‘Meia-noite em Paris'. Woody Allen regressa com um filme sobre regressos ao passado. Um desejo que serve tanto o enredo como o próprio Allen
Woody Allen tem um traço que o distingue de todos os outros. Entre-se na sala com o filme a meio, ou vejam-se apenas os créditos finais, reconhece-se o seu trabalho. É um autor. Tal como os irmãos Marx testavam primeiro os seus números ao vivo em teatros, Allen teve uma intensa experiência de escrita televisiva prévia à sua carreira de cineasta, o que lhe permitiu exercitar-se, esgrimir um estilo, errar sem complexos.
Alguns dos denominadores comuns das suas longas-metragens passam pela magra margem para a contemplação, pelo desfilar de números e caricaturas como na revista e no Vaudeville, pelos ingredientes clássicos de cinema como enredo e ritmo, pela expressão preferencial através das palavras (mais do que imagens), pela destreza na escrita humorística, sobretudo nos diálogos. Depois, há aquela benevolência que o realizador sempre procura no público.
Allen usa o cinema como um confessionário, na esperança de que a audiência o perdoe. Humaniza todos os pecados, desde dúvidas a incertezas, mesquinhez, neurose, narcisismo. Consegue sempre manipular o público de forma a que o protagonista que transgride – na realidade ou na fantasia – seja não apenas absolvido, como o preferido.
Todos juntos, os seus filmes formam uma auto-ficto-biografia contínua, alternando a presença física de Woody com a presença fantasmática das suas palavras repetidas por outros actores. O resultado é paradoxal, pois acaba por se tornar difícil conhecer a máscara atrás das máscaras. Pacato ou perverso? Senil ou dotado de uma renovada graça? Hilariante ou de um humor repetitivo e estafado?
CONTRASTES
‘Meia-noite em Paris’ é um bom exemplo dessas antinomias. Aliás, a sua popularidade, depois das tragédias ‘Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos’ e ‘Tudo Pode Dar Certo, revela-o. Neste último trabalho, Allen tanto parece repetir-se, relativamente ao ‘Rosa Púrpura do Cairo’, ‘Balas sobre a Broadway’ ou ao seu conto ‘The Kugelmass Episode’, como parece troçar de si próprio, da sua obsessão pelo passado, o seu pró-europeísmo, o seu romantismo insaciável, a sua obsessão pelos triângulos amorosos ou por Paris, com os seus quiosques, cafés e tom boémio à grande.
Exacto. ‘Meia-noite em Paris’ é mesmo mais um filme de Woody Allen, daqueles que faz com que muitos fãs sintam nostalgia pelos seus primeiros trabalhos, esses sim, tidos como originais. Mas se esta longa-metragem pergunta em que época gostaríamos de viver (para a maioria das pessoas será a que antecede o seu nascimento), essa melancolia pelo início da carreira cinematográfica de Allen só aproxima quem a cultiva do realizador. E também gostaria de regressar ao seu passado.
RESUMO
Um argumentista de cinema com pretensões a escritor viaja para Paris com a noiva e os pais dela. Descobre uma forma de regressar ao passado e conhecer os seus ídolos literários.
Realizador: Woody Allen
Intérpretes: Owen Wilson, Rachel McAdams e Kathy Bates
CINEMA: ‘A AUTOBIOGRAFIA DE NICOLAE CEAUSESCU’
Eis um filme rigoroso e meticuloso sobre a ascensão e queda de um ditador, a passagem da realidade à megalomania, do foco à desproporção e elefantíase. Tudo através da compilação de milhares de horas de imagens oficias. É obra.
Resumo: O filme usa as imagens reais que Nicolae Ceausescu, antigo presidente da Roménia, mandou filmar enquanto era o rosto do regime comunista .
Título original: ‘Autobiografia lui Nicolae Ceausescu’, de Andrei Ujica
CINEMA: ‘VÉNUS NEGRA’
Trata-se da história de uma mulher da tribo khoikhoi que foi exibida nos salões europeus e usada para legitimar o racismo e a escravatura. Ou seja, trata-se da brutalidade e da barbárie entre nós, desde a velha e nova violência ao antigo e actual voyeurismo.
Resumo: Baseado numa história verídica, o filme narra o percurso de uma mulher africana, levada para a Europa para ser exibida como uma criatura exótica no início do século XIX
Título original: ‘Venus Noire’, de Abdellatif Kechiche
Intérpretes: Yahima Torres, Andre Jacobs e Olivier Gourmet
CINEMA: ‘EU VI O DIABO’
Um psicopata perverso mata a namorada de um polícia que jura vingança. Os papéis invertem-se e o espectador passa o tempo a ver o diabo e o seu reflexo, que afinal existe, numa sucessão de cenas de horror disruptivo onde a moral foi a primeira vítima. Mas continua rainha no cinema ocidental.
Resumo: Filme de acção sul-coreano, cruza a história de um assassino violento com a do polícia que o persegue
Título original: ‘Akmareul Boatda’, de Jee-woon Kim
Intérpretes: Byung-hun Lee, Min-sik Choi e Gook-hwan Jeon
FUGIR DE...
SESSÕES ÚNICAS
Insuportável esta moda de exibir filmes num só dia. A coisa estreia e eclipsa-se na mesma data, género concerto. Já aconteceu, por exemplo, com Godard e Trier. Na semana passada "estreou" (tem mesmo que ser entre aspas) o filme de Cameron Crowe sobre os Pearl Jam. Alguns dirão que mais vale passar um dia do que nenhum. É. Mais vale um copo de água em três semanas do que morrer à sede.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.