Desde que foi criada, em 1903, apenas três portugueses conseguiram passar a meta em primeiro lugar e inscrever o seu lugar na história.
Aquela foi uma etapa especial para Portugal. A equipa de ciclismo do Sporting participava na 71ª Volta à França, de 1984. Joaquim Agostinho também deveria ter estado presente com a camisola verde e branca, não fosse o trágico acidente que sofreu no final do mês de Abril desse ano e que lhe provocou a morte. Naquele dia ameno de Julho, Paulo Ferreira cortou a meta em primeiro lugar, à frente de dois franceses. A vitória foi dedicada a Agostinho, 'o pai da equipa'.
Tinham passado apenas cinco quilómetros desde o início da 5ª etapa, que decorria entre Béthune, no Norte de França, e Cergy-Pontoise, perto de Paris. O pelotão ia em andamento moderado quando Paulo Ferreira decide atacar. 'Alguns começaram a assobiar. Mas havia uma contagem de montanha de quarta categoria à frente e eu pensei que, se a passasse em primeiro, pelo menos um ciclista português ganhava uma contagem.' Da parte da equipa técnica há alguma pressão para o conjunto português ganhar alguma coisa. Paulo Ferreira passa a contagem de montanha em primeiro, sozinho e já com algum avanço. 'Foi então que disse, ‘bom, o que é que eu vou fazer agora?!’ Ainda faltavam uns 200 quilómetros... Fui andando!'
Em breve o sportinguista iria ter a companhia de dois franceses também fugidos do pelotão: Vicent Barteau e Maurice Guilloux. 'Eles passaram por mim a uma velocidade tal que nem me ligaram nenhuma. Preparei-me e lancei-me no encalço deles.' Entretanto, surgem as metas volantes e 'na primeira eles sprintaram e ganharam algum avanço. Não me fiz a nada, não mostrei que era mais ou menos rápido, fechei-me em copas e só lhes disse que não precisavam de sprintar porque o meu objectivo era chegar ao fim e o terceiro lugar para um português já era muito bom.' Mas na cabeça de Paulo Ferreira o primeiro lugar já se afigura como um objectivo cada vez mais concretizável. 'Uma vez integrado na fuga, a ideia era chegar ao fim e se possível ganhar', conta o ex-ciclista.
Fugidos e chegando a ter vários minutos de avanço do pelotão, os dois franceses vão pressionando o português para ir para a frente puxar. ‘Allez, allez!’ diziam-me eles. Colaborei mas não dava aquilo que eles queriam!'. Do carro de apoio, o director desportivo, Artur Lopes, grita-lhe por vezes: 'Tens que ganhar, tens que ganhar!'
O fim da etapa é apenas à segunda passagem pela meta. E foi só depois de Paulo Ferreira passar a primeira vez a meta, faltando cerca de 5 quilómetros para o final, que os franceses começam a combinar táctica entre si. 'Eles mandaram-me para a frente para falar. Eu percebia um pouco de francês mas aí já não percebia nada do que falavam', relembra. Mas a sua intuição diz-lhe que Barteau, que era sprinter, quer ganhar a corrida.
Faltava um quilómetro para a meta quando Guillloux ataca e se posiciona na frente. O português segura-se e não se faz ao lance. Há que manter o plano até ao fim. Barteau ataca também e posiciona-se atrás do compatriota. E quando faltam cerca de 50 metros para a meta Paulo Ferreira, que seguia em terceiro, explode numa arrancada imparável e passa os dois franceses. 'A margem com que eu ganhei foi suficiente para ele [o segundo] baixar os braços antes de cortar a meta. Não teve hipótese!'
Paulo Ferreira tinha 25 anos quando cometeu o feito que até aí só Agostinho conseguira. E depois dele só Acácio da Silva, em 1987, voltou a vencer na prova rainha do ciclismo mundial. 'O Marco Chagas disse-me na altura que o que tinha acabado de fazer não estava ao alcance de muita gente e que ficava para toda a vida. Mas eu não tinha essa noção!'
Hoje é mecânico de automóveis e só pedala com os amigos por lazer. Um acidente no IC16, onde seguia na berma, de bicicleta, dois anos depois, obrigou-o a terminar a carreira prematuramente. Esteve muito tempo sem montar, mas agora, aos 47 anos, é na bicicleta que rejuvenesce. 'Em cima do selim sinto-me novamente com 20 anos!'
DO DRAGÕES DE POVOS ATÉ AO SPORTING
Paulo Ferreira desde cedo que se apaixonou pela bicicleta. Teve a primeira ('uma pasteleira com guiador de ciclismo') quando passou no exame da quarta classe e a partir daí nunca mais a largou. Em 78 foi correr como amador para os Dragões de Povos, de Vila Franca de Xira. Seguiram-se o Labrujeira e o Bombarral. Em 1984 o Sporting vai buscá-lo ao Lousa. Termina a carreira no Louletano, já depois do acidente.
"AGOSTINHO FOI O PAI DA EQUIPA"
Era a primeira vez que Paulo Ferreira participava na Volta à França. Tinha entrado em 1984 para o Sporting, na mesma altura que Joaquim Agostinho. E foi só por causa deste que a equipa leonina participou na maior prova do ciclismo mundial, segundo conta Paulo Ferreira. "Ele foi o pai da equipa e fazia-nos imensa falta. Faz ainda ao ciclismo..." Em 1987 o Sporting terminou com o ciclismo, que apenas este ano foi retomado.
NOTAS
PERCURSO
A etapa entre Béthune e Cergy-Pontoise tinha 207 quilómetros. No fim da prova daquele ano cada ciclista percorreu 4021 quilómetros.
FIGNON
O vencedor da 71.ª Volta à França foi o francês Laurent Fignon, que já tinha vencido a prova na edição anterior.
INÍCIO
O francês Maurice Garin foi o primeiro vencedor da mítica prova, em 1903, que só foi interrompida durante a I e a II guerras mundiais.
RECORD
A história da volta tem muitos recordes: Lance Armstrong tem o maior número de vitórias (7) e Eddy Merckx foi quem ganhou mais etapas (34).
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