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Mihail Codja: O sequestro no Pinhal Novo

País não esquecerá moldavo que se barricou num restaurante em 2013.

29 de março de 2015 às 11:00

cidadão moldavo que havia servido o exército russo e que, com o desmoronamento da então URSS, emigrou para Portugal, onde passou a viver. Encontrou trabalho na construção civil, sendo que terá trabalhado para o dono do restaurante O Refúgio, Gaspar Veloso.

Este, além deste negócio de restauração no Pinhal Novo, era também proprietário de uma pequena empresa ligada à construção civil, empresa para a qual Codja terá alegadamente realizado alguns trabalhos.

A vida do moldavo em Portugal foi-se deteriorando: algumas das pessoas para quem trabalhou ficaram a dever-lhe dinheiro; várias relações amorosas terminaram de forma conflituosa. O principal problema foi, porém, uma questão de saúde. Uma doença do foro oncológico retirou-lhe a esperança de vida, fazendo com que o sentimento de revolta tomasse conta da sua mente.

Codja foi perdendo capacidades físicas, foi ficando progressivamente impossibilitado de trabalhar e, consequentemente, de angariar a subsistência, uma situação que o atirou para um nível próximo da indigência.

A partir de determinado momento passou mesmo a viver dentro de um veículo automóvel. Era ali a sua casa. A sua situação pessoal foi-se agravando, ao mesmo tempo que a saúde. Mihail necessitava de medicação, de acompanhamento médico e pessoal, e não tinha nada disso. Não dispunha de recursos financeiros, nem para as consultas médicas necessárias, nem para comprar os medicamentos que tornariam o seu tempo menos doloroso. Por outras palavras, estava sozinho no mundo, não tendo sequer alguém com quem compartilhar o difícil momento que estava a viver. 

No dia 23 de novembro de 2013, cerca das 22h15, chegou a informação ao posto da GNR do Pinhal Novo de que um indivíduo se encontrava a provocar desacatos no interior do restaurante O Refúgio, naquela freguesia do concelho de Palmela. Os agentes do posto contactaram os elementos que estavam na patrulha, tendo-os enviado para o local, no sentido de apurarem o que se passava. A patrulha era constituída por dois elementos, sendo um deles o guarda Bruno Chainho.

TENSÃO NO RESTAURANTE

Assim que chegaram ao local, e quando se aproximavam da entrada do referido restaurante, os agentes cruzaram-se com duas mulheres que tentavam sair do mesmo numa corrida desenfreada, rumo ao exterior e num estado de pânico absoluto. Eram a esposa e a filha do dono do restaurante. Ao ver aquelas duas mulheres a correr naquele estado, o guarda Bruno

Chainho puxou-as imediatamente para fora do restaurante, conseguindo retirá-las do local.De seguida, e com cuidado, entrou no estabelecimento no sentido de se aperceber do que se estava a passar. Mas poucos segundos depois de ter entrado no restaurante, ouviu-se um disparo. O militar da GNR foi atingido, caindo de imediato, inanimado.

O outro elemento da patrulha tratou de colocar as duas mulheres em segurança, tendo de seguida tentado prestar assistência ao camarada, que estava caído no chão, completamente imóvel, a sangrar.

Fez um disparo de advertência para uma zona livre do interior do estabelecimento e, de seguida, efetuou ainda mais dois disparos, estes já na direção do local onde o suspeito se encontrava. Imediatamente, o suspeito ripostou, efetuando vários disparos na direção do local onde se encontrava o militar da GNR. Demonstrou assim que tinha ao seu dispor um grande poder de fogo, superior mesmo ao do militar, facto que fez com este fosse obrigado a recuar para melhor se proteger.

Nos momentos seguintes, foi possível ao agente observar que Mihail Codja trazia, colocados à cintura, diversos engenhos explosivos, tendo mesmo chegado a deflagrar um desses engenhos junto do militar que se encontrava prostrado no solo, depois de ter sido atingido por um disparo na cabeça.

Entretanto, a mulher que havia conseguido escapar com a filha para o exterior do restaurante contava aos elementos da GNR que Mihail Codja havia entrado no seu restaurante cerca das 21h00. Que foi fazendo consumo no estabelecimento, à espera de que todos os clientes saíssem. Os últimos a sair foram um casal que entrou no restaurante cerca das 22h00 e que queria comer carne grelhada. Não foi possível satisfazer o pedido àquela hora, pelo que o casal se retirou de imediato, abandonando o restaurante.

A partir desse momento ficaram apenas no interior do restaurante os proprietários e os dois filhos. Foi então que Mihail Codja, depois de verificar que já não havia mais ninguém no estabelecimento, sacou de uma pistola e obrigou toda a família a ir para trás do balcão.

Naquele momento de elevada tensão, a proprietária do restaurante sentiu-se mal, tendo caído. A filha baixou-se para a ajudar. Contaram que, quando sacou da pistola, Mihail Codja mostrou-lhes um cinto que tinha à cintura onde tinha várias granadas douradas e um engenho que dizia ser uma bomba artesanal. Ordenou-lhes que atassem as mãos dos dois homens com braçadeiras de plástico brancas, ordem que tentaram cumprir.

TINHA LEUCEMIA

Seguiram-se momentos de elevada

tensão e do mais completo terror, nomeadamente quando Codja desenroscou uma granada, afirmando que iriam morrer todos no interior do restaurante. Dizia que não tinha nada a perder, pois os médicos davam-lhe, no máximo, mais um ano de vida. Tinha leucemia. Ainda assim, e apesar do grande perigo que corriam, os sequestrados aproveitaram um momento de distração e conseguiram ligar para o 112 a pedir socorro.

Quando a GNR chegou e bateu à porta – que Mihail Codja havia fechado –, a mulher do proprietário sugeriu ir até à entrada para dizer que estava tudo bem, de forma a que os militares da GNR se fossem embora. Mihail Codja concordou, ameaçando-a que não tentasse nenhum truque, já que isso seria pior para todos. Como estava atada ao pulso da filha, foram as duas à porta, mas quando a abriram não resistiram. Correram para o exterior em pânico, sendo então auxiliadas pelo militar da GNR Bruno Chainho, que pouco depois seria atingido a tiro.

Entretanto, Mihail Codja tinha sacado uma granada do cinto, fazendo menção de a rebentar. Assustado, e em defesa da própria vida, o proprietário do restaurante agarrou-se a ele e conseguiu tirar--lhe a granada. De seguida, juntamente com o filho, correu para a rua. Gaspar Veloso trazia na mão o engenho explosivo tirado ao sequestrador e arremessou-o para a rua, onde explodiu sem causar quaisquer danos.

Entretanto, e já depois da chegada de mais elementos da GNR, Mihail Codja arremessou para o exterior outro engenho explosivo, que veio a cair junto dos militares e que culminou numa violenta explosão, provocando ferimentos em cinco agentes, que tiveram de ser de imediato transportados de urgência pelo INEM para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal.

Devido à situação criada, que era complexa, principalmente dado o facto de o suspeito estar fortemente armado, foi ativado o alerta de crise – denominado de incidente tático policial – que implica a ativação de vários procedimentos habituais nestas ocasiões. Foram também alocados todos os recursos disponíveis, a fim de dirimir o incidente. Para o local foi até encaminhada uma equipa de negociadores, para tentar a rendição de Mihail Codja.

Naquele momento, apesar de a situação continuar crítica, estava mais ou menos controlada. Já não havia qualquer refém no interior do restaurante, encontrando-se apenas dentro do estabelecimento o sequestrador, barricado. Era uma questão de tempo até que tudo estivesse terminado e que Codja se rendesse, resolvendo o conflito com o mínimo de custos possíveis. A prioridade era que não fossem colocadas em perigo quaisquer vidas – nem a do próprio Mihail Codja.

Infelizmente, esse objetivo ficou por cumprir. As negociações arrastaram-se durante cerca de seis penosas horas, sem que existisse qualquer avanço aparente. O sequestrador não manifestava o mais pequeno indício de poder vir a entregar-se às autoridades e assim resolver o impasse de forma pacífica. Pelo contrário, com o passar do tempo, Codja parecia estar cada vez mais determinado em não se render e o seu comportamento era cada vez mais violento. A certa altura, por volta das 05h00 do dia 24 de novembro de 2013, arremessou para o exterior do restaurante um novo engenho explosivo. Este deflagrou junto de duas viaturas policiais que se encontravam parqueadas no exterior do restaurante, e danificou-as profundamente, inviabilizando o seu uso futuro.

HORA DE AVANÇAR

Nesse momento, o Comando das operações entendeu que estavam esgotadas todas as possibilidades de uma resolução pacífica para a situação. Era tempo de render a Equipa de Negociadores e de fazer avançar o Grupo de Intervenção de Operações Especiais, que foi chamado a atuar pelas 05h15 do mesmo dia 24 de novembro de 2013.

No seguimento de uma entrada tática no restaurante O Refúgio, o grupo deparou-se com uma violenta resistência por parte do suspeito, que recebeu os elementos da GNR a tiro. Os militares responderam também de forma violenta, acabando por neutralizar Mihail Codja, que foi morto no local no decurso da intervenção. As equipas do INEM ainda efetuaram as manobras de reanimação necessárias, tentando salvar a vida ao sequestrador, mas apesar de tudo ter sido tentado, Mihail Codja, de 59 anos, estava morto.

Assim como a sua única vítima, o militar da GNR Bruno Chainho, de 31. O médico de serviço declarou o óbito do moldavo que semeou o terror numa noite que o País não vai esquecer, e do herói português que deu a sua vida para salvar a dos outros.

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