Poeta avesso às luzes da ribalta centrou a sua obra na “Fêmea-Mãe”.
Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira (1930-2015) já foi considerado o maior poeta português da segunda metade do século XX. Colocou no centro da sua poesia e prosa poética a figura feminina – "Fêmea-Mãe", como ele próprio escreveu em ‘Os Passos em Volta’ -, a quem conferia uma dimensão fortemente erótica.
Madeirense do Funchal, fez o liceu em Lisboa e foi universitário em Coimbra. Regressou a Lisboa, onde trabalhou num banco e como angariador de publicidade antes de voltar à Madeira, onde foi meteorologista. De novo em Lisboa, em 1958 publicou o seu primeiro livro, ‘O Amor em Visita’, e emigrou clandestinamente, tendo vivido em França, na Bélgica e na Holanda. De volta a Portugal, guiou carrinhas-bibliotecas da Gulbenkian e trabalhou na rádio e na RTP, ao mesmo tempo que publicava, entre outros, ‘A Colher na Boca’ e ‘Poemacto’, além de colaborar na revista ‘Poesia Experimental’. O livro autobiográfico ‘Apresentação do Rosto’ foi apreendido pela censura. Em 1971 sofreu um grave acidente quando trabalhava na revista ‘Notícia’, em Angola. Em 1979 publicou um dos seus livros mais importantes, ‘Photomaton e Vox’. Nos anos seguintes ganhou fama de bicho do mato: recusou prémios e condecorações, deu poucas entrevistas, raramente se deixava fotografar. Os volumes da ‘Poesia Toda’ deram lugar aos ‘Poemas Completos’ no mesmo ano de ‘Morte Sem Mestre’ (2014). Morreu aos 84 anos, na sua casa em Cascais.
Do livro ‘Os Passos em Volta’, ed. Estampa
"Polícia
(…) Quando anoiteceu, saímos do bar e fomos a pé, protegidos, vigilantes, até ao meu quarto de Laeken. Contornámos tudo quanto nos parecia suspeito – um carro parado, um vulto vagaroso, as sombras. (...) Mas, depois, o quarto foi nosso. Annemarie despiu-se e deitou-se nua sobre o cobertor, enquanto eu procurava aquecer um pouco de água. Falámos longamente da chuva, do amor e das leis. Às duas horas da manhã viemos à janela e vimos dois guardas a passear na rua. Pareceu-me que olhavam a nossa janela. Sentíamos em nós um calor inconcebível. Éramos também os mais talentosos libertinos deste mundo. Annemarie puxou-me para dentro e amámo-nos sobre o cobertor até de manhã."
"Vida e obra de um poeta
Outro princípio central da minha poesia – o da Fêmea-Mãe – foi descoberto, pensado, vivido e organizado na mesma retrete. Em certas noites, antes de ir para lá, dava uma volta por Pigalle e contemplava os retratos nas casas de ‘strip-tease’. O meu corpo enchia-se do corpo das mulheres nuas. Admirava nisso tudo um feito de Deus, e o vício (como dizem) era um rito, uma alusão que se me oferecia para eu chegar ao conhecimento de uma verdade complicada. Está visto que todas as prostitutas de Pigalle eram minhas mães; a sua carne, carne-mãe imensa, oculta, tenebrosa, pura."
"Duas pessoas
(...) Está ainda nua. Os joelhos, os seios, os ombros, os sombrios olhos estúpidos – são realmente belos. (…) Digo: queres um cigarro? Ela abana negativamente a cabeça. E o tal cabelo mexe-se de cá para lá sob a luz, escorrega por cima dos ombros. Ela passa as mãos devagar, as mãos espalmadas, por sobre o tal cabelo, que brilha sombriamente na luz. Levanta-se, nua, com o tal cabelo muito caído pelas costas, pelos ombros, e o sapato (...) na ponta dos dedos."
Do livro ‘Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica’, ed. Ponto de Fuga
"Ciclo
(…)Vindes na simples harmonia da fome
e da mesa
com vossos gestos sexuais de uma graça infantil,
com vosso puro impudor
e a generosidade ingénua do pecado.
Eu canto as vossas coxas verdes, o antigo turbilhonar do instinto
que castamente transportais como um depósito
no sacrário do sexo,
canto o vosso ventre diurno,
a infinita inocência da vossa entrega milagrosa.
Humildemente teço minhas palavras gratas
sobre a bela ferocidade
da vossa carne, ergo minha taça,
oiço o rumorejar oculto da fonte.
Humildemente dissipo a solidão, aceito vosso apelo de esperma, mereço a poesia.
Humildemente repudio a morte."
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