Em nome dos bons resultados escolares, aumentam as famílias que preferem o ensino diferenciado. Em Portugal como lá fora
Bruno Morales chegou ao Planalto, em Lisboa - um colégio só para rapazes - por "decisão dos pais" e empurrado por uma situação de bullying. Já para a família de Ana Muller, 15 anos, só um colégio feminino, como o Mira-Rio, também na capital, reunia os "requisitos necessários" para a sua educação católica. Separar os géneros nos bancos da escola voltou a estar na moda. Um retrocesso no tempo em nome dos bons resultados escolares, que atrai cada vez mais pais: os seis colégios de educação diferenciada em Portugal figuram nos lugares cimeiros dos rankings e têm cada vez mais inscrições, apesar da crise. Lá fora, Alemanha e EUA estão a reimplantar o sistema em algumas escolas públicas.
A notícia não surpreende o coronel José Serra, atual diretor do Instituto de Odivelas (IO). "Atrasámo-nos tanto que acabámos por ficar com o passo certo", reconhece. Nas paredes seculares do antigo convento, a alegria do riso das alunas fardadas ouve-se nos corredores ao intervalo. Na escola militar procura-se a excelência também no feminino: há aulas de culinária e puericultura, mas também treino militar (em regime opcional), drama, equitação e ginástica. E baloiços, ao intervalo. O bom comportamento é medalhado, o mau merece "má nota na avaliação de procedimento". As mais velhas são chefes de mesa e de grupo. E há "competitividade entre elas, igualdade nas roupas e nas regras". As inscrições aumentam a cada ano.
Criado para as filhas dos militares deslocados, atualmente só metade das alunas do IO é interna. Todavia, o paradigma tende a mudar: "Agora as famílias estão onde há trabalho e isso aumenta a procura dos internatos. Outro motor da mudança é o divórcio, que leva a procurar no colégio uma solução de estabilidade", diz o coronel José Serra.
ESTEREÓTIPOS É LÁ FORA
No gabinete de António Sarmento, diretor do Colégio Planalto, uma folha de caderno A4 com uma caricatura do próprio num placard pendurado atrás da sua secretária salta à vista. Por baixo lê-se ‘Super Diretor'. Ao lado da mesa há uma caixa de rebuçados, que não serão para adoçar conversas sobre problemas de disciplina, pois ali esses praticamente não existem.
"A educação mista tem trazido sérias consequências para os rapazes, que nem sempre são entendidos na sua agitação, irreverência e maior tendência para a desatenção, num sistema de ensino onde a maioria dos professores são mulheres. É por isso que as universidades estão cheias de raparigas. Rapazes são rapazes, mas não precisam de ser medicados com ritalina para serem educados!", adverte o diretor. Existem é estratégias de ensino próprias. "Os manuais, que são feitos por nós, têm menos gravuras. Os rapazes precisam de ordens específicas: por exemplo, de quando tempo dispõem para resolver um determinado problema."
Em ambiente exclusivamente masculino - no Planalto nem sequer há funcionárias -, eles sentem-se também mais à vontade para dar largas à sua criatividade. "É mais fácil manifestarem-se artisticamente, por exemplo. Convenhamos que, por mais que eles gostem de teatro ou poesia, ficam envergonhados a declamar à frente das raparigas. Já em colégios só de raparigas, elas praticam mais desportos ditos masculinos. O peso dos estereótipos é menor", exemplifica o diretor do colégio frequentado por cerca de 600 alunos. O seu congénere feminino, o Mira-Rio, tem o mesmo número de alunas.
Impelidos por estudos recentes sobre estas alegadas diferenças, os EUA voltaram a autorizar a separação de sexos nas escolas públicas no ano de 2002. Desde então, 500 já o (re)implantaram. Na Carolina do Sul, um dos estados norte-americanos mais conservadores, cerca de metade das escolas públicas aderiu à velha novidade. Na Europa, Berlim indicou recentemente que 150 escolas públicas criassem turmas separadas. No país vizinho, Espanha, existem mais de 200 escolas diferenciadas, todas privadas.
Segundo um estudo levado a cabo pela ESSAE - Associação Europeia de Centros de Educação Diferenciada, a fórmula persiste ou foi retomada em 120 países do Mundo (ensino público e privado), em 24 mil escolas e abrange cerca de 46 milhões de alunos. Em Portugal, frequentam este tipo de ensino cerca de 1600 alunos, entre os quatro colégios da Cooperativa Fomento ligada à Opus Dei (Colégios Planalto, Cedros, Horizonte e Mira-Rio) e dois militares: o Instituto de Odivelas, para raparigas, e o Colégio Militar, para rapazes.
"NÃO FICAM ESQUISITOS"
Os pressupostos assentam também nos "diferentes ritmos de aprendizagem e de maturidade que distinguem rapazes e raparigas", conforme afirma Margarida Garcia dos Santos, atual presidente da Associação Europeia para a Educação Diferenciada, mãe de quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas que sempre andaram no ensino diferenciado.
Margarida nunca se arrependeu da escolha. "Este é um tipo de ensino que se adapta a uns e a outros e não exclui ninguém. Elas aproveitam mais num ambiente em que o estudo é o mais importante. Já eles, os rapazes, não ficam esquisitos, como as pessoas se questionam! O meu mais novo já namorou para aí metade da turma feminina do 10º do Mira-Rio", afirma, sorridente, em jeito de prova.
Depois, exalta uma evidência: "A maioria das relações afetivas significantes em matéria de namoro e de futuro só são construídas na faculdade." Além disso, muitas das atividades extracurriculares dos petizes são feitas fora do colégio, em ambiente misto. "É separar as águas: a escola serve para estudar, a sua missão não é a socialização", acrescenta.
FUGIR À INDISCIPLINA
Bruno Morales, 16 anos, reconhece isso mesmo: "Aqui o ambiente é de estudo, há ambições." Bruno era aluno de 4 e 5, mas foi descendo progressivamente de notas e acusando a pressão dos pares na instituição pública que frequentou até aos 14 anos e onde "não era feliz". Os pais de Bruno, menino tímido e exímio pianista, aperceberam-se. "Sempre fui defensora da escola pública, mas misturam-se bons e maus, pessoas motivadas e problemáticas. Por causa disso, o Bruno estava a ser vítima de bullying", afirma a mãe, a empresária Margarida Morales.
Já Anabela Gomes, mãe de Francisco Pereira, tem a sua própria experiência para contar: "Andei num colégio só de raparigas, onde não podíamos, por exemplo, andar de calças." Escolher o mesmo para o filho passou, sobretudo, pela aposta na estabilidade: "Não gosto muito de mudanças e escolhi uma escola onde ele pudesse entrar com três anos e sair com 18. Mas a ele coube, recentemente, a escolha de ficar."
MENINO NÃO ENTRA
Nos pátios interiores do colégio feminino Mira-Rio, na zona de vivendas do Restelo, saltam à vista os novelos de raparigas em torno de uma guitarra acústica, as ‘macacas' desenhadas a tinta no chão, a cumplicidade com as professoras - só mulheres -, mesmo à hora do almoço.
Cada aluna tem um acompanhamento personalizado por parte de uma professora em particular, que assume a figura de percetora. "Com as percetoras conversamos tudo, são as nossas cúmplices, as melhores amigas", diz Rita Albergaria, aluna do 11º ano do Mira-Rio, média de 16.
Mas uma vaga numa escola líder em resultados paga-se caro. O investimento das famílias é "enorme", conforme reconhece Cláudia Muller, jurista, mãe de cinco filhos, quatro a frequentar o Planalto ou o Mira-Rio. São mais de dois mil euros em mensalidades, custos só suportáveis com a "grande ajuda" dos avós. "É uma aposta sólida, porque os princípios que são ensinados em casa, como a importância do trabalho de equipa, dos resultados ou a religião, são também trabalhados na escola", justifica.
Quem não se convence é a professora de História do Liceu Passos Manuel, em Lisboa, Cecília Cunha, que também frequentou aquele estabelecimento como aluna, antes do 25 de Abril chegar e, com ele, as turmas mistas . "Diferenças? Claro que há. Mas trabalham-se. Rapazes e raparigas são solidários e tendem a não deixar ficar ninguém para trás. Como vivi os dois registos, não vejo vantagem nenhuma. Assim que se deu o 25 de Abril e as turmas passaram a ser mistas, logo se colocaram as questões da sexualidade, mas então, aí sim, o liceu passou a ser uma escola de vida."
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