"Catorze horas debaixo de fogo intenso, sem sabermos bem o que havíamos de fazer. Foi o nosso batismo de guerra."
Nome: Daniel Alves
Comissão: Moçambique 1970-1972
Força: Companhia de Cavalaria 2750 – batalhão 2923
* Info: Casado, quatro netos
Fui para a tropa em Outubro de 1969 e colocaram-me em Elvas para fazer a recruta. No ano seguinte passei para o Regimento de Transmissões do Porto, onde tirei o curso de transmissões de cavalaria e a seguir fui para a base de Santa Margarida, para formar batalhão. Embarquei para Moçambique no dia 5 de agosto de 1970, no navio ‘Pátria’. Cheguei a Moçambique no dia 24 de agosto de 1970 e ficámos em Lourenço Marques [atual Maputo], até que depois seguimos viagem para Mataca.
No dia 2 de setembro de 1970, o batalhão chegou a Macomia e, logo nesse mesmo dia, pelas 16h00, sofremos uma emboscada que durou até às cinco da manhã do dia seguinte. Catorze horas sob fogo intenso, sem sabermos muito bem o que havíamos de fazer, pois tínhamos acabado de chegar. Havia homens a chorar agarrados à arma. Foi assim o nosso batismo de guerra. Felizmente, só houve um ferido dos nossos.
Houve momentos muito complicados mas este foi talvez o pior, porque não estávamos preparados para o que nos esperava no teatro de operações. Começa-se a pensar em tudo. A achar que não vamos voltar. Para mim foi especialmente doloroso, pois já era casado e tinha um filho de ano e meio. Às tantas, tive de deixar de pensar muito neles para sobreviver mentalmente. Foram 28 meses longe da família.
Cabo Delgado era a zona mais pesada da guerra em Moçambique. Eu era telegrafista e passava noites inteiras agarrado ao posto de rádio no quartel, quase sem condições, às vezes nem sequer tinha luz. Mas também fazia muitas operações militares. Tivemos várias emboscadas na picada, puseram-nos uma bomba (das nossas) no caminho, mas felizmente não rebentou. Na picada dormíamos no chão, em cima da carrinha, e ouvíamos os leões à noite. Cheirava-lhes a comida e só não atacavam porque éramos muitos.
Uma das piores operações foi em Quiterajo. Andámos dez dias no mato à procura de sanzalas para as destruir. Isto fica tudo cá dentro. Nunca nos sai da cabeça.
As operações militares eram em sítios difíceis, atravessámos rios com água pelo pescoço, andámos a subir montanhas 24 horas sem parar. Era tudo muito duro. Mas não perdi nenhum companheiro. Felizmente, éramos uma companhia muito disciplinada. O nosso primeiro capitão, o que saiu daqui connosco, foi o primeiro a abandonar o barco. Estava sempre doente e veio logo para Lisboa. Felizmente, o capitão que lhe sucedeu – capitão Lima - era um homem com ‘H’ grande e esse deu-nos confiança para tudo. Foi um comandante excecional. Nunca mais o esqueço. Nós, os camaradas de batalhão, temo-nos encontrado todos os anos, mas ele tem estado doente e ainda não tive oportunidade de o rever.
Tive a sorte de ter também um bom irmão, que era furriel em Lisboa, e ao fim de um ano pagou-me as passagens. Vim de férias um mês e pouco, ver a família toda. O pior foi regressar outra vez. Para esquecer jogávamos às cartas e à bola.
No dia 16 de fevereiro de 1972 acabou a comissão na zona de guerra e viemos para o descanso em Tacuane, na Zambézia. Fomos guardar uma quinta de chá de uns ingleses. Passados uns dias tive uma chamada para me apresentar em Mocuva para ir jogar à bola pela equipa da cidade. A partir desse dia deixei quase de ser militar para passar a ser jogador de futebol, coisa que aliás já era em Lisboa: jogava pelo Olivais e Moscavide. Lá tive todos os benefícios de um jogador. Ganhámos os jogos todos, fomos campeões, mas roubaram-nos o título na secretaria porque disseram que éramos jogadores da metrópole e que as transferências tinham desaparecido.
Nessa altura conheci Quelimane, a cidade mais bonita do Mundo, com muito boa gente. Os últimos seis meses foram agradáveis. Por isso é que eu digo que, para mim, a guerra teve coisas boas e coisas más.
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