Torneios e galas atraem cada vez mais adeptos de desportos de combate. Vão famílias inteiras puxar pelos seus atletas
O que me atrai ao ringue é a adrenalina. Comecei a fazer kick-boxing no ginásio há três anos e faço combates há um ano. Ainda não perdi nenhum." Margarida Câmara tem 37 anos e vem de Évora para participar na sexta edição da Gala ‘Heroes Night’, no pavilhão do Sport Lisboa e Olivais, na capital portuguesa. Defende as cores da equipa Stone Boys e tem como adversária Iris Pereira, da equipa FtxTeam Muay Thai, do Seixal. Jogam - é o verbo que os lutadores usam - na categoria Thai Boxing 58 kg. Na bancada, o marido e o filho de seis anos aplaudem a lutadora, que ganha ascendente desde o início do combate. As duas mulheres agarram-se muitas vezes, obrigando o árbitro a separá-las, mas é Margarida quem mais vezes consegue colocar socos e pontapés na adversária. Os três assaltos de dois minutos dão à atleta alentejana a sua sexta vitória consecutiva, atribuída aos pontos pelos juízes. O filho e o marido aplaudem sorridentes, mas não há muito tempo para celebrações. Mal as atletas deixam o ringue, logo dois outros jogadores se perfilam para a próxima batalha de punhos, pernas e joelhos.
A Gala ‘Heroes Night’, disputada a 30 de janeiro, é um dos primeiros eventos homologados pela Federação Portuguesa de Kickboxing e Muay Thai disputados em 2016. São 22 combates, que começam por volta das oito da noite e se estendem até às duas da madrugada. "Temos todo o tipo de combates, desde os miúdos que sobem pela primeira vez ao ringue aos profissionais. Há duelos de K1, Low Kick, Thai Boxing, Muay Thai. É uma boa oportunidade para mostrar que os desportos de combate chegam a cada vez mais pessoas, homens e mulheres, adultos e crianças." Miguel Santos, fundador do team que tem o seu nome, fala assim do torneio que organiza.
Claques familiares
São cerca de 300 os adeptos de desportos de combate que se espalham pelas cadeiras de plástico junto ao ringue ou pelas bancadas do pavilhão. Há muitas mulheres e crianças, percebe-se que são familiares ou amigos dos atletas que combatem nesta noite. Elas são particularmente entusiastas, torcem pelos seus com a energia que se costuma ver nas bancadas de um campo de futebol.
"Força Flávio, tu és melhor!" Rodeada da família, Vanessa Costa, de 27 anos, não consegue ficar sentada ao ver o marido, Flávio Costa a defrontar Yago Missa. É um dos combates mais emocionantes da noite. Yago entra com toda a energia e consegue atirar Flávio ao tapete no primeiro assalto. Este reage com determinação, aguenta o assédio do adversário e consegue colocar uma série de golpes de mãos e de pernas. No segundo assalto, Yago cai ao chão. O árbitro pára o combate, pergunta se o atleta está bem e inicia a contagem decrescente... 10, 9, 8, 7, 6... chega ao zero e Yago, apesar de parecer estar em condições, não dá o passo que as regras obrigam. É declarado ‘knockout’, apesar dos sonoros protestos do seu treinador e Flávio vence o combate. Corre para beijar a mulher e abraçar os familiares – a mãe, o pai, um dos dois filhos e vários amigos. "Tenho muito orgulho nele, ele quer ser profissional de kickboxing e eu apoio-o a 100%", conta à ‘Domingo’ Vanessa Costa. Pouco depois, o próprio Flávio explica os sacrifícios que faz pela modalidade. "Sou cortador de carne num hipermercado, mas a minha paixão é o kickboxing. Treino duas, três horas por dia, às vezes mais, é preciso fazer sacrifícios. Gostava de ser profissional mas, em Portugal, viver do kickboxing como atleta é impossível. O meu objetivo é ir para o estrangeiro", conta o atleta da equipa Vos Gym Portugal, de 25 anos.
Regras diferentes
Os combates prosseguem a um ritmo acelerado. Os duelos de Muay Thai distinguem-se pelo ritual antes da luta e pela música que acompanha os combates. Seguindo a tradição desta luta de origem tailandesa, os lutadores surgem com um cordão à volta da cabeça, o ‘mongkon’, objeto simbólico que os mestres dão aos seus alunos quando os consideram aptos a combater. Os dois oponentes executam o ‘wai kru’, uma espécie de dança à volta do ringue em que procuram proteção divina e mostram o respeito pelo mestre. O combate de três assaltos faz-se ao som da ‘sarama’, uma música hipnótica marcada pelo ritmo dos tambores e melodia de flauta.
Das várias modalidades de luta, o Muay Thai (luta tailandesa numa tradução literal) é uma das que permitem maior variedade de golpes. A chamada "ciência dos oito limbos" permite o uso das mãos, tíbias, cotovelos e joelhos. No kickboxing, há uma grande variedade de categorias, mas a mais popular é o K1. Tem várias diferenças em relação ao Muay Thai, mas, simplificando, proíbe o usos de cotovelos e limita o uso dos joelhos ou de chaves no pescoço.
A maioria dos atletas que compete em Portugal faz tanto Muay Thai como kickboxing, até porque assim tem muitas mais oportunidades de competir.
Dina Pedro foi a mais brilhante atleta feminina do kickboxing nacional. Retirada da competição em 2007, acumulou vários títulos de campeã europeia e mundial da WAKO, a federação oficial do kickboxing. Instrutora há muitos anos, é responsável pela Dinamite Team, uma das equipas mais prestigiadas do País. Na gala lisboeta, Dina trouxe três dos seus atletas. "Estes eventos são importantes para divulgar a modalidade. Vejo que o interesse está a crescer, cada vez aparece mais gente a treinar. Nem todos chegam aos ringues, é natural que assim seja, mas o desporto está a atrair mais pessoas", conta a treinadora, que tem a seu cargo dez atletas profissionais.
Um deles é Diogo Calado, que há muito não compete em Portugal. Já venceu vários títulos europeus e mundiais e é neste momento campeão europeu na categoria de 72 kg em Thai Boxing, título da WBC. Veio à Gala ‘Heroes Night’ apenas para ver os colegas. "É pena que não haja mais oportunidades para atletas portugueses combaterem lá fora, porque há muito talento. Os apoios financeiros é que são escassos." Diogo fala do maior temor que os lutadores enfrentam – as lesões: "Já parti uma mão, uma tíbia e o maxilar. Qualquer atleta de alta competição está sujeito a lesões, mas nos desportos de combate elas são mais frequentes", conta o lutador de 25 anos.
Títulos nacionais
O grande combate acontece por volta das onze e meia da noite. Fábio Lopes, da Dinamite Warriors Factory Team, da Marinha Grande, defronta David Gonçalves da Bad to the Bone, de Lisboa. Em disputa está o título nacional de neoprofissionais K1 66 kg. Ao longo dos cinco assaltos de dois minutos, Fábio e David alternam momentos de maior supremacia de um e de outro. David, que começou melhor e atirou mais do que uma vez o adversário ao tapete, celebra efusivamente no final, enquanto espera a decisão dos árbitros. Mas estes dão a vitória aos pontos a Fábio, que esteve melhor nos dois últimos assaltos. "Foi um grande combate, joguei muito bem, mas o meu adversário também jogou, aceito a decisão", conta David Gonçalves, eletricista de 22 anos. Fábio Lopes, de 24 anos, diz-se "muito orgulhoso" do título conquistado. Natural de Aveiro, começou a combater em Ílhavo e mudou-se para a Marinha Grande por causa do ginásio, mais competitivo, que funciona nesta cidade. Trabalha numa fábrica, mas o sonho é vingar como profissional de kickboxing. "Treino todos os dias ", explica.
O relógio marca 01h50 quando chega o segundo combate para o título nacional, o último da noite. Hugo Estrela, do Team Paulo Oliveira, defronta Eduardo Pires, do Team Target Originals, pelo título de neoprofissionais k1 57 kg. São pouco mais de 100 os adeptos que ainda resistem, mas o entusiasmo compensa as cadeiras vazias. É uma luta de almas, de vontade contra o cansaço evidente com que chegam ao final do quinto assalto. Os juízes dão a vitória a Eduardo Pires e os seus amigos carregam-no nos ombros. "É um momento muito especial, tenho um grande orgulho nele." Quem o diz? A mãe, Elisabete Pires, que passou toda a noite em cima do ringue ou ao lado deste a observar os combates e a tirar notas, como juíza de um desporto que há muito deixou de ser só para homens.
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