pôr próteses dentárias e melhorar o aspecto do lábio”, diz o agente da PSP, que na altura do acidente estava a trabalhar na esquadra de Chelas, em Lisboa.

No Brasil, Paulo Monteiro passa a maior parte do tempo no apartamento, um dos maiores do aparthotel, com uma sala, dois quartos, duas casas-de-banho e uma cozinha. Como é cliente habitual, a gerência faz-lhe um preço mais em conta. O polícia, natural de Canidelo, perto de Vila Nova de Gaia, nunca está sozinho. A mãe, Maria, ou a mulher, Paula, revezam-se nas temporadas passadas em Botafogo.

O computador portátil é o meio utilizado para comunicar com os amigos de Portugal. No ecrã do PC há um relógio analógico com a hora portuguesa. “Através de um programa na internet posso falar gratuitamente para a rede fixa. Ligo muito para a esquadra da Senhora da Hora, no Porto, para falar com os meus companheiros, principalmente o Josué Ribeiro, que entretanto se transferiram de Lisboa”, conta.

Paulo ainda conhece pouco do Rio de Janeiro. Só foi uma vez a Copacabana. “Vou ao supermercado das redondezas e à casa de outras famílias de emigrantes que conheci aqui. Convidam-me para ir lá jantar e, às vezes, até para cantar no karaoke”, diz Paulo, ao mesmo tempo que solta uma gargalhada. Em breve, dará um passeio maior. Os amigos emigrantes convenceram-no a ir a um almoço com a comunidade portuguesa no Rio de Janeiro, que se costuma realizar numa localidade do interior da cidade. “Vou porque além do convívio é uma forma de matar saudades do bacalhau cozido e das sardinhas assadas”, afirma.

Paulo perde-se por um bom prato de comida. No Aparthotel Mercure decidiu ensinar aos funcionários como se fazem as francesinhas, bacalhau à braz e arroz de cabidela. “Ainda na semana passada lhes dei a provar uma salada de frutas com vinho do Porto e eles adoraram”, diz.

Mas, quando se trata de futebol, o agente da PSP esquece as especialidades do Norte do País. Nessa altura, só tem olhos para a capital. Torce pelo Benfica e, tal como o pai, Amaro Monteiro, é sócio cativo e tenta vir a Lisboa o máximo de vezes para assistir aos encontros da equipa. A última partida que viu foi o Benfica-Paris Saint-Germain, jogo da Taça UEFA. No Brasil vê as partidas pela RTP Internacional ou ouve os relatos através de um programa de rádio on-line na internet. “O ano passado até fomos a Barcelona e, mesmo com a eliminação do Benfica na Liga dos Campeões, o Paulo gostou bastante da viagem”, lembra o pai, Amaro Monteiro.

Apesar do rosto precisar de mais operações nos próximos dois anos para ficar quase perfeito, o agente da PSP não tem vergonha de sair à rua. Em Canidelo, sua terra natal, gosta de passear com os três sobrinhos e com os amigos de infância. E também ajuda o pai, distribuidor de jornais. “Há pouco tempo fui operado a uma hérnia e como não podia trabalhar, o Paulo levantava-se às três da manhã para fazer o meu serviço”, lembra Amaro.

A mulher, Paula, está sempre ao lado dele. Casaram há quatro anos, pouco tempo depois do agente da PSP ter ficado desfigurado. “Casámos pelo registo civil na minha casa, em Canidelo. Os convidados eram só os nossos pais e padrinhos. Mas assim que estiver bom quero fazer uma lua-de-mel como deve ser”, afirma o jovem. “Ele está muito bem disposto. Os médicos disseram que a face vai ficar a 95 por cento, quando comparada antes do acidente, e isso é fantástico”, conclui o pai.

Paulo já só pensa no dia em ficará bom. No computador portátil guarda as fotografias do tempo em que o rosto estava perfeito. Revê-as vezes sem conta. “Mas também guardo as fotos depois das operações para observar a evolução”, conta. Outro dos sonhos de Paulo é voltar ao activo na profissão. Quer ficar uns meses na secretaria e depois volta às ruas. “O meu objectivo é voltar a prender ladrões.” Para matar saudades da acção que lhe aparecia pela frente nos bairros de Chelas, o agente passa horas a fio a jogar jogos de guerra.

Mas não é o perigo das ruas que o atormenta. Paulo sabe que tem de deitar para trás das costas o receio de andar novamente de comboio. Por isso, a CP propôs-lhe que em Junho, quando regressar do Brasil, dê um passeio. Aceitou. “Disse-lhes que tinha de ser uma viagem que valesse a pena. Parto do Porto para o Algarve e volto.”

No dia 6 de Janeiro de 2003, uma viagem de comboio da CP mudou a vida de Paulo Monteiro. Nesse dia, perto de Santarém, uma peça do freio de um comboio que passava, soltou-se e acertou no agente da PSP, que se encontrava a ler uma revista na carruagem de outro comboio. Como estava junto a uma janela foi atingido violentamente. Socorrido pelos bombeiros de Santarém foi submetido a uma intervenção cirúrgica que durou cinco horas. Quando se olhou pela primeira vez ao espelho, dias depois do acidente, desmaiou. Em 2005, foi para o Brasil e a CP paga-lhe todos os tratamentos, que custam cerca de dez mil euros mensais. O agente da PSP tem ainda direito a uma bolsa para despesas correntes, enquanto está no estrangeiro.

O cirurgião plástico Ivo Pitanguy, de 81 anos, é o coordenador de todas as operações que Paulo Monteiro está a fazer no Brasil. É ainda professor na escola de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e escreveu artigos que revolucionaram as cirurgias plásticas no Mundo, com novas técnicas nunca antes utilizadas.

Fundada em 1963, a clínica Pitanguy é uma referência mundial na especialidade e recebe pacientes de todo o Mundo. A clínica é composta por dois edifícios. Um deles é uma casa do século XIX, estilo clássico, adaptada para consultórios, onde o paciente é recebido por secretárias poliglotas.

O centro hospitalar localiza-se no prédio ao lado e oferece todas as facilidades de um moderno centro cirúrgico: quatro salas de cirurgia equipadas e planeadas para a segurança e conforto dos pacientes, sala de terapia intensiva de recuperação pós-anestésica e seis salas para atendimento ambulatório e check up pré-operatório completo.

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